Trio curitibano Tuyo explicou como encarou disco Chegamos Sozinhos em Casa com diferentes texturas e reflexões para versões ao vivo de Fragmentos 2
Dimitrius Vlahos (sob supervisão de Yolanda Reis) Publicado em 08/02/2022, às 14h08
Lay estava tranquila na cozinha da casa para onde se mudou recentemente, em São Paulo. Preparava o café da manhã enquanto conversava com a irmã, Lio, quem se atrasou alguns minutos para a entrevista por videochamada - algo incomum segundo os colegas de banda. Junto a Machado, então, começou a descrever os sentimentos por trás do lançamento de Fragmentos 2 - disco com versões ao vivo presentes na série documental sobre Tuyo.
O trio curitibano composto por Lay, Lio e Machado se aventurou por outros formatos para “ecoar o trabalho,” conforme apontaram em entrevista à Rolling Stone Brasil. “Surgiu remix, versões, outras formas de dizer o que diríamos no palco,” Lay explicou. A falta dos shows impulsionou a banda pela escolha provocadora e conhecidamente ousada de filmar oito episódios de uma hora - com mescla de música e relatos em tomadas cinematográficas dirigidas por Laís Dantas.
Tuyo sabia sobre os riscos de apostar em projeto audiovisual extenso enquanto os vídeos curtos dominam a internet. Os discos Fragmentos 1 e 2, no entanto, apareceram como resposta ao sucesso repentino do projeto - uma maneira de presentear o público identificado e engajado com a trajetória do trio. As 16 faixas reimaginadas do Chegamos Sozinhos em Casa (2021) - disco duplo de estúdio - apareceram com arranjos mais eletrônicos e vivos na tentativa de emular a explosão dos shows.
“Não é uma ideia de antes da pandemia completamente. Mas não foi só uma transformação de trabalhos. O plano era rodar com esse disco, estudar sobre slam e alinhar com os shows pelo Brasil,” segundo Lay. As mudanças levaram o projeto a tons mais intimistas, com falas de familiares e filmagens antigas misturadas às apresentações ao vivo.
A série foi a oportunidade perfeita para encarar temas delicados das canções do último disco sem tanta exposição. “Todo mundo tá tão sensível, macerado pelos episódios sociopolíticos. Então, os episódios particulares ganharam uma coloração que não teriam em outro cenário. Ninguém sabia como nos abriríamos tanto para fazer esse projeto,” Lio afirmou e brincou em sequência: “Se soubesse, não teria participado.”
Perda, separação e relações familiares receberam outros contornos ao se depararem com as faixas de Chegamos Sozinhos em Casa novamente. O escudo das metáforas tornou mais leve o desafio de dividir momentos íntimos, assim como o “local seguro” das filmagens - cercadas de amigos e familiares.
+++ LEIA MAIS: Tuyo é a banda que você deveria parar o que está fazendo e escutar agora [ANÁLISE]
Em janeiro de 2020, quando começaram a compor o disco, não discutiram as situações enfrentadas por cada um antes de escrever as letras. Olhar para as canções com certo distanciamento levou o trio a “longas conversas” sobre os próprios fantasmas. “Durante Fragmentos, finalmente tivemos oportunidade de falar com mais riqueza sobre tudo que ocorreu,” Lio afirmou.
O entendimento sobre o projeto também mudou. O trio descreveu Chegamos Sozinhos em Casa como a formação da identidade da Tuyo em entrevista anterior à Rolling Stone Brasil em maio de 2021. Meses após o lançamento, Machado discordou das próprias afirmações: “Não determina nossa identidade. É uma roupa que usamos naquele dia, naquela fase. Na hora de tocar as músicas, ele aponta para um futuro novo, mas não absoluto.” Lay concordou e ressaltou como todos os projetos carregam um pouco da identidade, mas não representam o todo.
+++ LEIA MAIS: A colisão melódica de BADSISTA e Rafaela Andrade em Gueto Elegance [ENTREVISTA]
Escolher quais musicas fariam parte do projeto foi, de longe, uma das tarefas mais fáceis. Tuyo tinha tempo, espaço e respaldo positivo do público. No entanto, decidir como a banda deveria soar ao vivo e quais seriam os arranjos não foi tão simples.
Machado cuidou deste trabalho, realizando o desejo incessante de explorar caminhos eletrônicos, mas sem deixar de lado os violões marcantes da trajetória da Tuyo. A direção natural apontada em Chegamos Sozinhos em Casa desemboca nas versões de Fragmentos. “Me debrucei sobre o disco nessa fase. Foi muito bom conhecer ele de novo. É como se alguém tivesse feito e nós precisássemos reproduzir,” explicou o baixista.
Com os meses de isolamento, o trio conseguiu identificar todas as “imperfeições e contradições” antes de levar as músicas para os shows. Na visão de Lio, o disco foi generoso e apenas apresentou novos significados musicais e líricos - duas nuances extremamente conectadas.
