“Quando eu iniciei a Rolling Stone em novembro de 1967, a intenção original era dar espaço ao rock, mas com inteligência e respeito”, diz Jann Wenner, fundador do veículo
Paulo Cavalcanti Publicado em 09/11/2017, às 15h38 - Atualizado às 16h59
Quando o rock and roll explodiu na consciência geral, na metade da década de 1950, obviamente ainda não existia o que iria ser chamado de “crítica de rock”. A nova música abraçada pela juventude mundial era proveniente do rhythm and blues e do country, unificando de forma orgânica a cultura dos negros e a dos brancos marginalizados. Até meados da década de 1960, o estilo era coberto por revistas de mercado, que apenas registravam os lançamentos e seu eventual potencial comercial. Ou então o rock surgia em publicações dirigidas a fãs, sem análises ou grande profundidade. Uma visão mais séria sobre a música era inexistente. Esse tipo de cobertura era dedicada ao jazz e à música erudita. Mas os Beatles, os Rolling Stones, Bob Dylan e outros provaram que o rock era mais do que uma moda passageira e que existia por trás do som e da imagem destes artistas um espectro cultural capaz de mudar a sociedade. Na década de 1960, o gênero também se juntou ao universo mais intelectualizado da música folk. Os garotos que cresceram ao som dos pioneiros agora iam para a faculdade e adquiriam um verniz literato.
Chegamos a 1967, ano em que o underground dominou os procedimentos do universo pop. A cidade de São Francisco, na Califórnia, tornava-se o ponto focal dessas mudanças. Em 14 de janeiro daquele ano, aconteceu o Human Be-In, evento que juntou diversas tribos na região da Golden Gate. Foi um prelúdio ao Verão do Amor, que ocorreria em junho e teve em sua pauta palestras, atividades culturais e shows, tudo na borbulhante região de Haight-Ashbury. Foi o Monterey Pop Festival que marcou o ápice do Verão do Amor. Ele aconteceu entre os dias 16 e 18 daquele mês, reunindo 60 mil pessoas na península homônima. Monterey hoje é considerado o primeiro grande festival da história do rock e revelou Jimi Hendrix, Janis Joplin e muitos outros. No mesmo mês, no dia 1º, com a chegada do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, a contracultura tinha a sua Carta Magna.
O nova-iorquino Jann Wenner, na época com 21 anos, era um desses jovens que tinham sido tocados pelo aspecto transcendental do rock. Ele percebeu que muita coisa estava acontecendo e de forma muito rápida, gerando a necessidade de dar voz aos criadores e agitadores. Ele havia deixado a Universidade de Berkeley, mas escrevia sobre música em um jornal do campus chamado The Daily Californian. Quem compartilhava a mesma visão de Wenner sobre jornalismo e cultura alternativa era um crítico de 48 anos chamado Ralph J. Gleason, que escrevia sobre jazz no San Francisco Chronicle. Gleason, muito bem-humorado, também estava de olho na cena de rock de São Francisco, que tinha em seu bojo Jefferson Airplane, Grateful Dead e outros luminares psicodélicos. Gleason e Wenner conheceram-se em um show e o veterano falou para o novato que admirava os textos e as ideias dele.
Wenner e Gleason se deram bem e pensaram em fundar uma publicação que, a princípio, cobrisse a cena cultural de São Francisco e arredores, mas sem o aspecto político radical típico da prosa universitária do período. Não seria um mero fanzine; teria que ser algo que registrasse um impacto nacional. O nome Rolling Stone veio de um ensaio que Gleason escreveu no The American Scholar chamado “Like a Rolling Stone”, citando a famosa criação de Bob Dylan, embora também possa ter vindo à mente deles “Rollin’ Stone”, do bluesman Muddy Waters, canção que batizaria a banda de Mick Jagger e Keith Richards – ou seja, tudo estava interligado, provando que a tempestade de ideias de Wenner e Gleason seria um grande caldeirão.
