Álbum que lançou a então adolescente neozelandesa ao estrelato completa uma década neste 27 de setembro - aqui, relembramos nosso mergulho pela mente da jovem cantora em seus primeiros dias de fama
Adaptado do texto original de Rob Tannenbaum Publicado em 27/09/2023, às 16h00
Adaptado do texto original 'Realeza por Acaso', de Rob Tannenbaum para a Rolling Stone.
Uma luminária ou uma vasilha? Ella Yelich-O’Connor – você deve conhecê-la como Lorde – quer comprar um presente de Natal para seu empresário, por isso estava com um olhar confuso naquela loja chique de design em 2014 em Herne Bay, um bairro de Auckland (Nova Zelândia), com cheiro de riqueza e mar. Ambas são ótimos presentes, mas Lorde, que está usando calça cinza claro e uma blusa levemente menos cinza, está determinada a descobrir qual é a melhor. “A Taylor é superboa nessas coisas”, diz. Então por que não mandar uma mensagem com fotos das duas para ela? “Ótima ideia.” A amiga Taylor Swift está em Londres, onde é quase meia-noite, e não responde imediatamente, então, depois de mais alguma deliberação, Lorde escolhe a vasilha.
Fora da loja, em um café na Jervois Road, somos interrompidos a cada seis minutos por pedidos de autógrafos e fotos de neozelandeses educados aproveitando o calor do verão. Um ônibus escolar com crianças de jaquetas vermelhas para no semáforo e, quando elas percebem Lorde ali, acenam uniformemente encantadas.
Em “Royals”, música ganhadora do Grammy de Single do Ano em 2014, Lorde zomba da estupidez de estrelas pop que se gabam de dirigir Maybachs e de beber champanhe Cristal e também se oferece abertamente para substituir os idiotas que dominam as paradas musicais. Um papo muito sério para uma adolescente vinda de lugar nenhum. “Sempre gostei da ideia de confiança. Tipo, chamei meu disco de Pure Heroine”, ela ri. “Até meu nome artístico é meio metido ou grandioso.” Ela menciona um verso de “Dark Fantasy”, de Kanye West (“Me found bravery in my bravado” [Encontrei bravura em minhas bravatas]), que lhe deu coragem para anunciar sua ambição em “Royals”.
“A forma como eu me visto e me porto, muita gente acha estranha ou intimidadora. Acho que toda a minha carreira pode ser resumida em uma palavra que sempre digo em reuniões: ‘força’.”
Aos 17 anos, Lorde já possuía dois Grammys nas mãos (também recebeu um na categoria de Melhor Performance Solo Pop naquele mesmo 2014) e merecidos elogios por seu álbum inteligente e peculiar. No dia de outubro em que “Royals” chegou ao número 1 – desbancando Miley Cyrus –, Lorde posava para uma sessão de fotos em Nova York. “O fotógrafo ficava dizendo: ‘Requebre o quadril um pouco. Tente parecer bonita. Um sorrisão agora!’ E eu pensava: ‘Estou no número 1 neste país não porque flerto e pisco e toda essa merda, mas porque faço exatamente o que quero fazer’. Então, não, ele não ganhou sorrisos.” Em seguida, ela sorri.
O telefone de Lorde toca. É uma mensagem de resposta de Taylor Swift. “Ai, merda. Ela escreveu: ‘Amei a luminária’. Nããããão!”
Onze músicas diferentes chegaram ao número 1 há uma década, em 2013, mas nenhuma teve um caminho tão sinuoso quanto “Royals”, que desafiou o modelo tedioso e decadente que existe há décadas sobre como a música é feita e comercializada. Sucessos inspiram imitações, mas a combinação de acaso, acidente e talento latente de Lorde não pode ser duplicada.
Ela gravou Pure Heroine na Nova Zelândia – um país mais conhecido por ser o cenário dos filmes da série O Senhor dos Anéis e O Hobbit –, compondo com o produtor Joel Little, cuja fama ínfima veio de seu período como vocalista da Goodnight Nurse, uma banda local que soava como Green Day. Lorde e Little – “dois perdedores aleatórios”, nas palavras dela – trabalharam sem interferência no estúdio simples dele, em Morningside, uma zona industrial em Auckland. Toda vez que um caminhão passava, eles tinham de parar de graver os vocais. Juntos, criaram um álbum com faixas equilibradas sobre a vida adolescente: não apenas as panelinhas e o tédio, mas os padrões emocionais específicos da geração de Lorde (“É uma nova forma de arte, mostrar às pessoas quão pouco nos importamos”, ela diz).
