Com ajuda de outros astros do rock - como Eddie Vedder e Bruce Springsteen - Tom Morello se desafiou a usar tecnologia e gravar com celular
Dimitrius Vlahos (sob supervisão de Yolanda Reis) Publicado em 26/10/2021, às 12h45 - Atualizado em 27/10/2021, às 08h13
Tom Morello, guitarrista do Rage Against the Machine, lançou The Atlas Underground Fire, disco sucessor de The Atlas Underground (2018), em 15 de outubro. O guitarrista estava descontraído, mas destacou a angústia dos primeiros meses de isolamento social e a falta de perspectivas de criação. A preocupação ia além de si mesmo, pois mantinha contato com a mãe e a sogra idosas.
Assim, o estúdio da casa ficou inabitado, sem engenheiros de som e produtores para cuidar das partes técnicas do trabalho. Morello encontrou, nas colaborações com artistas jovens e na tecnologia simples, um caminho inovador para compor e mostrar ao mundo como o rock terá um futuro brilhante, caso se renove.
“Dos 17 anos até março de 2020, escrevia músicas, gravava e tocava ao vivo. [...] Tenho um estúdio em casa, mas só me deixavam encostar no botão de volume. Foi uma época para encarar a ideia de não fazer música pelos próximos tempos.”
Após ler entrevista de Kanye West sobre a produção de discos (GQ, 2020), Morello decidiu se abrir para um meio diferente de gravar música: o celular. Mesmo com microfones de ponta à disposição, o gravador de voz do dispositivo pessoal foi a opção mais viável, considerando a pouca habilidade do guitarrista com equipamentos do estúdio. “Se é bom o suficiente para Kanye, é bom o suficiente para minha guitarra,” disse enquanto destacava que 95% dos riffs do disco passaram pelo celular dele.
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A inspiração em West é apenas uma das inovações de Tom na jornada para compor The Atlas Underground Fire. Com participações de mais de 10 artistas, o guitarrista buscou se desvencilhar dos esteriótipos negativos atribuídos ao instrumento dele. Uma tentativa de colocar a guitarra no futuro da música, não a deixando apenas em seu passado glorioso.
Dentre os convidados do disco estão nomes consagrados como Eddie Vedder, do Pearl Jam, e Bruce Springsteen no cover de “Highway To Hell.” Também há jovens de destaque em ritmos diversos, do hip hop à música eletrônica - inspiraradores para Morello durante a quarentena. Um desses artistas é Grandson, quem participa da faixa “Hold The Line.”
Tom ficou impressionado com a carreira curta, mas promissora, de Grandson no hip hop e rock alternativo e o elogiou: “É um artista jovem detonando, aberto aos riffs no estilo Led Zeppelin, Black Sabbath do Tom Morello, mas olhando para o futuro deles.”
A ideia do guitarrista não foi mirar no resultado, mas pensar em qual artista tornaria os dias menos desesperadores. A opção por “novatos,” alguns desconhecidos por ele, levou-o à cantora norte-americana (também do rock e hip hop alternativo) Phem, quem participa de “Night Witch.”“Liguei para um amigo com um gosto musical melhor que o meu e perguntei: ‘Qual a última música ouvida por você de um artista nunca ouvido por mim?’ Assim, descobri Phem. Ela não era nascida quando o último disco do Rage Against the Machine saiu, acredito.”
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A DJ palestina Sama' Abdulhadi trouxe sonoridade eletrônica e e batidas techno na faixa “On The Shore Of Eternity,” uma grata surpresa para Morello. Combinam, também, no ativismo político - segundo ele, Sama’ mixou a faixa enquanto Israel bombardeava a Palestina, assim, a resistência dela por si só foi “inspiradora.”
Embora as faixas de The Atlas Underground Fire não demonstrem melancolia, os riffs e letras representam a inquietação diante um cenário desesperador. Sem música ao vivo por um período quase inestimável, Morello focou em transmitir o sentimento de ansiedade e esperança por dias melhores. “Esse disco não começou como um dever criativo, foi apenas bote salva-vidas durante tempos de depressão e medo. Foi um jeito de escapar, sendo uma pessoa criativa.”
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“Let’s Get The Party Started,” com Bring Me the Horizon, trouxe as aflições do guitarrista à tona. Com riffs pesados, próximos aos trabalhos do Rage Against the Machine, a música é perfeita para um mosh pit. A intenção de Morello era também “fazer um mosh pit na mente”, colocando toda a angústia para fora. “Quero apenas fugir, serei livre algum dia?,” canta Oliver Sykes, vocalista do grupo britânico.
A colaboração com o cantor de country Chris Stapleton trouxe o peso de uma videochamada de duas horas de desabafo. “The War Inside,” como o título diz, retrata a guerra interna contra os próprios pensamentos e a solidão. A sonoridade da faixa lembra os projetos de Morello no Audioslave, com solos oitavados e repletos de reverb.
“Estávamos com nossas guitarras em mãos, com a intenção de escrever uma música, mas não escrevemos. Em vez disso, conversamos sobre como não enlouquecer durante esses tempos. Foi como uma sessão de terapia e isso virou o tema da música.”
Em um trabalho ousado, com tantas colaborações seria fácil se perder e compor uma coleção de músicas no lugar de um disco. Tom Morello estabeleceu conceitos criativos envolvendo a dinâmica entre ele e os convidados. Um processo fundamental na composição das faixas e responsável por tornar The Atlas Underground Fire coerente, mesmo que isso leve a um som repetitivo em alguns momentos.
“O disco é coeso por dois motivos: primeiro, por ser um disco solo, com uma visão abrangente; tive minha guitarra como a principal voz em todas as faixas. Mas também é um disco colaborativo, e cada música se apoia exclusivamente na química entre mim e o artista convidado.”
Como Oliver Sykes passa bastante tempo no interior de São Paulo, parte de “Let’s Get The Party Started” foi gravada no Brasil. O guitarrista usou a parceria para explicar como compôs as músicas sem todos estarem presentes no mesmo estúdio. Os riffs escritos por ele eram enviados e voltavam com ideias acrescentadas pelo grupo. Houve liberdade para a canção ser “da forma como deveria,” mas cumprindo a missão de integrar um disco do Tom Morello.
The Atlas Underground Fire é amplo - engloba as vertentes políticas, passando pela temática de saúde mental, com sonoridades que homenageiam a guitarra elétrica e ritmos novos. A trajetória inovadora de Morello desde os primeiros discos com o Rage Against the Machine transparece e mostra como parar no tempo não é uma opção para ele.
Ouça The Atlas Undergound Fire:
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