Relembre a cobertura da Rolling Stone EUA em 1971 sobre a morte do polêmico e apaixonante líder do The Doors
Ben Fong-Torres | Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 02/07/2021, às 18h28 - Atualizado em 03/07/2021, às 08h00
Como parte da celebração dos 15 anos da Rolling Stone no Brasil, continuamos a resgatar as melhores reportagens publicadas na revista desde 2006. Nesta semana, vamos relembrar o obituário do cantor Jim Morrison, líder da banda The Doors, que morreu aos 27 anos há exatas cinco décadas, em 3 de julho de 1971.
O texto a seguir, veiculado originalmente na edição 88 da Rolling Stone EUA [agosto de 1971] e posteriomente, na edição 58 da RS Brasil [julho de 2011], foi escrito por Ben Fong-Torres, um dos mais notórios editores da publicação. Misturando elementos de um obituário tradicional com reportagem investigativa, o longo relato remonta os últimos passos do icônico “Rei Lagarto” e seus planos para além do The Doors, que incluiam uma vida em Paris, a produção de roteiros e um disco de poesias. Ao mesmo tempo, Fong-Torres relembra o nascimento da controversa carreira de Morrison, recheada de cenas chocantes, excessos e manchetes nos jornais, que em pouco tempo concederam ao músico a alcunha de “garoto problema do rock”.
De fato, Morrison era tudo isso, e muito mais do que conseguíamos enxergar em suas declarações públicas polêmicas, suas letras reveladoras e suas explosivas performances de palco. Não é de surpreender que, cinco décadas após sua partida repentina, continuemos a tentar digerir sua arte e decifrar seus mistérios.
–Pablo Miyazawa, ex-editor-chefe da RS Brasil
Jim Morrison, um homem que cantou, compôs e bebeu excessivamente quando era vocalista do The Doors, morreu – em paz – aos 27 anos, em Paris.
A morte de Morrison, apesar (e por causa de) esforços estratégicos de sua esposa, Pamela Courson, e dos amigos, foi coberta de mistério. Ele morreu na madrugada de sábado, 3 de julho, mas só em 9 de julho, dois dias depois de ser enterrado em Paris, seu empresário divulgou a notícia à imprensa norte-americana.
Bill Siddons, 23 anos, empresário do The Doors, explicou em uma declaração: "A notícia inicial de sua morte e do funeral foi mantida em segredo porque aqueles de nós que o conhecíamos intimamente e o amávamos queríamos evitar toda a notoriedade e a atmosfera de circo que cercou a morte de Janis Joplin e Jimi Hendrix".
Siddons fez a declaração após voltar de Paris, onde ele, Pamela e três amigos foram ao enterro, no célebre cemitério Père Lachaise, onde estão enterrados nomes famosos das artes e das letras como Honoré de Balzac, Oscar Wilde, Molieri e Edith Piaf. Siddons afirmou que não haveria missas em Los Angeles, cidade onde Morrison frequentou por um tempo a UCLA (Universidade da Califórnia) e começou a cantar com o The Doors em 1965.
Segundo Siddons: "Jim foi para lá para escrever e descansar. Em Paris, encontrou alguma paz e felicidade e tirou Los Angeles de seu sistema. Pode ser difícil de entender, mas era difícil morar aqui [em Los Angeles] e viver o que todos pensavam que ele era. Não houve velório, o que deixou tudo melhor. Só jogamos algumas flores e terra e dissemos adeus." Sobre a falta de uma autópsia, Siddons justificou: "Simplesmente porque não queríamos fazer desse jeito. Queríamos deixá-lo em paz. Ele morreu em paz e com dignidade".
Mesmo assim, alguém estragou as coisas. Boatos vazaram de Paris a Londres naquele fim de semana dizendo que Morrison havia morrido, mas quando repórteres ligaram para o apartamento de Jim e Pam, perto da Bastilha, ouviram que Morrison "não estava morto, e sim muito cansado e descansando em um hospital". Em 8 de julho, depois do enterro do cantor-compositor-poeta, a redação da United Press International em Paris noticiou que Morrison estava "se recuperando e sendo tratado em um hospital ou clínica". Um jornal pop de Paris publicou uma foto de Morrison com a manchete: JIM MORRISON NÃO MORREU, novamente divulgando que ele estava "cansado" devido a "uma doença simples".