Quando a gravadora dela na Nova Zelândia ouviu as faixas, deu de ombros. Então, no final de 2012, Lorde colocou cinco músicas para download gratuito no SoundCloud, batizou a coletânea de The Love Club EP e viu tudo acontecer: downloads, comentários em blogs e endossos de fabricantes de sucessos (Dr. Luke, ainda no auge do sucesso, naquela época), garotas legais (Grimes) e garotos legais que faziam sucesso (Diplo). Russell Crowe e Karl Lagerfeld – opostos extremos – declararam admiração à música dela. Apenas dois meses depois que “Royals” estreou no Spotify, chegou ao topo da parada viral da plataforma. “Achei que seria uma coisa legal no SoundCloud, mas acabou sendo uma coisa legal no iTunes. E no Spotify. E no YouTube. E nas rádios”, comemora a artista.
Àquela altura, Lorde usava Twitter, Tumblr e Instagram para divider opiniões e medos. Já escreveu sobre uma espinha que estourou, medo da lição de casa, sobre ter US$ 26 no banco (antes da hecatombe de Pure Heroine, obviamente), sobre seu amor desavergonhado por Phil Collins. Em entrevistas, declarou-se feminista, denunciou o tema passivo de “Come & Get It”, de Selena Gomez, como antifeminista, e falou sobre grandes escritores – Raymond Carver, Sylvia Plath – de uma forma que mostrava que os havia lido e entendido. À medida que a música dela se espalhou, os fãs ficaram sabendo que Lorde era teimosa, determinada e franca – uma adolescente com garras.
Mas aqueles que vivem pela internet também morrem pela internet. Em novembro de 2013, o amigo de um amigo fotografou Lorde em uma praia local, de biquíni, abraçando o então namorado James Lowe, cuja família é chinesa, e a foto se espalhou do Facebook e Tumblr para blogs e sites de celebridades.
“Quando ouvi falar das fotos, pensei: ‘Agora um monte de gente na internet vai ficar falando da minha bunda’.” Embora saiba que os comentaristas normalmente sejam “o tipo de gente que usa a palavra ‘veado’ como insulto”, ela também não está “completamente imune ao insulto. Sou um ser humano”.
A fofoca: o namorado de Lorde era sete anos mais velho. “Eu não falei: ‘Ah, claro, pode ir lá namorar um rapaz de 24 anos’”, conta a mãe da cantora, Sonja Yelich. “Só que o pai dela e eu conhecemos James e gostamos dele. Quando ela era muito mais nova, seu primeiro namorado era mais velho – quatro anos a mais ou algo assim.” Dada a maturidade de Lorde, seria mais surpreendente se ela namorasse alguém da mesma idade. E, se Justin Bieber tivesse namorado uma mulher de 24 anos quando tinha 17, as pessoas teriam dado um sorrisinho e um “toca aqui”.
Quando a foto veio à tona, valentões e racistas no Twitter ficaram encantados. Os comentários incluíam “o namorado da Lorde parece o estudante chinês de intercâmbio de Gatinhas e Gatões” e “garota, seu namorado parece o Mao Tsé-Tung”. “Algumas coisas bem maldosas”, Lorde lamenta. “Você quase se questiona sobre os seres humanos.” Andando por Auckland, é fácil notar que é uma cidade diversificada, com muitas relações inter-raciais.
“É por isso que a reação foi tão surpreendente para mim”, ela diz. “Ninguém que conheço acharia isso grande coisa.”
Os pais de Lorde não poderiam ficar menos surpresos com o sucesso da filha. “Não é a primeira vez que as pessoas nos dizem que Ella é um gênio”, afirma a mãe, depois de um passeio de seis horas de carro por Auckland. “Desde que ela tinha 3 anos, professores falam isso.”
Sonja Yelich é uma poetisa renomada que ganhou um prêmio nacional na Nova Zelândia na categoria de “melhor primeiro livro de poesias”, em 2005. Àquela altura, acompanhava Lorde com frequência nas turnês e, apesar de saber da maturidade da filha, ainda se preocupa. “Não quero que ela se pareça com a Lindsay Lohan.” Sonja, o marido, Vic O’Connor, e seus quatro filhos (todos nascidos em casa) moravam em Devonport, uma vila próspera à beira-mar com praias de areia branca e um astral hippie. Embora as pessoas presumam que a mãe seja o ídolo de Lorde, ela se parece mais com o pai, um engenheiro civil comedido e disciplinado. Os jantares em família pareciam com salões profanos, com provocações, gritos e choques de opinião sobre arte e política. Sonja diz: “Simplesmente falamos alto. Muito alto. Incrivelmente alto”.