O nome Fragmentos foi sugestão de Lay e surgiu despretensiosamente, como todos os títulos atribuídos pela banda. Segundo a vocalista, a ideia é a divisão das faixas de forma livre: “É como tacar um espelho no chão e tentar juntar os pedaços. Juntando os episódios, temos uma imagem distorcida. Tentamos nos reconhecer nisso, nessa ordem do caos,” justificou.
A sonoridade de Fragmentos indica por onde a Tuyo deve seguir - tanto para os shows, como para os próximos discos. O balanço entre sons acústicos e sintetizados acompanha os acompanha desde as primeiras músicas e virou um tema de reflexão conforme o trio cresceu. Sobre o violão, Lio destacou como os sons são mais acessíveis e palatáveis, por facilitarem a reprodução das canções. Pelo menos era essa a percepção até entrarem com mais força nos beats e teclados.
Parte da opção pelos timbres folk do começo da carreira era motivada pela falta de recursos. Com nome consolidado no mercado, quiseram explorar a vertente eletrônica - house music é um dos objetos de estudo de Machado - e se depararam com aumento no alcance das composições, deixando de lado a concepção anterior de música popular.
+++ LEIA MAIS: Jup do Bairro: Transgressão e Pretitude de um Corpo Sem Juízo
A quebra de expectativa por conta da imagem do trio também incentivou a mudança no som. Segundo Lio, as pessoas esperariam a Tuyo com “flores na cabeça enquanto tocam violão,” por conta dos preconceitos replicados. “Um grupinho com a nossa cara vai operar no house!” A faixa preferida do grupo ao vivo, “Vitória Vila Velha,” reflete a construção dessa sonoridade, com arranjos eletrônicos e ritmos marcados no baixo.
Após o primeiro disco focado no próprio trio, Chegamos Sozinhos em Casa trouxe muitas parcerias de estilos diversos - Lenine, Jaloo, Luccas Carlos, Lucas Silveira e Drik Barbosa foram algumas delas. As colaborações surgiram espontaneamente, como fãs convidando ídolos para os visitarem. “Não tivemos problema com coesão porque a galera que chamamos é fod*,” Lay justificou.
Além disso, mesmo com canções baseadas em experiências íntimas e pessoais, as letras da Tuyo mostram sentimentos vivenciados pela maioria das pessoas. “Quando falo sobre mim, falo sobre todo mundo. Dor e perda são universais,” Lio acredita. Os temas aproximaram as diferenças sonoras entre os convidados para tornar o disco mais impactante para ouvintes e para a própria banda - pois puderam observar as composições sob diferentes perspectivas.
Em "Sonho da Lay," por exemplo, Luccas Carlos adicionou versos à letra original e surpreendeu positivamente o grupo. Apesar da pandemia limitar os encontros, a experiência de enviar composições e receber de volta com novos arranjos e ideias foi um dos pontos memoráveis para a Tuyo.
Em 2021, receberam indicação ao Grammy Latino por Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa com Chegamos Sozinhos em Casa. Dentre os concorrentes estavam Anavitória, Vitor Kley, Fernanda Takai, Duda Beat e Nando Reis. Tuyo comemorou o marco, o qual serviu para “validar” o trabalho ousado da primeira parte do disco duplo, segundo Lay:
Não tem como negar, principalmente pelos artistas ao nosso lado nessa indicação. Sabemos que é uma plataforma para abrir mais conversa, o que mais adoramos fazer. Antes só falávamos com os nossos, de repente, vem um Grammy Latino abrindo essa conversa para um público enorme.
“É um ponto de referência para quando você se perde. Bate o olho em algo que você reconhece e consegue seguir no seu trajeto,” Lio concordou. A vocalista lembrou como a Tuyo busca “fazer sentido,” e uma premiação indica o trabalho bem-feito ao se manterem entre artistas tão relevantes, apesar das dúvidas e inseguranças durante o processo.
O próximo desdobramento de Chegamos Sozinhos em Casa é finalmente o levar ao seu propósito: os shows. “Vamos receber a contribuição que o disco precisava, o público ao vivo. O espetáculo aconteceu diversas vezes online, uma manifestação diferente. Mas vamos em busca do que ele nasceu para ser: um disco para ser tocado ao vivo,” Lay declarou.
Desde o início deste ano, Tuyo se debruçou nos ensaios, pensando na melhor maneira de trazer a narrativa das faixas para os palcos. O projeto Fragmentos mostrou apenas um trecho da turnê eletrônica, enérgica e, ao mesmo tempo, reflexiva proposta pelo trio para o retorno cuidadoso aos eventos. “Agora é tocar,” Lay exclamou com risos e empolgação.
+++ LEIA MAIS: Trio Tuyo quer remediar as dores contemporâneas com o novo disco Pra Curar; ouça
Ouça Fragmentos 2:
Childish Gambino cancela turnê na Oceania por recuperação de cirurgia que demora 'mais que o esperado'
Nova música do Mötley Crüe começou a ser criada no Brasil
Pete Townshend fala sobre depressão: “acordo com pensamentos suicidas”
O pior disco do R.E.M. na opinião de Mike Mills
Linkin Park: Popularidade da banda no Brasil aumenta após shows e "From Zero"
David Gilmour tenta vender mansão e descobre que imóvel é do Rei Charles