Sua morte foi mantida em sigilo. No entanto, na noite de sábado, um DJ de um clube noturno local a anunciou nos alto-falantes. Seu anúncio foi recebido com surpresa e silêncio. Uma pequena onda de conversas se espalhou e chegou até Londres naquela noite. Muitos ligaram para Paris para obter comentários e detalhes. Não houve nenhum.
A embaixada dos Estados Unidos só ouviu os rumores na segunda-feira. Finalmente, Pamela pediu a emissão da certidão de óbito na quarta-feira, listando Jim como James Morrison, poeta. A embaixada não percebeu isso até a sexta-feira, quando agências de notícia começaram a pressionar pela história de que o morto era Jim Morrison do The Doors.
Sabia-se que Morrison tinha um problema respiratório e que tossiu sangue por quase dois meses em Paris. Consultou dois médicos durante esse período, mas, até morrer, parecia forte e saudável. Ele e Pamela haviam viajado para Espanha, Marrocos e Córsega e, de volta a Paris, mantinham contato com amigos próximos, como o poeta Michael McClure, o fotógrafo Frank Lisciandro e também com o escritório do The Doors, por meio de cartões-postais, cartas e pelo telefone. Em diversas ocasiões, Jim falava sobre escrever um roteiro e poesias na França, e conversava com seu gerente de negócios, Bob Greene. Queria dinheiro para ficar até setembro.
Por volta das 4 da manhã de 3 de julho, Morrison acordou perturbado. Tossia de novo e, quando levantou, vomitou uma pequena quantidade de sangue. No entanto, conta Siddons, Jim disse a Pam que se sentia bem e que queria tomar um banho.
Pamela, de 25 anos, voltou a dormir. Então, decidiu ver como ele estava. Siddons recorda: "Jim estava morto na banheira. Tinha um meio-sorriso no rosto, e Pamela achou que ele estava brincando, aprontando alguma. Mas estava morto". Pam chamou os bombeiros para tentar a reanimação, e a polícia e um médico vieram depois – todos tarde demais.
A certidão de óbito menciona como a causa da morte um ataque cardíaco. Algumas notícias iniciais disseram que um caso repentino de pneumonia levou-o à morte. Siddons afirma que sabia a causa exata da morte, mas que não a podia descrever em termos médicos oficiais. Ele falou: "Foi uma espécie de insuficiência cardíaca, complicada por uma possível infecção pulmonar. O sangue provavelmente formou um coágulo, que viajou até o peito e bloqueou as válvulas do coração. E isso causou o ataque cardíaco".
Siddons atribui o coágulo sanguíneo a "abuso físico".
Morrison deixa os pais, o contra-almirante George e Clara Morrison, Andy, um irmão mais novo, e Anne, uma irmã mais nova e casada. Os pais moram em Arlington, Virgínia, um subúrbio de Washington, DC, onde o pai de Morrison trabalha no Pentágono. Siddons os avisou da morte do filho por telefone. "Sabíamos que ele estava em Paris", disse a mãe antes de receber o anúncio oficial, "mas não tínhamos falado com ele desde sua chegada." Ela e os outros filhos só souberam de Jim quando Siddons voltou do funeral para fazer o anúncio.
Em um testamento escrito em fevereiro de 1969, afirma Max Fink, advogado do artista, Morrison deixava tudo para Pamela. Seu patrimônio era considerável, incluindo royalties recolhidos pela editora musical Ascap, direitos autorais de músicas e investimentos feitos para ele por seu gerente de negócios. Morrison pode nunca ter sabido disso, mas era, entre outras coisas, proprietário de parte de um acampamento para trailers. Depois de Pam, Morrison nomeou seus irmãos como herdeiros.
Pamela retornou a Los Angeles com Siddons e, de acordo com relatos mais recentes, ainda está em choque. Os pais de Morrison também não estavam disponíveis para comentários depois de receberem a notícia. Baylor Brown, capitão da Marinha e amigo de longa data da família, atendia as ligações e dizia apenas que o almirante e a senhora Morrison estavam "extremamente tristes" e não planejavam nenhum memorial separado para o filho. "Eles acreditam que o filho foi enterrado em um bom cemitério em Paris", diz o capitão Brown.