Entre os muitos prêmios na escola, Lorde ganhou uma competição de canto com sua versão para “Warwick Avenue”, de Duffy, acompanhada por um colega de classe, Louis McDonald, cujo pai começou a mandar a música para figurões locais, incluindo Scott Maclachlan, da gravadora Universal Music na Nova Zelândia. Maclachlan amou a voz de Ella e decidiu “extraí-la” da dupla. Quando trabalhou na Jive Records em Londres, ele havia tido como mentor o executivo Clive Calder, que tramou a carreira de Britney Spears, Backstreet Boys e ’N Sync. Um pit bull alto e educado com cabelo tipo Morrissey e língua afiada (quando a estrela pop britânica Cher Lloyd criticou Lorde, ele a chamou de “vadiazinha sem talento” no Twitter), Maclachlan assinou com Lorde um acordo de desenvolvimento de baixo custo e imaginou um esquema típico de gravadora: ela cantaria alguns clássicos do soul e ele a transformaria em uma “Joss Stone adolescente”.
Só que Lorde se recusou a seguir esse esquema. A ideia de uma carreira musical poderia ter desaparecido – o que Sonja não teria achado ruim naqueles tempos, já que se opôs ao fato de a filha assinar um contrato, “porque via grandes coisas para ela em uma universidade”. Se Scott Maclachlan não tivesse se casado com uma neozelandesa e deixado Londres ou se o pai de Louis McDonald não tivesse grandes ambições para o filho, a carreira de Lorde não existiria. No entanto, dois outros eventos, ainda mais imprevistos, também aconteceram: a jovem cantora acabou se revelando uma ótima compositora e encontrou um colaborador-parceiro em Joel Little.
Cuidadosa com tudo o que ela própria (ou seus pares) acharia brega ou nada legal, a então adolescente já recusara muitas ofertas e oportunidades lucrativas, incluindo somas de dinheiro “que fariam adultos chorar”, conta Maclachlan. O pai dela trabalhava com um contador para supervisionar as finanças, que ela ignorava a tal ponto que parece estar em estado de negação sobre sua riqueza. “É muito dinheiro e me esforço muito para não pensar nisso”, afirma. “Vou fazer um disco bom depois de pensar em quanto dinheiro tenho? Provavelmente não.” Afinal, por que Lorde precisaria de muita grana naqueles longínquos 2013, 2013? Ela ainda morava com os pais.
Lorde anda como se enfrentasse uma ventania forte. Olhando com seus olhos azul-acinzentados para os sapatos pretos pesados que está usando, ela se inclina para a frente e balança os braços nos lados, enquanto caminha rápido pelo centro de Auckland, rumo a um restaurante japonês onde vamos jantar. “A forma como eu caminho é intimidadora, já me disseram. Eu ando como um homem.” Há nela alguns tiques reveladores de adolescente, incluindo a forma como desvia o olhar e murmura diante de uma pergunta que não quer responder.
Quando era mais nova, gaguejava. Psicólogos supuseram que sua boca não conseguia se mover tão rápido quanto o cérebro. A gagueira passou, mas ela enfrentou a insônia frequentemente. Sua mãe descreve melhor: “A cabeça da Ella sempre está pegando fogo”.
Depois de terminar uma tigela de sorvete, fomos para a Queen Street, a principal rua comercial de Auckland. Ela falou sobre uma de suas memórias mais antigas, que revela uma espécie de confiança serena. Quando tinha 2 anos, sua mãe a deixou no espaço Infantil de um shopping center – “Devia ter sido perto do Natal” –, onde crianças pintavam tubos de cartolina e os decoravam com papel crepom. Ella pegou um pincel e começou a usá-lo em uma folha de jornal, quando uma adulta lhe disse que o que estava fazendo era errado. “Ainda me lembro da voz dela, e lembro que olhei para cima e pensei: ‘Estou em meu próprio mundo. Sei o que estou fazendo’.” Aos 2 anos de idade, Ella já era Lorde.
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