Com exclusividade à Rolling Stone Brasil, Pe Lanza conta como lidou em sigilo com diagnóstico de ‘pólipo gigante’ em prega vocal, descoberto poucas semanas antes de sair por um ano na turnê de despedida do Restart: ‘questão de superação’
Eduardo do Valle (@duduvalle) Publicado em 13/11/2024, às 16h00
O Restart ainda se preparava para os primeiros shows da turnê de reencontro do grupo em setembro de 2023, quando o vocalista Pe Lanza perdeu a voz em uma conversa casual. Faltavam poucas semanas para a Pra Você Lembrar Tour, que marcaria o reencontro e a despedida do grupo, com ingressos da primeira apresentação esgotados em menos de duas horas.
"Eu fiquei rouco e perdi a voz", relembrou o músico à Rolling Stone Brasil, onde falou pela primeira vez sobre o problema que quase o tirou dos palcos. O caso, ocorrido em um jantar entre amigos, acendeu um alerta para ele, que já tinha percebido diferenças na performance vocal nos dois anos anos anteriores - até então, uma presumida rouquidão. “Achava que eu só tava ficando mais velho.”
O sumiço da voz foi suficiente para ele procurar ajuda do otorrinolaringologista Reinaldo Yazaki, diretor do Instituto da Voz Artística, com quem o cantor já tinha trabalhado anteriormente. Atendido prontamente, ele se lembra da expressão de espanto do médico quando fez os exames de imagem.
“Quando eu fui, tava meio receoso, mas não esperava que a coisa fosse do jeito que era, do tamanho que era a lesão que eu vinha carregando, principalmente. E aí foi um baque muito forte”, relembrou Pe Lanza.
O diagnóstico: “um pólipo, naquela época gigante, na prega vocal esquerda”, recorda o doutor Yazaki. "É uma lesão inflamatória, geralmente crônica, que vai crescendo em virtude dos traumatismos que uma prega causa ou infringe na outra." A solução ideal: cirurgia. Ao menos na leitura de Yazaki para aquele momento.
“Eu perguntei pro doutor, 'eu vou conseguir cantar?'”, recorda Pe Lanza. “E ele disse: 'na verdade você vai, porque a gente vai fazer o possível e o impossível pra isso, mas a ideia era que você operasse agora'.”
“Era completamente inviável naquele momento”, recorda o médico. De frente com uma turnê que contava com Pe Lanza no palco por dezenas de apresentações no ano seguinte, “nós não tínhamos outra oportunidade, senão fazer o tratamento clínico, que é o acompanhamento seriado da condição da prega vocal, junto com o repouso vocal fora dos shows, junto com exercícios de fono para evitar com que a laringe fique tensa”, relembra Yazaki.
A decisão pelo tratamento acabou vindo acompanhada também da opção por não ir a público sobre sua condição clínica. Naquele momento, Pe Lanza queria evitar danos à turnê confirmada do Restart e a preocupação de fãs, que aguardavam aquele momento há pelo menos oito anos.
“Eu decidi contar para muito pouca gente. A real é essa”, ele diz. Contou à esposa, contou à irmã, mas não contou aos pais: “[Para] meus pais eu não quis contar, pois acho que eu os pais têm esse zelo exacerbado da coisa e podia acabar bagunçando um pouco a minha cabeça.”
“As pessoas que sabiam eram as pessoas que tavam trabalhando comigo na turnê do Restart. Eu não podia deixar principalmente meus parceiros de banda sem saber dessa situação.”
Pe Lu, guitarrista do Restart, se lembra do choque de receber a notícia às vésperas da turnê: “Eu acho que, no primeiro momento, a gente teve um choque até por não entender exatamente o que isso significaria. O primeiro papo que a gente teve tinha um pouco de, 'putz, não é uma boa esse cara cantar, porque isso vai prejudicar mais, talvez, a condição dele'”, diz.
“Depois acho que isso de certa forma juntou a gente mais ainda numa coisa de cuidado, de você prestar atenção no outro, de entender a necessidade do outro e aí acho que essa história do Pe despertou isso em todos nós. O fato de ele precisar se hidratar mais durante alguns momentos do show fez com que a gente pensasse, 'bom, agora eu tenho que estender essa fala, porque o Pe precisa ter esse microtempo ali pra tomar uma água, pra passar um soro, fazer uma história'. De certa forma, isso se tornou um lugar de cuidado que reforçou mais uma das coisas legais que a gente desenvolveu e evoluiu dessa nossa relação. Enfim, eu fiquei mais fã ainda da história do Pe como profissional”, comentou Pe Lu.
Com a notícia assustadora de uma lesão a poucas semanas da turnê e um extenso tratamento pela frente, Pe Lanza ainda teria pela frente outro desafio - o psicológico, de manter-se seguro para as apresentações, apesar de sua condição. “Eu não podia deixar aquele problema, a minha cabeça, falar mais alto do que a minha vontade de entregar, de ter uma entrega 100%”, relembra o músico, para quem o diagnóstico foi como uma “virada de chave”.