A morte de Morrison ocorreu exatamente dois anos depois da de Brian Jones, guitarrista do Rolling Stones. Há nove meses, Jimi Hendrix e Janis Joplin morreram. Todos os três faleceram aos 27 anos – como Morrison. No entanto, embora as mortes de Jones, Hendrix e Janis fossem devido a overdoses acidentais de drogas, Morrison morreu de "causas naturais". Nenhuma droga, conhecidos e amigos enfatizaram, foi conectada à morte, e, de fato, Morrison admitia que bebia muito, mas que pegava leve com drogas pesadas desde os primeiros dias do The Doors na Sunset Strip.
Jac Holzman, presidente da Elektra Records, tinha a imagem de um Morrison satisfeito enquanto se preparava para encontrar Pamela em Paris. O último álbum do The Doors para a Elektra, L.A. Woman, havia entrado rapidamente para as paradas, e dois singles do trabalho, "Love Her Madly" e "Riders on the Storm", fizeram o grupo voltar às rádios AM pela primeira vez desde "Touch Me".
Holzman conta: "Na última vez em que vi Jim, conversamos sobre seus planos – o que ele queria fazer. Achou que gravar L.A. Woman no porão do próprio escritório tinha sido revigorante. Demos a ele um gravador de oito pistas e uma mesa de som. Falou sobre ter menos ambição e não se preocupar em vender muitos álbuns. Falava até em voltar para fazer apresentações [o último show do The Doors foi em Nova Orleans, em dezembro de 1970]. E ele também mencionou algo sobre escrever roteiros em Paris".
Outro projeto que ficou incompleto foi um disco de poesias. Morrison publicou um livro de poemas, The Lords and the New Creatures, e distribuiu volumes particulares de escritos entre amigos. "Ele escrevia suas poesias com uma noção de sua voz em mente", diz Holzman. "E música concreta – alguns efeitos musicais e sonoros", que seriam gravados nas ruas ou em uma praia ou qualquer lugar onde um acompanhamento adequado pudesse ser encontrado. "Ainda estava experimentando com a forma", conta Holzman. "Queria passar por isso e depois escrever roteiros."
Morrison gravou sete álbuns com a banda. A Elektra lançou uma compilação, chamada 13, e estava planejando montar uma segunda coletânea de grandes sucessos. Os outros três membros do The Doors – o guitarrista Rob Krieger, o tecladista Ray Manzarek e o baterista John Densmore – se recusaram a comentar a morte do vocalista, mas se sabe que eles vinham ensaiando como um trio no escritório/estúdio do The Doors desde a partida do cantor. Com L.A. Woman, o Doors cumpriu com suas obrigações com a Elektra e estava aberto a negociações com outras gravadoras quando Morrison embarcou para a Europa.
"Morrison me contou: 'Não tenho ideia de por quanto tempo vou ficar longe e os membros do The Doors não têm nenhuma obrigação uns com os outros'", falou Siddons. Então, ele começou a escrever um novo livro de poesias e a banda começou a ensaiar, por volta de abril, e compor algumas faixas novas.
"Os integrantes da banda não estavam preocupados com o cantor, só estavam fazendo música", Siddons disse. Agora, com a notícia da morte de Jim Morrison, os três pararam de trabalhar. "E não conversaram nada sobre um possível novo vocalista. É cedo demais", concluiu o empresário.
Mas a procura já começou. Na segunda-feira após o anúncio da morte, Siddons recebeu uma ligação no escritório do The Doors, de um promotor em Cleveland. "Tenho um cantor. É parecido com [Mick] Jagger e soa como Morrison. Quer?"
James Douglas Morrison nasceu em Melbourne, Flórida, em 8 de dezembro de 1943. Em relatos oficiais, ele sempre anulou sua infância – para muitos, só começou a viver cerca de 22 anos depois, quando finalmente atravessou os Estados Unidos e se matriculou na escola de Artes Teatrais da UCLA e, mais tarde, conheceu Ray Manzarek e formou o The Doors. Em sua biografia oficial, Morrison preencheu no campo Família: "Morta". Embora seus cantores preferidos de verdade fossem, como também declarou, Frank Sinatra e Elvis, e embora sua comida favorita fosse mesmo carne, sua família só estava morta na mente dele. Morrison nunca falava sobre a família. "Não quero envolver ninguém se essa pessoa não quiser", disse em entrevista a Jerry Hopkins para a Rolling Stone em 1969. "Não visito nenhum deles".
