A fossa dos indies

Em show intimista, Cat Power canta para três mil pessoas em São Paulo

Por Bruna Veloso Publicado em 06/12/2009, às 16h51

Letras tristes, voz rouca e uma banda que mistura blues, folk e jazz com maestria. Tudo condensado na imagem de uma esguia mulher à beira dos 40 anos. A vida pessoal de Chan Marshall (os problemas com a família, as dores de levar um fora e a relação tortuosa com o álcool) a faz experiente no que chamamos, quando no auge da "depressão" - às vezes exagero de quem sofre por amor - de fossa. A comparação pode soar estranha: mas se nossos avós recorriam à voz de gente como Nelson Gonçalves para aplacar a tristeza, hoje a massa de indies coloridos tem um nome a quem buscar nas lojas de discos (melhor, a internet) para chorar no conforto do quarto trancado na casa dos pais.

Menos de dois anos depois do show no Tim Festival de 2007, Cat Power voltou ao Brasil para mostrar o repertório de The Jukebox, considerado pela Rolling Stone Brasil o quarto melhor disco internacional de 2008. O show em São Paulo, na noite deste sábado, 18, começou por volta das 22h20, com uma versão de "House Of The Rising Sun", conhecida na gravação sessentista da banda The Animals. Chan Marshall, de camisa, gravata solta no pescoço, calça preta e as indefectíveis luvas sem dedos (figurino muito semelhante ao usado durante sessão de fotos para a RS EUA em dezembro de 2007), arrisca um "oi", caminha o tempo todo pelo palco, se movimentando como se dançasse algum hit radiofônico - mas o som que a embala não tem nada festivo.

"A Woman Left Lonely", cover de Janis Joplin, vem com introdução diferente. Mudanças seriam feitas em diversas canções. Chan deixa que a The Dirty Delta Blues, a ótima banda que a acompanha, passeie pelas melodias sem se prender ao trabalho de estúdio. Em "Silver Stallion", por exemplo, o refrão vem acelerado, com direito a solo de guitarra de Judah Bauer - quando no disco, a releitura da faixa de 1986 do grupo country The Highwaymen, o que predomina é o violão.

As cerca de três mil pessoas que foram até a Via Funchal (uma plateia repleta de jovens na casa dos 20 anos) assistiram a um show intenso, intimista. Com os telões desligados e apenas luzes como adorno para o palco (roxo, vermelho e laranja predominaram), Chan destilou seu timbre rouco para um público silencioso, que apenas entre uma faixa e outra ensaiava declarações de amor ou alguns pedidos de músicas.

A cantora (o nome Cat Power continuou a ser usado depois que a banda com a qual iniciou a carreira se desfez), que chegou a interromper uma turnê em 2006 por problemas com álcool, hoje beberica, entre um intervalo e outro, o que parece ser chá. Ela prefere as laterais do palco ao centro - se mantém em um dos cantos, se agacha e canta olhando para os felizardos das mesas mais próximas, como se fizesse um show particular.

"New York", o irreconhecível - e primoroso - cover de Frank Sinatra, é hipnótico. A versão para "Making Believe", do cantor George Jones, teve participação vocal do tecladista Gregg Foreman, deixando a canção ainda mais romântica. Foreman larga as teclas e assume uma pandeirola em "Lord, Help the Poor and Needy", dançando e depois pedindo palmas à frente do palco.

O momento mais intenso veio lá pelo meio da apresentação - "Metal Heart", lançada originalmente no disco Moon Pix, de 1998, ganhou nova roupagem em Jukebox. Com piano destacado, e sem o eco dos vocais originais, a faixa é um símbolo do amadurecimento musical de Chan. Hoje, mais de dez anos depois, ela esbanja segurança para bradar "coração de metal, você não vale nada", em uma das canções mais tristes de seu repertório. Enquanto se curva diante da bateria, Jim Ronald White esmurra o instrumento, até a saída de Chan do palco.

Sozinhos, Foreman e o baixista Erik Paparazzi promoveram uma pequena sessão experimental - que poderia ter levado menos dos que os cerca de seis minutos que durou -, emendada com "Blue", de Joni Mitchell. Chan, agora sem luvas, segue com "She's Got You", "Dark End of the Street" e "Fortunate Son" (as duas últimas versões de James Carr e do Creedence, de EP homônimo lançado no final do ano passado).

Depois de "I Lost Someone", "The Greatest", "Lived in Bars" (hit de do disco The Greatest, desta vez quase narrado ao microfone) e "I Don't Blame You" (melhor instrumental da noite), ela apresenta a banda. "Sea of Love" (trilha do filme Juno) tem Paparazzi no vibrafone. A banda se mantém unida no lado esquerdo, enquanto Chan, antes de correr pelo espaço, segue no lado oposto do palco. "Song to Bobby", a única inédita de Jukebox, é uma homenagem a Bob Dylan, um dos ídolos da cantora - aqui, na capital paulista, ela troca, em um dos versos, Washington DC por São Paulo, para alegria dos metropolitanos.

Quase duas horas depois do início, Chan - agora mais Cat Power que nunca (como se ronronasse ao microfone) -, canta "Angelitos Negros", do cantor cubano Antonio Machin. Usa uma toalha para envolver o microfone antes de soltar a voz completamente, em um final dramático. Mas ela não deixa o palco tristemente, como havia de se esperar depois de uma lista de músicas de "fossa". Por cerca de dez minutos, entrega rosas brancas à plateia, folhas de papel (setlists, talvez), agradece e dá autógrafos. E parece ter dificuldade para deixar o público, que demonstra toda a afeição a qual a norte-americana parece sentir falta em suas composições.

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