Banda Scalene fez primeiros shows desde início da pandemia e falou sobre próximo disco, expectativas e reflexões sobre trajetória
Dimitrius Vlahos (sob supervisão de Yolanda Reis) Publicado em 18/12/2021, às 18h00
Voltar aos palcos depois de quase dois anos longe do público trouxe uma mistura de sentimentos à Scalene. No sábado, 11, a banda tocou no Cine Joia, na cidade de São Paulo, no retorno oficial aos shows. A noite também teve Far From Alaska, em apresentação bem recebida pelo público cheio de energia acumulada. Antes, a banda Disaster Cities abriu os trabalhos e contou com o guitarrista Raffa Brasil - do próprio Far From Alaska - para performar a parceria “Slow Burning in a Dancing Room.”
Desde o início da pandemia, Scalene lançou Fôlego (2020), EP de inéditas com formato mais acústico, o qual rendeu indicação ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa. Além disso, anunciaram o quinto disco de estúdio, com a data de estreia mantida em segredo. Lukão queria revelar a previsão, mas apenas se eu concordasse em ter a memória apagada por um neuralizador, em referência ao filme MIB - Homens de Preto (1997).
Os amigos de infância não miraram nos resultados conquistados, mas — após 10 anos de carreira e com mais maturidade — Lucas “Lukão” Furtado (baixo), Tomás Bertoni (guitarra) e Gustavo Bertoni (vocal e guitarra) pretendem voltar as origens do som "rockeiro," como eles descrevem em tom irônico. Os três sentaram-se para destrinchar os sentimentos do clima pré-show — ou quase isso, como Gustavo se levantava e andava por breves momentos, para, então, se juntar às linhas de raciocínio complexas elaboradas pelos outros dois.
“Só quero tocar,” Lukão afirmou sobre estar de volta enquanto todos riam. A descontração antes da apresentação representava a tranquilidade para enfrentar a ocasião. A banda tinha em mente qual intensidade pretendiam aplicar, e tudo parecia estranhamente normal - como se não fossem os primeiros shows em quase dois anos. “Eu devia sentir algo?” Tomás se questionou. “Estou feliz, mas você sobe no palco e sabe qual é a sensação, o que vai acontecer,” completou.
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Apesar disso, guardando as energias para o momento certo, a banda prometeu um “momento catártico,” o qual se materializou horas depois, com rodas punk e muita animação desde a faixa de abertura do show, “Danse Macabre,” do disco Real / Surreal (2013)
O setlist, inclusive, focou nas músicas com mais peso nas guitarras, passando por “Distopia” - a qual motivou protestos da plateia contra o governo pela letra política - e a parceria com Far From Alaska, “Relentless Game.” Além de trazer canções conhecidas, Scalene tocou os três singles do próximo disco - uma prévia ao vivo com as enérgicas “Febril” e “Névoa,” e a intimista “Tantra.”
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Scalene surpreendeu os fãs com Respiro (2019), em mudança sonora quase repentina. O disco possui elementos da MPB, pop e música eletrônica - influências um pouco distintas do antecessor, Magnetite (2017). A falta de uma turnê, interrompida pela pandemia, deixou sensação agridoce, segundo Tomás: “Foi muito marcante pra gente, mas nunca vamos saber quais seriam os resultados [do Respiro].”
Para 2022, a banda decidiu dar meia volta, apostou no rock com o qual o público está familiarizado. O projeto está mais conectado às músicas de 2017, mas o aprendizado com a produção à distância usada no EP Fôlego (2020) foi útil. Scalene aprendeu a gravar tudo em casa, separadamente. "Tantra," com toque sutis de cada instrumento, é um dos exemplos do formato descoberto pelos músicos.
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Embora desafiador pelas circunstâncias, compor o próximo disco envolveu a reconexão com influências conhecidas e menos necessidade de explorar terrenos novos. Quando perguntados sobre a razão para as mudanças, Gustavo lembrou como tudo aconteceu gradualmente, citando a banda britânica de trip hop Massive Attack e os arranjos da música pop como exemplos de inspiração.
