Nascido no R&B e no Country, criado na rebeldia e segregação racial: o rock n' roll em seus anos iniciais
Robert Palmer / Rolling Stone EUA Publicado em 13/07/2019, às 10h00
Para algumas pessoas, tudo começou na calada da noite: entocado em seu quarto com as orelhas coladas no rádio em que tocam vozes elétricas carregadas de intensas emoções e propulsionadas por um ritmo cinético e selvagem e pela estática da madrugada. Para quem crescia na classe média branca dos anos 1950, era novidade, nunca ninguém tinha ouvido nada assim, mas reagiram, e instantaneamente se converteram.
Viraram fiéis antes de saber que aquilo tinha acabado com tudo familiar em suas vidas. Perguntavam a amigos, e talvez irmãos mais velho. Encontraram o que chamava-se rock & roll. Era tão mais vital e vivo do que qualquer outra música que tinham ouvido antes, e precisava de uma nova categoria, já que o rock era muito mais do que música para todos. Era uma obsessão, um modo de viver.
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Para outros, começou um pouco mais tarde, com a primeira visão do Elvis Presley na televisão da casa. Mas para quem cresceu nos anos 1950, não parecia importar como ou onde tinham ouvido a música pela primeira vez. Todas as reações eram uniformes. Sabiam, ali, que um cataclisma sônico estourava (aparentemente) do nada, com o poder de mudar as vidas para sempre. Porque era, obviamente e sem contestações, a música deles. Se havia dúvidas no começo, a reação horrorizada dos pais - ou, na melhor das hipóteses, proibitiva - baniram essas questões. Crescendo em um mundo ainda não codificado, finalmente aquela geração achou algo para eles: para todos e para cada um.
Mas onde começou isso? Da onde veio? Mais de meio século depois da primeira explosão do rock n’ roll em toda a sua glória, não temos ainda uma resposta simples e definitivas para essas questões. Claro, são complicadas, já que as respostas dependem de como você define o estilo.
Fats Domino, o mais amável e pragmático artista da primeira geração rock n’ roll, foi questionado sobre as origens da música em uma entrevista para televisão nos anos 1950. “Rock n’ roll não é como o R&B”, respondeu com característica franqueza. “e nós tocamos isso há anos em Nova Orleans.” Este é um argumento válido: todos os artistas de rock pioneiros, negros ou brancos, do campo ou da cidade, foram influenciados pelo R&B, pela música popular dos negros do final dos anos 1940. R&B abrangia o som de tudo, desde as bandas de swing do Kansas, ou um grupo acapella de Nova York, até o blues de Chicago. E até onde Fats Domino sabia, rock n’ roll era simplesmente uma nova estratégia de marketing para o estilo que ele fazia desde 1949. Mas o que diziam os outros pioneiros?
Quando começamos a analisar, descobrimos que a maioria dos artistas de rock mais distintivos e influentes da metade dos anos 1950 faziam música que não podiam, em aspecto algum, ser definida como uma continuação do R&B dos anos anteriores. Não existia precedentes no R&B para artistas como Chuck Berry, que combinava a música caipira, blues e swing-jazz em medidas iguais e escreveu músicas sobre a vida adolescente e cultura geral que tanto jovens brancos quanto negros achavam interessantes. (Louis Jordan, ídolo de Berry e também Bill Halley, chegou perto disso, mas suas músicas com histórias profundas eram focadas tanto em adultos como em adolescentes, e qualquer aspecto caipira em suas músicas eram para fins cômicos.)
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Certamente, a música popular nunca tinha visto um artista cuja potência vocal, presença de palcos e aparente integração de influências tão diversas como o down-home blues, pentecostalismo e hits musicais cantarolados em alguém que lembrasse remotamente Elvis Presley. E onde, fora dos corais de igrejas dionisíaco mais doidas, alguém tinha visto ouvido algo como Little Richard?