Os Morrison criaram Jim, Andy e Annie em Alexandria, Virgínia, uma cidade portuária no litoral do Atlântico, lar da George Washington High School. O pequeno e magro Jim Morrison lentamente tomou o rumo da literatura e devorava os clássicos. Conhecia todos os poetas. Morrison entrou para a lista de honra ao mérito, mas não participava de atividades escolares. Tinha poucos amigos. A vida para ele estava na estrada Jefferson Davis, em um pub, o 1320 Club, onde assistia a bluesmen como Wil Downing.
Em casa, Jim Morrison enfrentava o pai. A mãe, Clara, ficava quieta enquanto o Capitão dava ordens a seus pequenos recrutas particulares. Finalmente, Jim saltou para fora do território do Monumento de Washington, para a faculdade na Flórida – primeiro no St. Petersburg J.C., depois na Florida State University – e, finalmente, para a UCLA, Hollywood.
"Jim tinha um interesse infinito por filmes", conta Frank Lisciandro, que o conheceu quando estudava com Morrison e Manzarek na UCLA. "Mais pela teoria, história e política dos filmes. Ele nunca se envolveu com a parte prática do trabalho do cinema – editar, operar câmera. Sempre teve um bom ouvido musical. Tocava um pouquinho de piano."
Na UCLA, Morrison fez seu primeiro filme – um desastre na opinião dos professores, cuja única cópia foi perdida desde sua exibição. Ele e Manzarek, que tocava no Rick and the Ravens, começaram a falar sobre música na praia, em Venice, em um dia de julho de 1965. Jim mencionou que tinha começado a compor músicas e recitou, para começar, "Moonlight Drive". Manzarek viu que a poesia do amigo tinha algo a ver e decidiu fazer dos pensamentos irônicos de Morrison sobre uma banda de rock chamada The Doors uma realidade (o nome vem do verso de William Blake – "Há coisas conhecidas e coisas desconhecidas; entre elas há as portas"). Depois, encontrou o baterista de jazz John Densmore em um centro de meditação sendo montado pelo Maharishi Mahesh Yogi.
O momento para gravar uma demo surgiu em setembro de 1965. A formação era: Morrison nos vocais, Densmore na bateria, Manzarek no teclado, Rick e Jim, irmãos de Ray, nas guitarras e uma baixista não identificada. Gravaram 12 músicas, incluindo "Moonlight Drive", "End of the Night", "Break on Through", "Summer's Almost Gone" e "Let's Go Insane".
Os irmãos de Manzarek e a baixista saíram e o grupo acrescentou o guitarrista Robby Krieger, bom em improvisos. A banda havia estreado no London Fog da Strip, tocado no Gazzarri's e tinha uma apresentação marcada no Whisky a Go Go, antes do The Seeds, The Turtles, Love e Them. Então, Morrison já havia se transformado em um artista de palco e construído uma base sólida de fãs. Na verdade, Morrison e o The Doors já estavam grandes demais para o Whisky quando ele estendeu "The End" para incluir a edipiana parte "Father I want to kill you... Mother, I want to... (Pai, quero te matar/Mãe, quero... e aqui, no lugar de 'fuck you' [te comer], Morrison soltou seu grito gutural)". E, no meio do público, Mario, gerente do clube, balançou a cabeça em desgosto e os mandou embora.
Foi Ronnie Haran quem contratou o Doors como "banda da casa" por quatro meses. Elmer Valentine, fundador do Whisky, admitiu que não gostou deles: "Ele estava à frente de seu tempo em algumas coisas – como falar palavrões no palco", afirma. "As ligações não paravam. 'Quando aquele filho da mãe cheio de tesão vai aparecer?' Foi incrível. Nunca tínhamos recebido tantas chamadas para uma banda secundária."
Jack Holzman acompanhou a temporada de quatro meses do The Doors no Whisky, como conta: "Não gostei de início, mas fui atraído de volta. Fui quatro noites seguidas, depois falei com eles e disse que queria gravá-los". Duas outras gravadoras estavam interessadas – a White Whale e uma outra que o produtor Terry Melcher estava montando. O Doors, com músicas guardadas desde os dias da UCLA, estava pronto para gravar. A banda concluiu seu primeiro álbum no outono de 1966, mas o lançamento foi adiado para janeiro de 1967. O grupo, diz Holzman, esperou pacientemente. "Foram eles quem quiseram Jim Morrison na frente. Sentiam que ele era o foco." Jim, por sua vez, creditou todas as composições à banda inteira, embora suas músicas dominassem os dois primeiros álbuns. Todos os quatro Doors dividiram os direitos autorais igualmente.
