- Mell Peck e Noel Hogan do duo The Puro (Foto: Molly Keane / Divulgação)

The Puro: Noel Hogan e Mell Peck afastam comparações com The Cranberries: 'Não tentamos substituir alguém' [ENTREVISTA]

The Puro, projeto do guitarrista do Cranberries, Noel Hogan, com a cantora brasileira Mell Peck, estreia em São Paulo com o EP Law of Return

Dimitrius Vlahos Publicado em 20/10/2022, às 17h47 - Atualizado às 18h52

Noel Hogan aproveitou o intervalo entre entrevistas e ensaios para se sentar e comer seu almoço. Parecia surpreso com a presença de um crepe, que acreditava ser um pão, na marmita de plástico que continha a refeição. O antigo guitarrista da banda irlandesa The Cranberries não se incomodou com a interrupção para dar entrevista à Rolling Stone Brasil sobre seu novo projeto, The Puro - em parceria com a brasileira Mell Peck, que logo apareceu no refeitório do estúdio onde ensaiam em São Paulo.

Na sala utilizada para os últimos ajustes da banda, sentarem-se lado a lado e logo explicaram a complicada dinâmica linguística do duo: Peck não fala inglês, e Hogan não fala português - embora ambos demonstrem esforços para aprender algumas palavras nos respectivos idiomas. A dupla se conheceu por meio da internet, em vídeo da cantora com cover de “Zombie,” da antiga banda do músico.

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“As pessoas me mandavam mensagens com sugestões: ‘Dê uma olhada nessa pessoa,’ e assim acabei chegando em Mell. Eu não conseguia parar de compor, sem ideia do que fazer com aquilo. Eu ouvi o cover de Cranberries feito por ela, e ouvi outras faixas para ver a variação da voz, e várias dessas músicas gravadas eram de artistas que eu também gostava. Pensei: ‘Obviamente ela consegue cantar músicas que eu escrevi,’ apenas precisávamos encontrar as composições certas,” explicou Noel sobre o primeiro contato.

Capa do EP Law of Return

Apesar de buscarem caminhos inéditos, Peck e Hogan admitiram que comparações com The Cranberries assombraram os trabalhos - ao mesmo passo que a semelhança da voz da vocalista com a de Dolores O'Riordan foi responsável por atrair a atenção do guitarrista enquanto assistia seus covers para o Youtube: “Sem dúvida, no primeiro momento, essa foi a principal razão. Mas isso já foi esquecido agora. (..) Sempre haverá comparações. Eu era um dos compositores nos Cranberries, aquelas músicas são minhas assim como essas. Nas primeiras semanas, tive medo de soar muito parecido, mas eu não conseguiria fazer nada se estivesse muito preocupado. É uma sombra que me perseguirá por muito tempo. Um bom problema para se ter, eu poderia pensar em coisas piores."

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Para a cantora, semelhanças resultaram em diversas regravações enquanto registravam o EP de estreia da dupla, Law of Return, em tentativas de se distanciar desse tipo de comentário: “Foi complicado. Comecei a receber mensagens que me atingiram. As pessoas são maldosas e realmente apontam que eu sou culpada, fazendo algo errado. Não tentamos substituir alguém, não temos essa intenção. Muitas vezes vem a vontade de desistir devido a essas críticas. O que me faz seguir é porque Noel está super empenhado com o projeto, e nos entrosamos bem.”

Português - Inglês

A barreira linguística entre os integrantes do The Puro refletiu no nome do duo e nas próprias faixas. Em Law of Return, músicas aparecem em duas versões: uma em inglês e a outra em português. “Precisávamos de um nome, e temos uma música chamada ‘O Puro.’ Noel veio com essa ideia - por sermos tranquilos e fazermos música de forma honesta. Pensamos que se encaixava. Sem pensar em nada, fazer o que a gente gosta, pelo que nos identificamos. O Noel também sugeriu de manter em inglês e português,” Mell explicou.

“Dá muito mais trabalho!”, Noel afirmou sobre a tradução das faixas. "Um dos singles, ‘Goodbye,’ Mell mandou para mim já em inglês, e eu pensei: ‘Ela também soa bem nessa língua.’ Então decidimos experimentar como seria traduzir essas canções. Fizemos isso e acabou funcionando. Não é fácil como colocar no Google Tradutor, mas fazemos uma base e gastamos um bom tempo retrabalhando para dar sentido e fazer a melodia funcionar com as palavras foneticamente," completou. O mercado também influenciou decisão, conforme descobriram que a maioria dos países acaba consumindo mais músicas em inglês.

