No lançamento "As Palavras", Rubel canta contradições de um Brasil recente, questiona bom-mocismo da MPB e redefine a própria identidade artística
Eduardo do Valle (@duduvalle) Publicado em 03/03/2023, às 16h19
Rubel lança, nessa sexta-feira (3), As Palavras, Vol. 1 & 2. O terceiro álbum de estúdio do cantor carioca expande seu alcance como compositor em 15 das 20 faixas da edição dupla, e também sua visão artística, mais madura e questionadora após os celebrados Pearl (2013) e Casas (2018).
"Mais do que gostar de música, eu gostava de letra. Eu queria ser letrista." Se Rubel sempre foi artista das palavras, aqui ele soma a paixão pelas letras a um olhar social mais crítico, menos introspectivo, como se além de poeta fosse também cronista de um Brasil idiossincrático.
"Eu fiquei muito mobilizado pelo que tava acontecendo no cenário político e social, pelo Brasil, que tava entrando num momento muito sinistro", diz, "me fez pensar, daqui a 15 a 20 anos, eu vou olhar para trás e eu vou perguntar o que que eu fiz durante essa época. O que eu tava dizendo? O que eu tava cantando?"
O insight teria sido a deixa para Rubel explorar espaços inéditos para sua carreira até então. Entre faixas que refinam sua MPB de base tradicional, como a excelente "Lua de Garrafa", em que divide letra e música com Milton Nascimento, o disco ainda inclui passagens pelo forró, pelo pagode, com "Grão de Areia", em parceria com Xande de Pilares; e pelo funk, em "Put@ria!", uma divertida oposição intencional à seriedade de parte da MPB, com participação de BK, Gabriel do Borel e Mc Carol.
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"Tem um lance de escancarar, de desencaretar mesmo. Eu acho o meu trabalho, e de algumas vertentes da música brasileira, muito comportadas demais, sabe?"
Mais que uma escolha estética, a união de diferentes vozes é também parte de uma coexistência de tradição e modernidade que é tema desse álbum. "Se a gente tá pensando o que é MPB hoje, que a música popular brasileira, faz muito sentido que a gente dialogue com o funk, porque é o que tem de mais popular e talvez mais brasileiro hoje em dia", explica Rubel.
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Para lançar mão de As Palavras, Rubel precisou mudar a forma de trabalhar. Desde 2019, ele imergiu em uma série de estudos, de harmonia musical a literatura brasileira - que culminou, dentre outros momentos, na também ótima "Torto Arado", referência explícita ao livro de Itamar Vieira Júnior, com participações de Liniker e Luedji Luna.
A passagem pelo cancioneiro acabou o apresentando aos colaboradores certos, que toparam fazer do legado "bem comportada" de seu repertório em algo novo:
"É menos eu sozinho, produzindo no quarto com os amigos. O pagode eu fui produzir com a galera do Tiaguinho, com o Ferrugem. O funk foi com o Gabriel do Borel. Então tem um diálogo. O que também define muito esse disco é um diálogo com grandes músicos brasileiros."
Na seleção final do álbum - lançado pela Coala Records - Rubel ainda incluiu participações de Bala Desejo e Dora Morelenbaum, de Ana Caetano e do duo Deekapz. Em todo o disco, as duas únicas músicas que não foram compostas por ele vêm de Luiz Gonzaga, encaixando-se bem na segunda parte do disco.
"Isso não foi concebido previamente, isso foi feito quando ele já tava todo gravado. Acho o volume 1 é mais popular, ele joga pra um Brasil mais contemporâneo, mais solar. O lado 2 é mais calcado na tradição brasileira, e ele é mais denso. Tem as questões mais políticas, mais difíceis de tratar."
Para quem o acompanhou em Pearl ou em Casas, esse é um Rubel diferente. Do medo confesso de explorar novas vertentes, escolhe por transformar-se em um artista mais consciente. O que faz sem perder a suavidade com que cantava as subjetividades do coração em trabalhos anteriores. Na verdade, o Rubel de As Palavras parece o mais sensível até então. Canta poesia como quem conta história, narrando sobre o agora de olho no futuro, sabendo o peso que a arte carrega, uma palavra de cada vez.
Veja abaixo a entrevista de Rubel para a Rolling Stone Brasil:
Ouça o disco abaixo:
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