Sam Phillips, o patriarca do rock cujo selo gravou Elvis, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, Johnny Cash e outros artistas iniciais, sugeriu que a verdadeira importância do rock n’ roll dos anos 1950 não teve muito a ver com o conteúdo da música, ainda mais inovação. É completamente verdade quando você disseca a música e a analisa, riff por riff, nota por nota, você encontra uma mistura de conceitos de blues, música pré-primeira guerra e o swing americano, gospel, e outros vocabulários. Para Phillips, o verdadeiro significado do rock n’ roll é duplo.
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Para começar, foi a única forma de música popular que falava diretamente com adolescentes - existiam músicas para adultos e crianças, mas nada como aquela protuberância fluorescente que os baby boomers tiveram entre a infância e a vida adulta. Depois, o rock n’ roll permitiu aos “marginais” urbanos - os brancos pobres enterrados em empréstimos, a juventude negra dos guetos, e, não coincidentemente, trabalhadores de lugares longínquos - a oportunidade de se expressar livremente, não como faziam no R&B e C&W, que tinham audiências limitadas, mas em uma dominância mais forte e popular. Elvis transformou-se de um motorista de caminhão em um ídolo de milhares de pessoas em menos de um ano. De repente, parecia que o céu era o limite, se é que existia limite.
O início do rock no meio dos anos 1950 não foi somente uma revolução musical, mas uma agitação social e geral de âmbito enorme e imprevisível. Também representava a maior reviravolta no negócio de música popular. Não existiam contrapontos de pré-rock para Sam Phillips, que transformou uma pequena gravadora em Memphis com apenas um funcionário em uma companhia na qual os artistas venderam milhares de discos no mundo. Em termos de negócios de gravadoras, o rock dizia que empresas pequenas como Sun, Chess e Speciality estavam invadindo os primeiros lugares das paradas, junto do domínio exclusivo da maior gravadora corporativa de Tin Pan Alley e seus interesses de publicação em músicas.
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Concentrando-se em grandes vendas e os denominadores brandos do pop, os maiores foram pegos desprevenidos por uma coalizão de rádios renegadas do sul dos EUA e seus engenheiros de som (Philips), empresários judeus e estrangeiros (os irmãos Chess), músicos de ex-bandas de swing, e doidos homens do interior. Esses eram os “marginais” que vinham gravando para audiências especializadas desde que as gravadoras maiores cederam território no fim da Segunda Guerra. O front do gueto, a operação de gravações de baixo custo de 1949 até 1953 de repente surgiu como um gigante da indústria entre 1955 e 56, dando conta da maioria das músicas no topo das paradas.
Já que várias dos mesmos selos pequenos que dominaram o mercado do R&B também flertavam com o country, e vice e versa, essas músicas se estreitaram. A geração mais nova do country também ouviam black music, e como resultado, os artistas do country foram encorajados a gravar músicas de R&B de um modo mais pesado e com um beat de rock.
Enquanto isso, várias das pessoas negras que cresceram isoladas em fazendas ouviam e eram influenciados pela música country de programas de rádio. E artistas negros como Chuck Berry e Bo Diddley descobriram que quando tocavam uma música que era levemente caipira ou alguma variação, seu público acompanhava. E apesar de toda a segregação racial que havia nos EUA nos anos 1950, brancos e negros começavam a achar, na música, mais e mais em comum.