Àquela altura, Jim Morrison havia começado o que parecia ser uma viagem em piloto automático aos altos escalões do rock. Se o Byrds era o Beatles norte-americano, Morrison era o Mick Jagger ianque. O Doors tocou no Matrix, depois em salões de baile em São Francisco. Morrison causou controvérsia no popular programa de Ed Sullivan e apareceu nas páginas da revista Vogue, em que foi imortalizado pelo fotógrafo Richard Avedon. Na publicação, foi chamado de "um dos agentes mais livres, agitadores e sutis da nova música... Ele entende as pessoas. Suas músicas são horripilantes, carregadas com um simbolismo um tanto freudiano, poéticas, mas não lindas, repletas de sugestões de sexo, morte, transcendência..."
Jim Morrison parecia o bobo, cada vez mais idiota, enquanto os fãs ficavam cada vez mais fanáticos. Ele havia começado a atrair a Lei e lutar contra ela. Em New Haven, Connecticut, em dezembro de 1967, o cantor e uma garota foram flagrados por um policial se beijando no camarim. Uma confusão começou, mas foi resolvida a tempo de Morrison levar a cabo sua faceta de teatro experimental. Ele jogou um pedestal de microfone para fora do palco, cuspiu além da longa fileira de policiais na frente do palco e começou a cantar. No meio de "Back Door Man", de Willie Dixon, deu sua versão do que aconteceu nos bastidores, mantendo a métrica poética da canção, contando como jogaram spray de gás lacrimogêneo nele a troco de nada. As luzes se acenderam, os policiais se aproximaram do palco e prenderam Morrison. A acusação: exibição indecente e imoral.
Essa foi a primeira vez; ele foi inocentado. No entanto, naquele mesmo ano, dois outros shows, ocorridos em Long Island e em Phoenix, terminaram em tumultos e houve a promessa de banir futuros shows do The Doors.
Morrison contou ao biógrafo Jerry Hopkins: "Sempre tento fazer com que fiquem de pé, para se sentirem livres para se moverem aonde quiserem. Não é para precipitar uma situação de caos. É... como você consegue ficar ancorado em uma cadeira e ser bombardeado com todo esse ritmo intenso e não querer expressar isso fisicamente em movimento? Gosto que as pessoas sejam livres".
Ao jornalista Digby Diehl, Morrison disse: "Quando comecei, eu era menos teatral, menos artificial. Mas agora tocamos para públicos muito maiores. É necessário projetar mais, exagerar – quase ao ponto do grotesco". Em outra ocasião, definiu seu modus operandi: "Estou interessado em qualquer coisa relacionada a revolta, desordem, caos, especialmente atividade que não tem significado algum. Parece ser a estrada da liberdade para mim".
Os amigos íntimos de Morrison tinham outra interpretação. "Ele não gostava muito de se apresentar ao vivo", conta o fotógrafo Frank Lisciandro, amigo de bebedeira de Morrison. "Ele superou isso rapidamente quando descobriu que tinha de cantar as mesmas 12 malditas músicas toda vez. No palco, 'romper tudo' era seu propósito. Chegou ao ponto de ele ter uma técnica – sabia como manipular o público. Então, era tudo consciente. Eu o vi muitas vezes não bêbado, e ele era assim. Por que um homem não pode ser um artista de palco? Revistas adolescentes transformam pessoas em ídolos e deuses, e Jim simplesmente não conseguiu fugir do papel que representava."
Muitos, no entanto, viram Morrison mais como uma enganação do que como um xamã. O que havia para fazer, depois de atravessar para o outro lado? Ele tinha matado o pai e a mãe nas biografias oficiais. No banido clipe de "The Unknown Soldier", ele mesmo tinha sido morto. A música acabou. E agora? O próprio Jim disse, em sua última entrevista antes de viajar para Paris [Rolling Stone, 4/3/1971], que o incidente ocorrido em 1º de maio de 1969 em Miami, no Dinner Key Auditorium, onde foi acusado de ato indecente em público: "Era a culminação, de alguma forma, de nossa carreira de apresentação em massa. Subconscientemente, acho que estava tentando reduzi-la ao absurdo e funcionou bem demais".
