Apresentação da cantora catalã no Lollapalooza 2023 despertou novos questionamentos à direção artística da Motomami World Tour - mas será que as críticas fazem sentido?
Eduardo do Valle (@duduvalle)
Publicado em 27/03/2023, às 13h34Rosalía acabou com um desafio nas mãos na noite de domingo (26), no Lollapalooza 2023: o de encerrar, como única headliner restante, a programação de um festival marcado por ausências. A mais recente, de Drake, fora anunciada na manhã do mesmo dia, deixando em grande parte à atuação da catalã o sucesso do encerramento do evento. E, se a apresentação ligeira cumpriu bem a missão, houve quem questionasse - novamente - a direção artística do show.
Não é uma novidade para a cantora de 30 anos o descrédito às escolhas da celebrada Motomami World Tour, que já passara pelo Brasil no último mês de agosto, com sua estrutura inovadora - nomeadamente a de um show pensado desde o início em formato vertical, como o de uma tela de celular. Ainda no ano passado, veículos como o espanhol infoLibre já questionavam a artista por uma suposta falta de foco ou ausência de música ao vivo, dado o conceito da apresentação.
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É preciso voltar ao tempo para entender o o ponto de partida de Rosalía para a Motomami World Tour - precisamente há um ano atrás, em março de 2022, quando a cantora apresentou o próprio disco em uma live no TikTok (veja abaixo), um dia antes do lançamento do álbum em si.
Longe de um acaso, a ideia de transportar o público para dentro do palco através de uma captação verticalizada é uma escolha calculada pela cantora ao lado dos diretores do espetáculo, Ferran Echegaray e Pilar Villa, ou Pili, a irmã de Rosalía. Em junho de 2022, a artista explicou em um debate no Museu do Grammy, em Los Angeles, que a imersão é parte do próprio conceito da turnê:
"Era importante que [o público] se sentisse próximo. Estou acostumada a tocar em bares, restaurantes, você sabe, locais pequenos, e pensei: 'como posso seguir tendo intimidade, mas em locais como estádios?' Supus que precisaria de uma câmera enorme para que se sentissem mais próximos dos humanos no cenário."
Foi exatamente com este conceito que Rosalía se apresentou ontem - não apenas para o enorme público que a acompanhou neste domingo (mais de 100 mil pessoas passaram pelo Autódromo de Intergalos neste domingo, 26), mas também a quem a acompanhou pela transmissão do Multishow (veja abaixo).
Mais que 'agradar no TikTok', uma equipe de filmagem própria navega intencionalmente por entre o palco, captando precisamente cada nuance da atuação de Rosalía, famosa por dialogar com a dramaticidade do flamenco. Mais que engessado, o balé que a acompanha em cena é preciso, coreografado por Jacob Jonas (que já assinou trabalhos para nomes como Kanye West, SIA, Elton John e Britney Spears). Ao público que a acompanha da grade, talvez incomode a presença por vezes invasiva da enorme steadicam operada por um cinegrafista próprio que a persegue em cada cando no palco. Mas para quem está no fundo da plateia, a sensação é de estar no gargalo.
Isso não é sinal de artificialidade. Quem acompanhou Rosalía no Autódromo de Interlagos viu uma performance executada perfeitamente - somente menor em duração e conexão, que sua apresentação completa, no último mês de agosto, - no disputadíssimo show no Espaço Unimed. Nas duas ocasiões houve troca com o público. Houve diálogo, interação. Houve gritos de "gostosa", respondidos com simpatia por ela. Houve préstimos à música brasileira (no show de agosto, mencionou "Água de Março"; no Lollapalooza, reforçou a inspiração em Tom Jobim).
Há quem se incomode em acompanhar a artista aos bastidores de um palco. Há quem prefira ficar com a visão da frente do palco, em vez de acompanhá-la à coxia. Mas Rosalía tem um conceito claro em Motomami e o explora de forma orgânica: quando borra os limites entre música urbana e o flamenco contemporâneo; quando capta e coreografa um show vertical em vez da estrutura horizontal do palco; e quando quebra a quarta parede e interpreta para uma câmera.
Rosalía é uma artista de seu tempo. Motomami é um conceito contemporâneo. E com toda inovação há um estranhamento. Porém, focar nas escolhas tecnológicas do show como incidentais é uma armadilha, uma distração talvez, à frente de escolhas estéticas conscientes de uma jovem artista, segura de si e de sua performance o suficiente para transmiti-las em cada detalhe, cada nuance, em alta definição.