“Fazer músicas mais calmas fez sobrar energia para músicas mais intensas. Nosso vocabulário rockeiro foi desenvolvido há muito tempo e é natural. É sobre ouvir outros gêneros e trazer o rock 'pra' isso.”
A busca por referências no campo da produção também levou os integrantes a artistas com os quais poderiam aprender, mas não necessariamente carregar a sonoridade. Lukão, quem estava mergulhado no synthwave de seu projeto solo, Geminin, aproveitou para explorar bandas de death metal e outros gêneros para captar influências.
Com a indignação da juventude, a banda de Brasília aborda política desde Real / Surreal (2013) explicitamente. “Nós>Eles,” faixa carregada de riffs pesados, não mede palavras ao criticar políticos e o sistema, embora de forma muito ampla. Em Magnetite (2017) e em singles como “Desarma,” com o rapper BK, Scalene continuou os protestos - agora, mais direcionados.
Para o próximo projeto, a banda pretende manter o tom, mas não tão explícito como antes. O autoconhecimento, também visto nos discos anteriores, é um dos temas centrais. Lukão mencionou como a maturidade os levou a esquecer verdades absolutas e a mudar de opinião, enquanto Gustavo ressaltou a nova visão sobre si mesmos.
“Agora a gente tá mais a vontade de se perder no caminho e assumir estar perdido. Encaramos essas buscas como uma eterna ponte, não algo com começo, meio e fim.”
Olhar para dentro, segundo Tomás, também é um ato político. Para o guitarrista, “as pessoas fazem isso cada vez menos e, antes de tudo, é preciso olhar pra si. O momento é propício para falar.” Scalene propõe reflexão sobre a política no cotidiano, com diversas contradições naturais e sem binarismo - algo vivido por todos, mas nem sempre questionado, seja por conta das redes sociais ou do ritmo acelerado da sociedade.
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Em agosto deste ano, o baterista Philipe ‘Makako’ anunciou a saída da banda para focar na criação da filha, Liz. Em declaração no Instagram, afirmou: “Meus últimos 13 anos foram dedicados ao Scalene e vivendo experiências incríveis e únicas com as pessoas mais legais e talentosas desse país. Não trocaria essa jornada percorrida por nada."
O grupo de Brasília comentou como encararam o desafio de seguir sem o baterista. Embora Gustavo seja responsável pela maior parte das novas composições por meio de instrumentos virtuais, “Makako soube se encaixar,” Tomás refletiu. O músico tinha conhecimento da saída enquanto gravava e se sentiu confortável para fazer a última colaboração com a banda, segundo os ex-colegas.
“Névoa,” um dos singles, traz as características de Philipe, com batidas marcadas e rápidas no bumbo - um dos exemplos da assinatura do baterista no disco. Para composições futuras, a banda pretende trabalhar com outros profissionais - "um desafio," como tocam com Makako desde a infância, ressaltou Lukão.
Alana Ananias assumiu as baquetas para a apresentação e lembrou a importância da representatividade das mulheres no rock, ocupando espaços atribuídos somente aos homens por anos. O público correspondeu ao curto discurso com aplausos e celebração.
A banda convidou o antigo baterista para aparição rápida no show como despedida oficial, mas ele preferiu não participar.
Em entrevista anterior à Rolling Stone Brasil, os integrantes comentaram como músicas mais calmas da banda eram maioria entre as mais tocadas no Spotify, servindo de respaldo para ideias do Respiro (2019).
Em 2021, no entanto, a boa repercussão crítica e indicação ao Grammy pelo EP Folêgo (2020) não os motivou a fazer mais faixas nesse estilo. “Quem acompanha o Scalene sabe, nós não vamos compor nada igual. A gente vai seguir pela vibe que quisermos fazer,” justificou Lukão.
Gustavo citou o documentário The Beatles: Get Back (2021), o qual mostra Paul McCartney clamando pelo entusiasmo dos companheiros, mesmo com o fim da banda iminente. Para o músico, o principal pilar da arte, embora envolta na mídia e no mercado, é a vontade de criar.
Assista ao clipe de "Febril":
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