Um ano antes, em outro momento tranquilo entre a prisão em Miami e seu julgamento, Morrison disse a um jornalista: "Eu me acho um ser humano inteligente e sensível com a alma de um palhaço que sempre me força a estragar tudo nos momentos mais importantes".
Miami, Flórida (11 de março de 1969): Jim Morrison, o autointitulado "Rei do Rock Orgástico" e líder do The Doors, finalmente foi acusado pela Procuradoria do Estado de Dade County.
Seis mandados, incluindo um por crime grave, foram expedidos para Morrison, de 25 anos, quatro dias depois de sua apresentação para cerca de 12 mil jovens fãs no Dinner Key Auditorium. A Procuradoria do Estado emitiu a acusação de crime grave como "comportamento obsceno e lascivo em público ao expor suas partes privadas e ao simular masturbação e copulação oral".
Duas acusações de exposição indecente, uma de profanação pública aberta mais uma de embriaguez em público também foram feitas contra Morrison. O cantor barbudo, ex-aluno da Florida State University, pode receber uma sentença máxima combinada de prisão de três anos e 150 dias na penitenciária estadual de Raiford.
Elas disseram que Morrison estava bêbado, gritou obscenidades, pareceu usar a mão para conduzir seu impulso sexual e atacou membros do grupo que havia agendado o show. O The Doors depois partiu para o Caribe. Um mandado foi emitido para sua prisão em 27 de março, e ele se entregou ao FBI em 4 de abril. O julgamento só começaria dali a 16 meses.
Morrison, em Miami, supostamente gritou para a multidão: "Não há leis". Pouco depois, foi preso a bordo de um avião por assediar uma comissária de bordo. Esse caso foi desconsiderado quando ela mudou seu testemunho. Depois de um julgamento de dois meses no Tribunal Criminal de Dade, em Miami Beach, Morrison foi inocentado da acusação de crime grave e de uma das três acusações de contravenção. Foi considerado culpado das outras duas: embriaguez e exposição, embora a acusação de crime grave tenha incluído exposição.
Os veredictos foram recorridos no Tribunal do Circuito da Flórida. Morrison e Max Fink, seu advogado, estavam otimistas quanto ao possível recurso: "Toda a situação foi inconstitucional. Teria sido um apelo absolutamente fácil. Não há como as condenações se sustentarem", falou Fink. Mas agora, com Morrison morto, ele perdeu sua bússola, seu ímã. Ele havia se tornado amigo de Morrison, a quem representava desde antes do primeiro contrato de gravação do The Doors. Fink tinha ajudado a encontrar um agente e empresário para o grupo iniciante. Na Flórida, quando o tribunal não estava em sessão, ele reuniu-se a Jim, Frank e Babe Hill, sonoplasta de cinema, e foram pescar em Nassau.
Certa vez, Morrison afirmou a Jerry Hopkins: "Quem não fica fascinado com o caos? Mais do que qualquer coisa, estou interessado em atividades que não tenham significado algum. O que quero dizer com isso é a atividade livre. Brincar. Atividade que não tenha nada nela a não ser simplesmente o que é. Nada de repercussões. Nenhuma motivação... Acho que deveria haver um carnaval nacional, como o Carnaval do Rio de Janeiro. Deveria haver uma semana de hilaridade nacional... uma interrupção de todo o trabalho, todos os negócios, toda a discriminação, toda a autoridade. Uma semana de liberdade total. Claro, a estrutura de poder não seria realmente alterada, mas alguém nas ruas – não sei como o escolheriam, aleatoriamente, talvez – se tornaria o presidente. Outra pessoa, o vice-presidente. Mais alguns seriam senadores, deputados, juízes da Suprema Corte, policiais. Só duraria uma semana e, depois, tudo voltaria ao que era antes. Acho que precisamos disso."
Apesar de todo o fatalismo contido em sua obra, Morrison dizia aos amigos que esperava viver até os 120 anos, para morrer, se possível, em paz, na cama ou, o melhor de tudo, nunca morrer. Queria esperar até que a ciência e a medicina modernas conseguissem fazer com que morrer fosse desnecessário.
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