O cantor e compositor capixaba lançou Encantado (2024), sexto disco de inéditas da carreira, e falou com a Rolling Stone Brasil sobre o processo de produção
Pedro Figueiredo (@fedropigueiredo) Publicado em 31/05/2024, às 15h00
Que boa ideia esse álbum primaveril em pleno outono! Se você já ouviu Encantado (2024), novo disco de inéditas de Silva, sabe que o astral solar característico do artista capixaba está em cada uma das 16 faixas do disco. O trabalho é o sexto disco de inéditas, lançado quatro anos depois de Cinco (2020).
Nesse período, o cantor e compositor trabalhou em projetos enormes, como o bloco que leva seu nome - que rendeu dois discos - e chegou a levar 15 mil pessoas em uma das apresentações. Agora, no entanto, em um momento mais recluso e necessário para a produção do novo álbum, Silva retoma o que faz de melhor e o fez alçar voos tão altos: a composição.
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Em conversa com a Rolling Stone Brasil, o artista conta como gosta de criar em estúdio, mas que se encontra de fato na intimidade da própria companhia. "Eu comecei assim, no quarto," relembra. A composição chegou cedo para Silva, ainda no começo da adolescência, por volta dos 12 anos.
Falamos com ele menos de 24 horas após o lançamento do disco e o cantor havia lido alguns comentários sobre a obra na manhã seguinte à chegada de Encantado às plataformas. "Eu posto e saio correndo," brinca. "Mas eu fiquei super feliz com os feedbacks, várias pessoas me escreveram coisas super legais. Vários amigos músicos diziam 'que saudade eu estava de ouvir esse tipo de produção sua.'"
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Silva gosta de ler comentários e lida bem com o que escrevem sobre o trabalho dele: "É uma postura que adotei no começo, quando saíram algumas críticas - sempre teremos críticas positivas e negativas, não tem jeito e eu sou muito acostumado com isso, acho que criei uma boa casca.
Lá atrás, quando eu via uma crítica, especialmente as negativas, aquilo gruda na cabeça e talvez você possa até se moldar por isso. E a crítica positiva também pode ser perigosa, porque você pode acreditar naquilo.
O segredo para entender como não se afetar de maneira tão profunda está na terapia - que o artista faz desde o início da carreira. Ter os pés no chão, no entanto, não o impede de sonhar, o compositor nos apresenta um universo bonito em um disco que traz volta do artista a algo que ele fazia com mais frequência em outro momento da carreira, mas com as vantagens da maturidade artística e de alguém que sabe a mensagem que quer passar.
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“Para mim, o ideal é sempre continuar trabalhando,” responde o artista quando questionado sobre o que o fez perceber que era o momento de desenvolver um novo disco. “Acho muito bom para a cabeça não desligar as máquinas.”
O momento da carreira e o tamanho que a arte dele tomou, não permitem mais que ele pare por um ano para trabalhar exclusivamente em um projeto, algo que ele já fez em outros tempos da trajetória.
Quando a carreira cresce, você tem muita coisa para fazer acontecer, muita coisa para sustentar, muita gente que depende do seu trabalho. Então, tem um pensamento coletivo que começa a acontecer, que muda a dinâmica da carreira.
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A ideia de um novo disco estava com Silva há pelo menos dois anos. Ele sentia a necessidade de entrar no processo criativo. A cobrança não era comercial ou do maior parceiro da carreira - o irmão, Lucas - “Mas eu sentia a necessidade de voltar a compor.”
“Não foi fácil, porque quando houve a flexibilização na pandemia, as coisas voltaram a acontecer, vieram muitos compromissos,” relembra. Os shows adiados e uma agenda grande para cumprir fizeram com que todo o processo demorasse mais a acontecer. “Comecei realmente esse álbum em 2023.” Ele já tinha algumas canções que sabia que entrariam no disco. Mas colocou a mão na massa de fato em novembro.
Além do talento para a composição, Silva tem uma facilidade admirável no tema. Mas ele confessa que "isso é uma coisa legal, mas também pode ser um perigo." Por tocar vários instrumentos de base - como violão e piano, por exemplo — e mexer em softwares de produção, o artista tem muitas ferramentas à mão.
