Filme baseado em trilogia polonesa está entre os mais populares do mês na Netflix
Larissa Catharine Oliveira | @whosanniecarol Publicado em 17/06/2020, às 11h49
365 Dias, filme baseado nos livros da polonesa Blanka Lipińska, chegou ao catálogo da Netflix no começo de junho. Muitas vezes comparado a Cinquenta Tons de Cinza, o drama erótico protagonizado por Anna Maria Sieklucka e Michele Morrone acompanha a o sequestro de Laura Biel, uma executiva “de espírito livre”, segundo a sinopse oficial, alvo de Massimo Torricelli, chefe de uma máfia. O sequestrador estabelece o prazo de 365 dias para Laura se apaixonar.
O filme está em alta na plataforma de streaming desde a estreia, e já sofre críticas por glamorizar a síndrome de Estocolmo. A trama, de fato, romantiza situações de abuso e se constrói a partir do cruzamento de clichês machistas: a feminista indomada, o garanhão em busca de amor e preconceitos sexistas sobre consentimento.
O roteiro de 365 Dias não se aprofunda nos personagens e se limita a mostrar momentos pontuais da vida dos protagonistas antes do sequestro ocorrer, e deixa a desejar até mesmo na construção da obsessão doentia de Massimo pela vítima.
O sequestro, por exemplo, foi idealizado por cinco anos pelo gângster, mas a passagem de tempo entre a primeira vez em que Massimo viu Laura e o dia do crime não fica clara no desenvolvimento da trama, e o resultado é uma motivação fraca e infundada.
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Massimo demonstra o comportamento misógino desde a primeira cena. Quando traficantes humanos tentam vender crianças para a gangue da família e anunciam meninas de apenas 12 anos como “ótima mercadoria”, o personagem se limita a xingar os traficantes durante uma conversa privada. Anos depois, ao descobrir que um membro da máfia fez negócios com as crianças, a motivação para matar o “traidor” é pela mancha no nome da família, uma motivação pessoal e sem relação com princípios morais.
Em diversos momentos, Massimo demonstra um comportamento agressivo e predatório com as mulheres ao redor, e sempre se baseia na posição de poder, como “chefe” da máfia, para reclamar o direito sobre os corpos femininos. Com Laura, a manipulação emocional contra a vítima está na violência física e verbal e na ameaça constante de estupro, ao mesmo tempo em que promete não fazer nada sem “consentimento” da desconhecida sequestrada e pede ajuda para “aprender a ser gentil”.
Massimo escapa de ser entendido como estuprador porque, no imaginário popular, o homem que estupra é umdesconhecido que ataca mulheres com violência e repentinamente. E, ao teoricamente, nenhuma mulher o rejeitou com violência ao longo do filme. Essas concepções incorretas sobre abuso sexual permitem a elevação do personagem ao papel de homem "protetor" e viril.
Mulheres são retratadas de maneira completamente sexualizada na trama. A maioria sem nome ou personalidade, aparecem para servir sexualmente ao protagonista em uma relação unilateral que se resume a sexo oral violento. Apesar de idealizada por mulheres - a autora dos livros e a diretora iniciante Barbara Białowąs -, as personagens femininas são o apogeu da objetificação a partir do olhar masculino na sociedade, fenômeno facilmente explicado pela socialização feminina para percepção da mulher como objeto de prazer masculino. Não por acaso, a única mulher da vida de Massimo com nome é Anna, a clássica “ex louca” e ingrediente essencial em uma trama tão previsível por evocar a rivalidade feminina.
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Pouco se sabe sobre Laura Biel além das relações frustradas com homens na profissão e na vida pessoal. A única característica responsável pela atração de Massimo pela vítima é a beleza e sensualidade constante de Laura, quase como se ela não pudesse evitar correr e sentar de maneira provocativa. A única característica da personalidade de Laura destacada é a “rebeldia” e as frases de teor feminista. “Não sou um objeto”, dispara algumas vezes. Apesar do "temperamento difícil", Laura se torna dócil e submissa após ceder ao sequestrador. Afinal, feministas precisam de sexo - ou coação e estupro - para serem domadas, certo? Errado. Mas essa é a lógica constante na trama.
Desde a primeira cena, 365 Dias apresenta um galã com traços perigosos e abusivos, especialmente nas relações com mulheres. Produto de uma sociedade misógina, a história conta com os preconceitos do público e as noções deturpadas de consentimento da sociedade patriarcal, influenciada pelos padrões da pornografia, para construir a tensão sexual na trama.
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365 Dias não é uma história de amor, mas o retrato máximo do abuso masculino, maquiado e vendido como paixão e desejo. Para além do debate do politicamente correto, é uma produção perigosa por romantizar os maus tratos e violência que vitimizam mulheres todos os dias.
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