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Com a geração pós-guerra crescendo, os adolescentes, especialmente adolescentes brancos com dinheiro no bolso, representavam um grupo de consumidores grande. Não precisava ser um gênio para perceber, assim como notaram Sam Phillips e outras pequenas gravadoras dos anos 1950, que mais e mais jovens ouviam músicas criadas por artistas negros, tocadas nas rádios locais por uma geração de pessoas conscientes da segregação. E se um artista branco com estilos R&B e um appeal para adolescentes existisse…
O sucesso rápido de Bill Halley and the Comets, que surgiu do uso de seu single “Rock Around the Clock” no filme adolescente Sementes de Violência (1955) era um sinal claro de que o R&B e o country (Haley’s Commets eram uma banda que tocava country e começaram a gravar R&B em um estilo que lembrava Louis Jordan) não continuariam excluídos da música pop e mainstream. Mas Haley não era exatamente o material ideal para um teen-idol. Precisou de uma preparação assídua e da promoção de Elvis Presley - que, reza a lenda, entrou no escritório de Sam Phillips para fazer um disco para o aniversário da mãe - para conquistar o triunfo do rock.
Para continuar no sucesso adolescente, a nova música - nova, na verdade, para os adolescentes brancos que só a descobriram então - precisava de um nome. R&B era um termo datado com conotações clássicas. Alan Freed, um DJ de R&B que foi de uma pequena rádio de Cleveland para uma grande em Nova York, foi crucial para o surgimento do rock n’ roll com o surgimento do nome. Deve ter agradado Freed e os outros funcionários que o termo “rock n’ roll” era também uma gíria para sexo - e era desde os anos 1920, quando o cantor de blues Trixie Smith gravou “My Man Rocks Me (With One Steady Roll)”, ou “Meu Homem Me Abala (Com Apenas um Rolo Firme).”
Era um segredo dividido apenas entre os DJs, os artistas e os jovens: por incrível que pareça, os “adultos” não pareciam entender. Certamente, ninguém que estava por dentro ia explicar para eles. Adolescentes desenvolviam seus códigos únicos em grupos em uma cumplicidade, expressavam isso nas roupas, em enfeites (de brincos até buttons) e aumentando seu próprio vocabulário de gírias. O meio que espalhou essa cultura jovem e underground foi o rock n’ roll.
Desde os primórdios as gravadoras de rock cobriram um amplo terreno musical. O clichê diz que o rock era uma mistura do country e blues, e se estiver falando sobre, vamos dizer, Chuck Berry e Elvis Presley, a descrição, mesmo que simples, encaixa. Mas a inércia dos vocais poderosos dos cantores negros, que por si só era inusitada o bastante para acomodar o pensamento, os intensos Midnighters e 5 Royales, as harmonias novas que tocavam em barbearias como Orioles and the Crowns e a música infantil de Frankie Lymon and the Teenagers ou Shirley e Lee, tinham pouco a ver com o formato do blues ou do country.
O beat de Bo Diddley - que, depois de popularizado por ele, começou a aparecer em músicas de vários artistas - era derivado do estilo afro-caribenho. O riff de baixo mais durável (lê-se usado demais) no rock dos anos 1950, usado em “Blue Monday” de Fats Domino e “Lawdy Miss Clawdy” de Elvis, foi criado por Dave Bartholomew, produtor de Fats, e veio de uma música cubana. O sax escandaloso que domina o rock dos anos 1950 antes do crescimento das guitarras, veio de uma banda de swing, mas tudo virou típico do rock. Ritmos tradicionais do México também entraram no rock n’ roll. Mas o estilo provou-se um híbrido multi-étnico exclusivo, com suas origens e desenvolvimentos sutis sendo diversos demais para ser explicado como “blues + country” ou qualquer outra fórmula.
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Na altura do pandemônio inicial, em 1955/56, um número seleto de front-runners surgiu, artistas cujas personalidades moldaram a face que seguiria: Elvis, claro; Chuck Berry, cujo estilo de guitarra era brilhantemente emulado em suas letras críticas da adolescência; Little Richard, o arquétipo do artista do rock n’ roll barulhento e ambisexul, com a banda itinerante mais influente da época, os Upsetters; o confiável Fats Domino, que misturou o blues e o jazz com o pop de Tin Pan Alley; Jerry Lee Lewis, o protótipo do homem louco do rock; Buddy Holly and the Crickets, paradigma de um frontman; Sam Cooke, Ray Charles, os 5 Royales e um jovem James Brown, todos eles encarnando o êxtase do rock no palco e ajudando os rockeiros dos anos 1960 no processo, e Eddie Cochran, que combinou a aparência dos ídolos-teen com uma inteligência musical, e que entendeu bem cedo que o próprio estúdio era um instrumento musical.