Compondo à distância

Mell e Noel trabalham sozinhos e em grupo ao mesmo tempo. Além de não falarem o mesmo idioma, precisaram superar milhares de quilômetros de distância enquanto escreviam canções. As circunstâncias pandêmicas colaboraram para que a dinâmica do The Puro fosse separada e, de certa forma, solitária para ambos. Hogan compõe as harmonias e prepara arranjos, enquanto Peck trabalha em letras e melodias, compartilhando ideias pela internet no momento em que se sentem prontos. O formato de uma banda entrando em estúdio para colaborar e partir para gravações parece obsoleto, e as escolhas da dupla refletiram diretamente no EP.

“É uma banda diferente da minha anterior. Estávamos em lockdown por causa da covid, e várias composições começaram de forma acústica. Mas trabalhando com Mell, queria um som diferente do que havia feito antes. Comecei a tocar piano e passamos a usar mais sintetizadores. Estávamos limitados em quantidade de pessoas no estúdio, então, acabamos desenvolvendo nosso próprio som sozinhos. Era como montar um quebra-cabeça."

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A produção de The Law of Return foi outra experiência nova para o músico. Embora já tivesse atuado como produtor de outros artistas, o conceituado Stephen Street era quem cuidava dessa parte nos discos do Cranberries - e foi de lá que Hogan trouxe lições valiosas.

“Sempre me interessei. Por muito tempo, eu preferia o estúdio aos shows ao vivo. Fui sortudo de ter Stephen Street, que me ensinou muito. Pensei que gostaria de produzir para outras pessoas, mas não deu muito certo. Tinha minhas ideias, e as bandas tinham outras, e foi muito trabalhoso lidar com as pessoas dessa forma. Decidi que não era para mim, e continuei trabalhando nos meus próprios projetos,” relembrou sobre o início na função.

The Puro ajudou Noel a encontrar mais confiança no próprio trabalho, assim, não foi necessário trabalhar com pessoas de fora. Além disso, tanto Mel como Hogan foram muito autocríticos, o que facilitou o processo de edição do material. “Enquanto trabalhávamos nas demos, pensamos em chamar um produtor, porque pensei que não veria as composições com tanta clareza estando tão envolvido. Perguntei para outras pessoas sobre a possibilidade de ter um produtor e rebateram: ‘Por que você precisa de um?’ Acho que eu não tinha a confiança de admitir que eu fiz bem esse papel, especialmente com minha própria música.”

A lei do retorno

Enquanto a influência de Noel foi restrita ao instrumental, Mell teve liberdade para explorar o conceito lírico do álbum: “Escrevo sobre o que vivo, acredito. Tem um pouco do outro lado. Às vezes, escrevo imaginando que não estou mais aqui, tentando expressar algo que eu sentiria. As músicas também tem relação com as pessoas nesse momento complicado, sobre o julgamento, não só de agora. Tudo isso me inspirou a escrever sobre como eu gostaria que as coisas fossem. Tem um lado espiritual, e o lado que a gente vive, que é duro.”

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The Puro ao vivo

No dia 20 de outubro, The Puro sobe ao palco pela primeira vez em São Paulo. A apresentação na Casa Rockambole marca o início de uma jornada que pode ser longa, segundo os integrantes. “A ideia é gravar mais discos e continuar em turnês em outros países. Vejo isso como um projeto de tempo integral.” disse Noel empolgado. Para o show, banda contou com pouco mais de três dias de ensaios, mas se sentem preparados. Segundo Mell, a presença de alguém tão experiente ajuda a controlar a ansiedade do momento.

A formação ao vivo ainda contará com um tecladista, além de backing tracks feitas exclusivamente para a apresentação baseada em instrumentos acústicos. Para o futuro, dupla projeta mais músicos para dar vida às gravações intimistas do The Puro.

Ao público, Noel pediu: “Se gostarem da música, ouçam. Amamos essas músicas, os sons frescos e diferentes. Não sei se encaixa como rock, pop ou indie, mas acho que isso é bom. Espero que aproveitem!”. Mell completou: “Espero que possam refletir e se identificar. Tentamos transmitir algo que toque as pessoas. É isso que fazemos com muita dedicação, espero que gostem.”

Ouça Law of Return:

 

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