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Rock

Quando os metaleiros choram: o adeus de um patrimônio nacional

Com sua turnê de despedida chegando ao fim, o Sepultura prova porque é e sempre será uma das maiores bandas de heavy metal do planeta. E vai deixar saudades

Felipe Fiuza Publicado em 08/09/2024, às 16h55

“O Sepultura vai acabar.” Disseram. ‘Balela, a banda está mais firme do que nunca’, pensei. Eis que em dezembro de 2023 surge o anúncio nas redes sociais: “O Sepultura vai parar. Vai morrer. Uma morte consciente e planejada.”

A primeira lembrança que me vem à mente é a de um garoto no interior de São Paulo comprando com seu primeiro salário uma camiseta do álbum Chaos A.D.. A peça não desgrudou do seu corpo até se desfazer. “O Sepultura vai acabar.” Disseram.

Há quem diga que já era hora da banda se despedir da música. Que é melhor parar “no auge” do que se enfiar em turnês ‘caça-níqueis’, com shows mornos e vivendo o brilho dos velhos tempos. Discordo.

Quem gosta de música no geral, reconhece o valor de uma das maiores bandas de metal do planeta. Quem gosta de música, mesmo sem gostar do estilo, sabe que a importância da banda transcende gêneros musicais. O Sepultura é um patrimônio. Mas “vai acabar”, disseram.

Houve uma época em que a máxima de que “o metal morreu” pairava feito a garoa paulistana nos recônditos do underground na cidade. Uma época em que vocalistas deixavam suas bandas e grupos de metal se sentiam intimidados pela nova geração (da época): o grunge. Vide o Metallica e seus Load e Reload. Mas o Sepultura não. Mesmo em meio às reviravoltas Cavalerísticas da vida, Andreas Kisser e Paulo Xisto Jr. continuavam a fazer das tripas coração para manter a banda com combustível e na mesma estrada de sempre, prezando pelas características fundamentais do Sepultura: velocidade e peso.

Mas ainda há quem diga que o Sepultura de hoje não é mais aquele de outrora, com inovações musicais ritmadas com uma mistura de ritmos tribais e pesados; mas seria o caso? Seria talvez a resposta para essa pessoa mais um disco à la Roots? Nunca saberemos. Mas o que temos certeza é de que “o Sepultura vai acabar.”

No dia 07 de setembro de 2024, a banda fez seu segundo show de três apresentações no Espaço Unimed, na capital paulista, todos com ingressos esgotados. A banda de abertura foi a venezuelana Cultura Tres, que conta com Paulo Jr. no baixo, e foi por causa dela que conheci uma fã do Sepultura que estava com o neto no show. Seu nome é Ilana Casoy, escritora, roteirista e criminóloga, que colaborou na série Dupla Identidade (2014), de Gloria Perez, e Bom Dia, Verônica (2016), em parceria com Raphael Montes. Ilana e o neto Gabriel, de 9 anos, estavam ansiosos para acompanhar um dos últimos registros ao vivo da banda. “Eu acompanho o Sepultura desde sempre, e estou muito feliz de estar aqui hoje, e ao mesmo tempo triste por estar acabando, mas quero que venham mais Sepulturas e eu tenha tempo pra ver [risos]. Eu acho que eles acabam mas nunca acabam, e vão deixar uma marca importante no heavy metal, pois quem gosta nunca vai parar de ouvir. O Sepultura já ficou com o pé na eternidade”, comenta a escritora.

O pequeno Gabriel estava impaciente para o início da apresentação, subindo e descendo da grade e perguntando a cada cinco minutos se já ia começar. “Eu me surpreendi com o gosto musical dele e ele se surpreendeu com o meu, pois na escola ninguém entendeu muito bem que ele iria num show do Sepultura com a avó, mas eu finalmente tenho companhia para curtir isso aqui e ele também, pois os pais não o iam trazer. É muito gostoso compartilhar essa afinidade com ele”, finaliza Ilana.

Mas para a felicidade do pequeno Gabriel e dos oito mil fãs, as luzes da casa começam a se apagar e os riffs de War Pigs, do Black Sabbath, tomam conta dos amplificadores. Era apenas a introdução, o áudio era o original da banda. Logo após, Polícia, dos Titãs, também é tocada, e após essa o Sepultura finalmente entra no palco com a poderosa Refuse/Resist, do álbum Chaos A.D., seguidas por Territory e Slave New World, do mesmo disco.

O potente gutural do vocalista Derrick Green complementa a velocidade da guitarra de Andreas Kisser com as Phantom Self, do Machine Messiah, Dusted, Attitude e Cut-Throat, do Roots. Na sequência do petardo sonoro vieram Kairos, do álbum de mesmo nome, Means To An End, do Quadra, Sepulnation, do Nation, Guardians of Earth, do Quadra, e Mind War, do Roorback. Apesar de ser sua segunda apresentação na noite, a energia do baixista Paulo Jr. continuava a toda nas False, do Dante XXI, Choke, do Against, e Escape to the Void, do Schizophrenia.

Alguns sortudos fãs tiveram a oportunidade de subir ao palco e tocar tambores na pré-Roots Kaiowas, do Chaos A.D., junto com Supla, Yohan Kisser, Marcio Sanches e membros da equipe. Aproveitando o gancho, preciso abrir uma aspas especial para o responsável por martelar a bateria nessa turnê: Greyson Nekrutman.

Meses depois do anúncio da turnê de despedida Celebrating life through Death, o ex-baterista Eloy Casagrande deixou a banda para se juntar ao Slipknot. Não vou entrar na seara de discutir atitudes do baterista nem da banda, deixo isso para os especialistas nas redes sociais. Imagine você, segurar o rojão, ou melhor, as baquetas, de uma das maiores bandas de heavy metal do planeta em sua turnê de despedida. Pois bem, Greyson segurou. Com atitude, aprendeu o extenso setlist e, com louvor, senta o braço nos tambores das rápidas e quebradas músicas da banda. Mas o “Sepultura vai acabar”, insistiram.

Dead Embryonic Cells, do Arise, Biotech is Godzilla, do Chaos A.D., Agony of Defeat, do Quadra e o cover de Orgasmatron, do Motörhead, maestram novas rodas de bate-cabeça entre os mais fervorosos. Troops of Doom, do Schizophrenia, Inner Self, do Beneath the Remains, e Arise, do álbum de mesmo nome, fecham o set para o bis com a dobradinha Ratamahatta e Roots Bloody Roots, do Roots. Perfeito. Arrisco dizer que vejo alguns marmanjos de olhos marejados quando o quarteto deixa o palco. Difícil dizer se era emoção ou birita, afinal, o “Sepultura vai acabar”.

Seria lugar-comum dizer que em meio a tantos percalços o Sepultura continuou firme. Não continuou. Tiveram seus altos e baixos como qualquer banda. Como qualquer pessoa. Como qualquer relacionamento. E como qualquer um de nós, uma hora acaba, como insistiram em nos dizer, como eu martelei neste artigo: o “Sepultura vai acabar”. Como o próprio Sepultura disse: “O Sepultura vai parar. Vai morrer. Uma morte consciente e planejada.” No entanto, prefiro concordar com a Ilana, que com sabedoria e sorriso no rosto afirmou que o Sepultura já deixou seu pé na eternidade. Prefiro essa versão, e vou acrescentar uma palavra na frase que mais usei aqui: o “Sepultura nunca vai acabar”.

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