Por outro lado, havia uma resistência em aceitar a facilidade com que consegue criar canções. "Tudo que vinha fácil, eu não dava valor," confessa. "Eu esperava vir aquela ideia mais elaborada, mais complexa e comecei a salvar mais tudo que eu faço." Um exemplo disso é que Silva e Lucas fizeram 30 músicas para o disco, que conta com 16 faixas na versão final.
Eram para ser 18, mas eu tive alguns problemas técnicos com duas. Eu quero muito lançar essas que iam entrar e não puderam. Eu não sei como eu faço, se vou lançar uma versão deluxe do álbum, ou lançar como single.
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Se Silva canta o Brasil, o nome do disco não poderia ter vindo de outra fonte, que não o carnaval. O encantamento aconteceu durante o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, mais especificamente da Grande Rio, a grande campeã — pela primeira vez — com o enredo “Fala, Majeté! As Sete chaves de Exu!”
"Eu estava na Sapucaí nesta noite. Estava naquela época de carnaval, trabalhando para caramba, super cansado. Num modo meio automático," relembra o artista, convencido pelo irmão de ir até ao sambódromo do Rio para ver a festa. "Estava num camarote muito cheio, que era uma balada. Ninguém prestava muita atenção nos desfiles."
Quando começou o desfile da Grande Rio, eu estava ali coladinho, esperando. Aconteceu uma coisa muito engraçada: as pessoas dessa festa pararam e veio todo mundo ver o desfile. Mas de um jeito diferente. Eu fiquei bem impressionado com a atenção que as pessoas quiseram prestar ao desfile.
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A estética da escola de samba era hipnotizante. Criado em um lar evangélico, Silva tinha relação muito distante com qualquer elemento de religiões de matriz africana. Na vida adulta, no entanto, qualquer tipo de concepção sobre esse tema já havia sido desmistificada.
"Eu não sou de nenhuma religião, mas, para mim, o candomblé é um grande guia de sabedoria," conta. "Quando eu conheci pessoas do candomblé, foi uma coisa muito linda, porque eu perdi aquele medo que os evangélicos colocam: 'É do diabo'." O artista ainda falou sobre como a figura de Exu, fortemente retratada no desifle, é injustamente demonizada.
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Eu li sobre o arquétipo de Exu, estudava, comprei aquele livro Mitologia dos Orixás (2001), coisas que meus amigos me recomendavam para que eu conhecesse melhor a ideia da religião, porque eu cantava muita coisa de música brasileira que tinha esse tema. Desde os afrossambas e tudo que acontece na música... Moacir Santos! Tinha sempre uma ligação com os orixás.
De volta ao desfile, ver o espetáculo materializado fez com que o cantor ficasse completamente impactado."Arrepiei-me dos pés a cabeça, fiquei muito emocionado. Lembro-me até hoje, parecia que tinham me dado alguma droga fortíssima."
Silva confessa que, apesar de já ter visto muitos desfiles na vida, nenhum foi tão tocante do ponto de vista pessoal. Então, ele virou para o irmão e falou, já com a ideia de "encantado" na cabeça: "Cara, acho que o nome do nosso próximo álbum é Encantado," ao que o irmão, sempre parceiro nas ideias e criações, respondeu: "É isso!" Quase que de maneira sinestésica.
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O nome também tem algo do significado da palavra em espanhol — que está presente no disco na faixa "Recomenzar," parceria com o uruguaio Jorge Drexler e que Silva já estudava desde antes da pandemia. "Queria muito melhorar meu espanhol, por estarmos cercados de países que falam a língua, sentia-me muito chateado de não poder me comunicar minimamente," confessa.
"E tem esse sentido também de se apresentar: '¡Hola! ¿Qué tal? Silva, encantado.' Como se eu estivesse me apresentando de novo para as pessoas depois de tanto tempo sem fazer música autoral," diz o artista. ¡Mucho gusto, Silva! É um prazer te reencontrar.
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Lúcio e Lucas, os irmãos Silva, trabalham juntos e, segundo o cantor, "é uma relação bem de irmão, mesmo." Os dois moram na mesma casa em Vitória (ES), terra natal deles. "Decidimos morar juntos enquanto estamos solteiros, ninguém vai casar tão logo, e aproveitar porque talvez esse momento nunca mais aconteça na vida."
