Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Harry Mack refletiu sobre o papel do público no improviso, assim como as possibilidades do universo virtual
Camilla Millan Publicado em 31/07/2021, às 10h00
É difícil imaginar o rap de improviso, cypher (reunião de MCs), rodas de rimas e a cultura Hip-Hop, em geral, sem o contato presencial - praticamente imprescindível para a conexão entre pessoas. Com a chegada da pandemia e devido ao isolamento social, contudo, os artistas precisaram encontrar alternativas e se reinventar a partir da própria arte - principalmente Harry Mack.
Sem troca física com pessoas, o rapper norte-americano conhecido pela rapidez, criatividade e talento impressionantes no improviso viu a carreira ser potencializada na pandemia, mesmo com as restrições da OMS. Nas redes sociais e plataformas como o Omegle, o artista encontrou uma maneira diferenciada para se conectar com o público.
“Pude estar online em plataformas diferentes, fazendo rap e maximizando as ferramentas na Internet para preencher aquele vazio de entretenimento para as pessoas durante um momento muito difícil. Fazer algo que levanta as pessoas. Espero colocar sorrisos no rosto das pessoas, é o que eu tento fazer. As pessoas realmente precisam disso, dessa válvula de escape,” explicou Harry Mack em entrevista à Rolling Stone Brasil.
Introduzido ao universo do hip-hop pela irmã mais velha quando ainda era criança, Harry Mack passou a compor com apenas dez anos. Inspirado por ícones como Ashanti, Nelly, Snoop Dogg e Dr. Dre, o músico soube dialogar o entusiasmo com o treino. Desde então, o artista aprimora o rap brilhantemente, dominando a fluidez do encaixe entre lírica e versos afiados.
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Isolado em casa, Mack aproveitou a quarentena para potencializar o rap que realizava desde o início da carreira no formato presencial, assim como desenvolver o trabalho virtual realizado há alguns anos, por meio de transmissões ao vivo. Conhecido do ambiente virtual mesmo antes da pandemia, o artista dialoga criatividade com muito talento — e o resultado foi certeiro.
Em vídeos que viralizaram internacionalmente, o rapper pede aos ouvintes virtuais apenas algumas palavras, que serão usadas em seguida em um improviso preciso acompanhado de um beat. Não importa o termo: Harry Mack consegue rimar com qualquer coisa.
Durante a pandemia, tudo é feito virtualmente. O universo online, por exemplo, possibilitou a conversa entre a repórter que vos fala, em São Paulo, e Harry Mack, em Los Angeles, quase de maneira metalinguística. Para falar, por Zoom, sobre o rap realizado entre telas, refletimos, justamente, sobre essas redes online - assim como o uso das palavras em tempos de uma comunicação remota.
Apesar do atraso na filmagem, problemas de internet e barulho, o ambiente virtual funciona bem para qualquer categoria de comunicação, inclusive quando se trata da arte. Antes da pandemia, Harry Mack sabia da potência das redes para a carreira, e colocou a experiência em prática quando o universo online era a única opção:
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“Antes da pandemia, comecei a fazer experiências com streaming ao vivo como freestyler. Veio a pandemia e essa foi a única opção para todos na música, mas penso que atingiu algumas pessoas com mais força. Algumas pessoas nunca consideraram a transmissão ao vivo, eu só por acaso estava interessado nela um ou dois anos que antecederam a pandemia. Já fiz algumas sessões ao vivo no Facebook”, explicou o artista.
Apesar dessa experiência anterior com o rap no virtual, o Omegle é diferente. Responsável por parte do aumento da popularidade do artista durante a pandemia, a plataforma não foi considerada uma boa ideia desde o início.
Harry Mack caracteriza o Omegle como o “velho oeste da internet” — e há um motivo. Na rede, pessoas de diversos países podem se encontrar aleatoriamente e conversar por vídeo, mas o papo pode não ser agradável.
No começo da pandemia, a sugestão de usar o Omegle surgiu para Mack, mas a reputação da plataforma levou à resistência: “Você está me dizendo haver um site que vai me emparelhar aleatoriamente em chat de vídeo com estranhos de todo o mundo na Internet? O que poderia dar errado?”, brincou.
Entretanto, Mack descobriu a possibilidade de filtrar os interesses no Omegle para diminuir encontros indesejáveis: “Ler as palavras de uma transmissão ao vivo não é a mesma coisa, não consigo ver aquelas pessoas. Estava tentando encontrar uma maneira de fazer isso com estranhos, o que eu acho importante porque não sabem o que esperar.”
Como resultado, Harry Mack percebeu as possibilidades da plataforma: “Não tinha ideia de quão bem seria recebido pelo meu público, mas também do potencial de não ser apenas um truque peculiar, mas de ser um lugar onde posso ter conexões emocionais reais com outros seres humanos. Fiquei totalmente pasmo com essa reação com o Omegle. Nunca pensei que seria o que se tornou. Estou tão impressionado quanto qualquer outra pessoa.”
Um dos importantes elementos do rap é o contato com outras pessoas, seja com o público ou outros artistas. Na forma de improviso, o ambiente ao redor inspira rimas, flow e a criatividade do artista que batalha, além de ser uma troca de referências e vínculos. Qualquer acontecimento, roupa, fala e barulho vira rima — e Mack sabe bem.