Certas figuras de backstages também foram tão importantes quanto os mais brilhantes cantores que construíram o rock n roll como idioma, com um futuro também espetacular. O produtor Milt Gabler aplicou o que aprendeu com os blues dos anos 1940 de Louis Jordan nos hits de Bill Haley. Dave Bartholomew, trompetista de Nova Orleans, que conseguia tocar, escrever e produzir, e seus músicos ficaram por trás dos hits de Fats Domino e Little Richard. Earl Palmer, baterista, definiu seu estilo no rock em Nova Orleans e o levou para a elite dos estúdios de Los Angeles, e sabia tocar todas as músicas do momento - e se um único músico merece o crédito por definir o rock como um estilo diferente do R&B e tudo que veio antes, esse músico é com certeza Earl Palmer. Mas foi outro baterista e sócio de Little Richards, o Charles Connor, que colocou o funk no ritmo.
Tom Down da Atlantic Records introduziu o verdadeiro stereo e deu à gravadora singles únicos. Sam Phillips foi relevante para sua engenharia inovadora, sua queda para o eco e ambientação, assim como seu talento para mixagem, assim como seu populismo. Isso tudo ajudou a definir muito do que chamamos de espírito do rock e suas políticas. Foi Phillips quem mostrou em suas músicas a visão do rock como um sonho de liberdade e igualdade.
Muito foi feito nos anos 1960 para transformar o rock em um meio de revolução social e cultural, mas foi no meio dos anos 1950 que o estilo se espalhou, em uma onda poderosa e concentrada, com as propriedades raciais e culturais acumuladas por décadas. O que poderia ser mais revoltante, mais ameaçador para a tradicional ordem social e sexual americana do que um show de Little Richard?
É um sensor do tamanho do potencial de revolução do rock dos anos 1950 (ao contrário da revolução marketeira da década seguinte) que enquanto a música dos anos 1960 desvaneceu ou se perdeu, o rock dos anos 1950 só parou. Abruptamente.
Os problemas começaram a se acumular: depois do rock substituir a música popular, as grandes gravadoras pegaram o ritmo, e as pequenas que fizeram sucesso no estilo acabaram falindo, e a carreira dos artistas começaram a ter escândalos. Chuck Berry foi preso. Little Richard desistiu em seu áudio para voltar-se para a igreja. Jerry Lee Lewis foi detonado e boicotado por casar com sua prima pré-adolescente. Alan Freed morreu recluso e alcóolico. Elvis se safou pois era protegido seu empresário Tom Parker.
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Durante os poucos anos em que o rock n’ roll inicial reinou, as possibilidades pareciam inebriantes e infinitas. Vendo isso depois, tudo acabou sendo uma vanguarda cultural de um movimento de igualdade social, racial e sexual que surgia como forma política - não foi acidente de que Rosa Park não levantou de seu lugar no ônibus para um branco e outros atos do que viraram movimentos civis ocorreram durante a breve ascensão de Chuck Berry e Little Richard, homens negros dos quais cada movimento e palavra eram para responder aos estereótipos raciais.
Se o rock dos anos 1950 falharam em realizar suas aspirações sociais e criativas que expressavam tão eloquentemente, em um nível cultural, superou até seus sonhos mais loucos. Não só se provou como mais do que moda ou episódio de delírio juvenil, apresentou o modelo e template da inovação da música que seguiu a isso. O melhor do rock n’ roll dos anos 1950 pode ter prometido uma utopia que não aconteceu. Mas, enquanto há música, o sonho sobrevive.
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