"Nós nos damos muito bem," diz o artista, que ainda credita o irmão por tê-lo ensinado a ler com profundidade. "Somos muito parceiros e tem essa coisa de ser irmão, ele é um prodígio com letras," comenta. Um exemplo é a letra de "Vou Falar de Novo," escrita por Lucas em 20 minutos. A intimidade faz com que os dois sejam francos um com o outro sobre letras que não encaixam, por exemplo.
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Silva também conta com a parceria de André Paste, o melhor amigo. "Ele me descobriu na internet, no MySpace," relembra. "Eu tinha 'Visita,' que fiz quando morava na Irlanda e voltei. Foi uma das minhas primeiras músicas de trabalho. Meu primeiro clipe."
A amizade começou por volta de 2010, quando Paste, também de Vitória, mandou uma mensagem e os dois se conheceram. Profissionalmente, no entanto, essa é a prrimeira vez que eles assinam algo juntos. "Antes ele produzia, de certa forma, dando pitacos e as opiniões dele sempre foram muito importantes para mim."
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Acostumado a fazer colaborações com grandes nomes - Silva já lançõu canções com João Donato, Gal Costa, Tom Zé, Marisa Monte, Criolo, Liniker, Ludmilla, Lulu Santos, Anitta, Don L e Fernanda Takai, só para citar alguns - o cantor trouxe nomes fortes da musica brasileira e tabém apostou nas parcerias internacionais em Encantado.
Marcos Valle, Arthur Verocai, Carminho, Gabriele Leite, Leci Brandão e Drexler aparecem no disco somando à arte do cantor. "Tenho uma coisa com os feats. Já fiz alguns mais encomenda, também funciono bem assim, inclusive aceito encomendas," brinca.
Para este álbum, especificamente, as músicas não foram feitas com base em quem colaboraria com ele. Foi o caso de "Fica Tudo Bem," parceria com Anitta, presente em Brasileiro. "Fiz uma música primeiro, que estava gostando muito. Depois, penso em alguém que poderia estar comigo nela," explica. Foi dessa maneira que ele percebeu como as participações cabiam em Encantado.
"Girassóis," com Arthur Verocai, foi a primeira a ser feita - e serviu de inspiração inclusive para a capa do disco. "Eu fiz essa música no piano e achei a cara do Verocai. Quem me apresentou o Verocai foi Luisi [Valadão], e eu pensei: 'Será que ele vai topar fazer?'" O músico topou, tornando-se o primeiro dos nomes que entraram no projeto.
Outro ícone da música presente na obra é Marcos Valle, "um dos caras mais legais que eu já conheci na minha vida," elogia o artista. As colaborações vieram, segundo Silva, de um lugar muito sentimental. "Gostei desse lugar que eu experimentei de deixar o feat sair."
A última pessoa a entrar no disco foi a violonista Gabriele Leite. O cantor conheceu o trabalho dela a partir de uma recomendação do Spotify. "Apareceu o álbum da Gabrielle para mim. Ouvi uma gravação dela de "Melodia Sentimental," de [Heitor] Villa-Lobos. E essa música já foi muito gravada, já ouço de tudo quanto é jeito. Quando eu ouvi a versão dela, pensei: 'O que é isso? Que som é esse dessa garota?' Porque ela é nova, tem 27 anos. E ela tem som de violonista de carreira longa."
Uma das canções mais bonitas do disco, "Amanhã de Manhã (Para Lecy)," é uma parceria entre o artista capixaba e Leci Brandão, um dos nomes mais importantes do samba. "Mexe com o coração num lugar. Que honra tê-la no meu álbum, sinto-me um músico muito chique," confessa. Os dois se conheceram quando participaram de uma apresentação de Criolo no Rio de Janeiro.
Quando eu a conheci, mostrei minha tatuagem escrita 'Lecy,' que é em homenagem a minha avó. Mostrei para ela e ela disse: 'Que lindo, é Lecy com 'y', igual minha mãe'. Fiquei com isso na cabeça.