Com todos esses fios conectados, Wenner correu atrás de pessoas que pudessem investir na nova marca. Um grupo doou a ele e a Gleason US$ 7,5 mil. O local escolhido como sede era um pequeno apartamento localizado na Brannan Street, no número 746, e o espaço sairia de graça se os novos locatários utilizassem os serviços de impressão do proprietário. Vários voluntários se prontificaram a ajudar na empreitada. Um time de talentosos colaboradores foi criado por Wenner, incluindo o fotógrafo Baron Wolman, responsável por várias capas vindouras da RS.
Sgt. Pepper’s ainda era o álbum mais falado naquele momento e Wenner achava que os Beatles tinham que estar na capa de uma forma ou outra. Mas em vez de repetir as imagens do LP, ele escolheu uma foto de John Lennon caracterizado como o cabo Gripweed, personagem da comédia de humor negro Como Eu Ganhei a Guerra, dirigida por Richard Lester. Na edição também havia uma matéria sobre o filme, que tinha acabado de chegar às telas. A publicação também trazia uma matéria investigativa sobre as finanças do festival de Monterey, uma entrevista com o músico escocês Donovan, uma nota sobre a saída de David Crosby do The Byrds e resenhas de LPs de Arlo Guthrie, Sopwith Camel e Chuck Berry. O cocriador Gleason assinou a coluna “Perspectives” falando de cantores de soul, como Jackie Wilson, Wilson Pickett e Otis Redding. E para que ninguém esquecesse de onde tudo veio foi publicada um resenha de uma apresentação de Bill Haley, o homem que deu o pontapé para a popularização do rock em 1955 com “Rock around the Clock”.
No dia 9 de novembro, a primeira edição na novidade do jornalismo cultural chegava às bancas, custando 25 centavos de dólar. É importante frisar que a Rolling Stone ainda não era exatamente uma revista. Naquela época, ela tinha o formato de um jornal tabloide. Wenner buscava profissionalismo e visibilidade. Revistas e jornais underground apareciam e sumiam em um piscar de olhos, mas este título havia sido planejado para durar. Ficava claro que a Rolling Stone já deixava as outras publicações para trás. Os textos, apesar de elaborados e escritos de forma precisa, não tinham pedantismo ou ranço elitista.
Ao juntar música, atitude e uma visão intuitiva sobre arte e sociedade, a RS foi abraçada pela elite do rock, que finalmente achou um veículo ideal no qual poderia expor suas ideias e projetos. Quando Bob Dylan saiu da reclusão após ter sofrido um misterioso acidente de motocicleta em 1966, foi a Rolling Stone que quebrou o silêncio dele e revelou que o bardo iria embarcar em uma jornada musical totalmente diferente. Desde então, ela tem sido a única revista para a qual Dylan abre o coração e a mente.
O final da década de 1960 foi um período fértil, mas também tumultuado para a música pop. Enquanto a Guerra do Vietnã rugia no distante continente asiático, o rock florescia em megafestivais. A Rolling Stone antecipou lançamentos de álbuns que se tornaram clássicos e também cobriu, melhor do que ninguém, os históricos festivais de Woodstock e de Altamont, ambos realizados em 1969. A revista penetrou na mente do assassino Charles Manson, noticiou o fim dos Beatles e posteriormente abriu espaço para John Lennon alertar que “o sonho havia acabado”.
Com a chegada da década de 1970, a RS já era a referência máxima quando o assunto era rock e cultura pop. O sonho de Jann Wenner se tornava realidade. Com os 50 anos de existência da marca, só podemos ratificar as palavras dele: “Quando eu iniciei a Rolling Stone em novembro de 1967, a intenção original era dar espaço ao rock, mas com inteligência e respeito. E tínhamos noção de que aquela geração queria mais do que música. Assim, ampliamos o leque para incluir tudo mais: política, cinema, televisão, videogame, internet, esportes, crime, quadrinhos, gurus, fanáticos por Jesus Cristo, cafetões e drogas. Queríamos falar de todos os espectros do comportamento social norte-americano, fossem eles heróicos ou patológicos.”
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