Para além dos exercícios, acompanhados pelo doutor Yazaki e por uma equipe de preparação vocal e fonoaudiologia, Pe Lanza se viu diante de uma rotina inalações constantes e remédios, incluindo corticoides, que afetaram inclusive seu peso:
”Eu acabei dando uma inchada. Muitas piadinhas da internet, acho que a galera vai começar a ligar uma coisa com a outra e vai fazer sentido agora, né?! Enfim, tô acostumado com essas críticas. Mas ganhei muito peso nesses meses, nesse ano de turnê por conta disso, né?! Foram muitos medicamentos para que eu pudesse chegar no palco e entregar a coisa da maneira que ela merecia, que a banda merecia realmente.”
Agora, Pe Lanza precisava repousar a voz em quase todo o tempo em que não estava no palco. E isso incluía a própria casa, onde tarefas como uma faxina ou até uma reforma passaram a oferecer risco à sua saúde vocal. “Eu quero continuar cantando. E para continuar cantando, eu vou ter que mudar radicalmente todo meu comportamento.”
Sua equipe ainda o alertou para outro risco: o próprio contato com fãs em momentos como os meet & greets, em que a banda encontra o público. Aquela exposição, de um abraço ou uma conversa, poderiam ser nocivas ao cantor, que se define como um “pára-raio de bactéria”. Quando aparecia, era questionado pela diferença na voz:
“As pessoas me paravam no meet & greet e falavam ‘nossa, você tá rouquinho, tá cansado’. E às vezes eu tinha vontade de compartilhar aquilo - preferi não contar para que ninguém ficasse com uma imagem de coitadinho. E não é coitadinho, é uma questão de superação”.
Com o tratamento, Pe Lanza acredita que “novas portas” se abriram para ele, como cantor. Depois de reaprender a própria fala - de uma forma menos prejudicial às pregas vocais - ele precisou repassar sua técnica de canto junto a sua equipe: “eu vi que podia empostar a voz do mesmo jeito, só que sem usar tanto o peito, por exemplo, então fazia um registro misto, usava a voz meio de cabeça, meio com o peito; fui vendo também que os remédios iam fazendo efeito, então o falsete que não existia mais às vezes começava a aparecer”.
É claro que, nas quase 20 datas do reencontro do Restart, a voz nem sempre esteve 100% em todos os momentos. Pe Lanza optou por deixar gravações de backup - o famoso playback - para ser utilizado em situações em que pudesse falhar (“os haters talvez gostem de saber disso [risos]”). E contou com a equipe de mesa, que o acompanhou a cada performance. A medida acabou não sendo necessária: as gravações nunca foram usadas nos shows.
"Tem muito cantor jovem, como é o caso do Pe Lanza, que não quer ter playback, gravação prévia, então tem que honrar o ao vivo, de fato, sem nenhuma gravação, nenhum apoio, e cantando em cima daquilo”, explica o médico Reinaldo Yazaki. “É a maior causa de lesão, de ferida, de injúria, de machucado em pregas vocais de profissionais: a honra, o compromisso e a responsabilidade de entrar no palco com uma voz que já não estava bem, por causa de um reles, uma simples infecçãozinha."
Infecção que, de fato, o tirou do palco nos shows finais da turnê, que precisaram ser remarcados, ainda em outubro de 2024, após um diagnóstico de broncopneumonia bacteriana e H1N1. Sem inocência, Pe Lanza sabe que, para voltar a cantar como já cantou, ele precisará se submeter a uma cirurgia. “Vai me doer”, admite.
Ainda assim, ele defende ter entregue o melhor de si - se nem sempre em voz, muito na energia, que acabou sendo, para ele, a marca do retorno dos fãs. “Em alguns shows, principalmente agora no final da turnê - as pessoas reparavam que eu tava mais rouco e tal."
"Mas na internet, todo o feedback que eu tinha era de pessoas que, sem saber desse quadro clínico, elas valorizavam a entrega. E a energia não mente, né?! Isso foi legal: as pessoas mesmo sem saber que tinha o problema ali, elas viram que tinha uma entrega, às vezes além do comum, que fazia o problema passar batido”.
Menos de um mês após entregar o último show da turnê de despedida do Restart, Pe Lanza olha para frente. Questionado sobre parar de cantar, ele garante que não é uma opção. Ainda em tratamento, ele volta aos palcos na próxima semana, com um show no dia 19, no City Lights Music Hall, em São Paulo, onde apresenta seu novo single, "Te Espero".
Composta em 2012 e nunca lançada, a canção sai oficialmente dia 18 de novembro, agora com novos arranjos. A proposta, Pe Lanza explica, é de seguir o pop punk pelo qual é conhecido, unindo-o com uma escrita influenciada por Andy Grammer e com elementos do reggae californiano:
"Nessa primeira música, nesses primeiros singles, acho que tem muito de Sublime, de Slightly Stoopid, são bandas da Califórnia que conversam bastante com esse estilo pop que eu faço".
No show da próxima semana, e em outros ainda sem data confirmada, seu objetivo é chegar mais perto do público - movimento difícil nos shows lotados e enormes do Restart, mas que vão completamente de encontro com as aspirações do que ele define como um "Pe Lanza 3.0 - agora um pouco mais grisalho": a vontade de cantar, que permanece mais forte do que nunca. “Eu vou viver de música e vou viver de arte para sempre. Eu não me imagino fora do palco.”
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