Segundo o rapper, uma das principais características do seu improviso é, justamente, o inesperado, e parte desse fundamento vem do diálogo com a audiência: “Pode ser um rap feito pessoalmente sobre o que estou vendo ou posso estar em um estúdio e alguém me falando palavras. De qualquer jeito, é como se você estivesse tentando encontrar um caminho para ter aquela aleatoriedade que chega até você e você incorpora. Essa é a mágica.”
Além do aspecto aleatório, chama atenção o flow no trabalho de Mack. Enquanto precisa encaixar palavras específicas às rimas, o rapper dialoga a rapidez dos versos com os diferentes beats que se desenvolvem ao longo do improviso, transitando entre a velocidade e uma grande conexão com o beat. É difícil ouvir o artista sem, ao menos, balançar a cabeça para seguir a fluidez dos versos.
Para Harry Mack, essa conexão entre ele e o público é especial — e no ambiente virtual, ela continua possível: “Quando você faz o que faço, o público não está apenas assistindo passivamente. Eles são meus colaboradores no processo criativo de fazer a música. Então, eles são tudo (...) Mas, além disso, e em um nível mais profundo, é como a troca de energia. Falo muito sobre essa troca de energia. Como se estivesse sempre observando eles e a energia deles fosse impactar diretamente.”
Devido a esse compartilhamento de energia e sentimentos, o Omegle se transformou em uma grande possibilidade para o rapper. A comunicação, além do áudio, é realizada em vídeo e ajuda Mack a desenvolver o próprio improviso em suas mais diversas nuances. Como resultado dessa conexão, o músico consegue rimar com as mais diversas intenções e conteúdo, transmitindo, por exemplo, importantes mensagens sobre presenvação da natureza e violência - tudo isso sem esquecer das rimas, suspreendendo e emocionando ouvintes.
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“Há diferentes energias que as pessoas emitem. Algumas estão realmente ouvindo, isso vai deixar meu rap de uma certa maneira, talvez mais intelectual. Outras pessoas estão ‘oh, meu Deus’ e riem, então uso mais humor. Não penso nisso, acontece no subconsciente e cria um ciclo de energia louco que apenas aumenta e pode se tornar muito explosivo: esse é o poder da improvisação. Você pode se ajustar à energia dos outros e criar algo feito sob medida para eles naquele momento. Não existo sem o público,” afirmou.
A importância das redes sociais para a carreira de Harry Mack é inegável, principalmente em um momento no qual a população ficou isolada para evitar a transmissão de covid-19. Mas como será com a realidade se nornalizando gradualmente?
Em Los Angeles, onde Mack mora, as restrições de circulação estão diminuindo, possibilitando a reabertura de shows, eventos e, consequentemente, o retorno das atividades normais da cena do rap: rodas, batalhas e contato presencial. O músico, contudo, não pretende acabar com algumas práticas inciadas na pandemia.
“Acredito que vou continuar a fazer rap no Omegle. Talvez não com o mesmo nível de frequência, mas streaming ao vivo e performances virtuais se tornaram uma parte permanente do que ofereço. Tudo se resume ao fato de que o que faço é muito bom transferindo para o virtual, como se não houvesse tanto a perder. E, na verdade, algumas coisas foram melhoradas quase sem dúvida,” relatou o artista.
Além das transmissões ao vivo, Harry Mack também tem interesse na educação cultural. Por meio de aulas particulares, projetos de ensino em escolas da Califórnia e cursos online, o artista compartilha conhecimentos acerca do improviso — e tem algumas dicas importantes para quem quer começar: memorizar os versos de músicas e praticar.
“Memorize pelo menos três de suas canções favoritas de rap e consiga cantá-las palavra por palavra. Você aprenderá sobre letras e rimas. O segundo ponto é prática. As pessoas ficam, ‘mas o que eu pratico?’ Qualquer coisa, e quanto mais cedo melhor. Se você não tem ideia, coloque uma batida e comece a fazer sons, sons rítmicos que soam como rap, nem mesmo palavras. Isso é um estilo livre,” aconselhou Harry Mack.
Caso você se interesse pelo rap profissional, os conselhos do artista podem ajudar, principalmente porque Mack consegue mostrar as habilidades independente das adversidade. Mesmo em meio à pandemia de covid-19, o músico viu o número de fãs se multiplicar enquanto conseguiu reinventar o fazer artístico no universo virtual — e tudo isso sem perder a potência e habilidade dos versos, muito pelo contrário.
Ao final da entrevista à Rolling Stone Brasil, Harry Mack mostrou uma pequena parcela do imenso talento, e transformou a nossa conversa em uma sessão exclusiva de rimas impressionantes e impossíveis de serem transcritas uma a uma para esta reportagem. Cada verso é singular, pensado individualmente e difícil de ser escrito em deconexão com o beat. Mas uma coisa é certa e icônica: a habilidade com as palavras.
Com inteligência, carisma e talento inegável, Mack consolida-se como um grande nome do rap de improviso — e certamente é só o começo. Um dos projetos que o artista pretende realizar consiste em uma apresentação inédita no Brasil, país nunca visitado por ele anteriormente.
“Sinto que há muito amor no Brasil. Tem sempre um monte de gente escrevendo ‘Brasil’ no chat quando estou fazendo rap para falar ‘o Brasil está aqui’, ‘nós te amamos’. Nunca fui ao Brasil, mas temos que fazer dar certo,” concluiu.
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