Lecy, avó materna de Silva, é uma pessoa muito musical, e, segundo o cantor, "toda a veia musical da família veio dela." O avô era pastor, mas ela não se deixava levar pelo dito sagrado e profano. "Arte é arte," conta o neto, que se inspirou em hinos cristãos que o remetem à Lecy, misturando com um samba. "Mostrei para a Dona Leci, ela amou a música!"
Um dos aspectos mais interessantes de Encantado é a maneira como Silva explora diversos gêneros musicais, como samba, rock e funk, mas com uma assinatura muito característica do artista. "Essa coisa de conseguir imprimir o que queremos musicalmente, talvez seja o processo mais importante para mim como compositor, como artista," explica.
"A gente pode ser tanta coisa. Hoje, aos 35 anos, eu quero ser eu, o mais eu possível," conta. Para o disco, ele buscou trazer gêneros que conversam com o que gosta de escutar e classificou o próprio gosto como "diversificado."
Trazer tudo que gosta para o álbum conversa com a ideia do encantamento, ao mesmo tempo, para que todos os elementos conversassem entre si, Silva usou um filtro. "Para que as coisas tivessem uma conexão," diz o artista.
Grande parte da ligação com o samba, por exemplo, vem da família paterna, que vem do Morro da Piedade, de Vitória. "Eu vivi ali também, e tenho essa coisa em mim. Musicalmente, eu vivi muita coisa. E tento trazer isso para a minha música." O compositor entende que, como brasileiros, somos atravessados por muitas referências e busca levar isso para seu público.
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Silva também explora outros idiomas no disco. Em casa, isso acontece com mais frequência. "Morria de vergonha porque tem essa coisa meio perfeccionista de soar muito bem em tal língua. Mas, depois, muita gente começou a me falar que o legal era cantar um inglês entendível sem precisar ter o sotaque de alguém que é da língua," conta o músico.
Ele já havia explorado o inglês em shows, cantando "There Is No Greater Love", de Billie Holiday - também gravada por Amy Winehouse. E uma versão de "Vista Pro Mar," chamada "Ocean View," da qual ele não é o maior fã.
Foi legal entrar nesse desafio porque estamos num mundo extremamente conectado. E é legal começar a explorar, porque já toquei fora, em Tóquio, Londres, Paris e tem essa coisa de estar em outro país, interessante cantar uma música em inglês, homenagear esse país. Fazer nossa música chegar mais longe.
Quem avaliou a versão em inglês de Silva foram dois dos sobrinhos do cantor. "Uma época minha irmã morou lá fora, então eles foram alfabetizados lá. Quando gravei, eles criticavam à beça: 'Tio, você não pode lançar assim, não'," relembra aos risos. Após algum tempo, o cantor trabalhou mais na canção, que tem a aprovação deles agora.
O espanhol também aparece no disco. Silva resgata de shows que fez com Maria Gadú pela América Latina e, durante as entrevistas, enquanto a colega desenrolava no idioma, ele se limitava a "si," "claro" e "gracias." A música em espanhol do álbum - composta por Lucas - passou pelo professor de inglês do cantor, que deixou a letra mais coloquial. Foi então que a canção chegou em Drexler, que adorou e já devolveu com a voz gravada e a letra inteira nova. "Tudo rolou de um jeito tão natural," relata.
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"Eu tinha pavor desse rótulo," confessa Silva, que pensava que o romântico estava ligado somente ao meloso. "Essa coisa nunca me pegou tanto, mas entendi o lugar do romântico porque eu realmente canto sobre amor o tempo inteiro."
As pazes com o termo foram feitas quando ele compreendeu que existem prismas diferentes para o romântico. "Também falar de desamor, dizer 'eu não te quero mais.' Brincar com uma coisa mais maliciosa, também. Eu curto esse lugar hoje, quando é de um jeito abrangente."
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Um homem dos palcos, o artista não parou de fazer shows. Mas, nos últimos anos, a carreira do artista seguiu um fluxo de festas e em shows gigantes. "É diferente de turnê, que você cria uma identidade para o momento, um roteiro, iluminação," afirma animado.
Silva está animado para preparar os espetáculos da turnê, classificos como "bem menos doloridos que um álbum, que você precisa tirar muita coisa de você" e diz que esse é o momento de se divertir. "Está me deixando com brilho no olho," finaliza. O que torna impossível não se encantar com esse retorno.
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