A crise da indústria fonográfica também afeta o mercado de videoclipes: bandas investem menos em superproduções e indies ganham em interatividade com o público
Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 20/10/2009, às 11h41
A carruagem, que varou pelos anos 80 e 90 em potência máxima, virou abóbora. O mundo não é mais uma festa. Como se fosse aquele sujeito que bebeu todas e acabou de acordar no sofá de uma casa estranha (foram-se os convidados, restou a ressaca), a indústria fonográfica tateia para encontrar seu assento no novo mundo.
Também para os videoclipes, a situação ficou feia. Resumindo: "It's the end of the world as we know it", como zelam os versos do R.E.M., para falar de um passado não tão distante assim que foi para o beleléu. Você pode ser uma banda famosa e torrar pilhas de dinheiro para produzir o melhor vídeo possível - de efeitos especiais (pense em "Thriller") a rostos carismáticos (lembra da onipresente Alicia Silverstone nos do Aerosmith?). Ainda assim, corre o risco de perder de lavada, em termos de popularidade no YouTube, para danças do quadrado ou um tal de Pedro que se recusa a devolver o chip para a ex-namorada. Produções feitas, na maioria das vezes, a custo mínimo. Basta uma câmera, mesmo de um celular, e a mágica está feita.
A MTV EUA, pioneira, foi ao ar pela primeira vez em 1º de agosto de 1981. Como inaugurar um canal que se propunha a fundir música e televisão 24 horas por dia? "Video Killed the Radio Star" parecia escolha imbatível. E assim foi: o hit do Buggles virou símbolo da primazia televisiva sobre o rádio.
Mas e agora? Teria a internet se transformado no algoz da vez, e o "video star", em sua próxima vítima? Produtoras de cinema e publicidade, antes acostumadas a tirar uma boa grana da indústria musical, viram os negócios murchar na virada do século. "O clipe já foi um grande instrumento de propaganda", afirma Roberto Berliner, à frente da TV Zero, que já produziu material para Skank, Paralamas do Sucesso e Lulu Santos, e foi, recentemente, responsável por documentários como Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei e Herbert de Perto.
A realidade atual é mais insossa para o filão de videoclipes. Apesar de apontar outros motivos para a produtora ter debandado do ramo, Berliner reconhece que a fonte secou. "Antes, dava para pagar continhas com esse tipo de trabalho. Agora, se faço, é de graça, para amigos."
Não é bem assim, defende Mauro Bedaque, que vê na jornada dupla que assume na MTV brasileira - gerente do conteúdo digital e do MTV Lab, batidão de videoclipes do canal - sinal dos novos tempos. "Ela permite interações cada vez mais legais. Hoje, você vê um clipe na TV e pode comentar em redes sociais, ao vivo. Não é mais tão arbitrário."
Para não perder o bonde, a MTV Brasil - que completa 19 anos nesta terça, 20 - aumentou, desde o ano passado, o espaço dedicado a clipes - além do acervo, há cerca de 35 novidades nacionais a cada mês, e igual número para os clipes de fora.
Bedaque instiga: "Por que enxergar como concorrente um modelo que pode ser complementar?" E, supostamente, mais democrático. Tome o VMB como exemplo. Na primeira edição do prêmio da MTV, em 1995, Marisa Monte e Paralamas do Sucesso fizeram a limpa nos troféus. Nomes alternativos só apareciam nas categorias de praxe, como "revelação" e "demo". Hoje, não. "Ficou muito mais expansivo", aponta o executivo da MTV. "Para melhor clipe do ano, você tem de Skank e Rappa a Emicida e Black Drawing Chalks. Tem mais gente fazendo, e com novas regras de ascensão" (ainda assim, como esperado em uma premiação aberta a voto popular, o mainstream saiu vencedor).
"O que uma banda quer hoje, aparecer na TV ou ter um viral no YouTube?", Bedaque lança no ar sem de fato esperar pela resposta. "No fundo, todos querem ambos. Estar na TV, internet, celular. No fim das contas, a melhor resposta que posso te dar é esta: tem de tudo."
Se as porteiras foram abertas e o estouro da manada indie enfim aconteceu, as grandes gravadoras podem ser vistas como dinossauros, tentando se adaptar à nova realidade com a destreza de um tiranossauro a manusear o menor iPod do mercado. Ora, muita banda não vê sentido em se estapear para entrar na indústria. Não agora que uma boa campanha viral pode ser bolada no Final Cut do irmão mais novo e CDF do guitarrista. Certo?
Alexandre Ktenas, diretor de marketing da Deckdisc, discorda de que o fôlego dos grandes selos esteja chegando ao fim. "Cada vez mais o mercado de entretenimento foge da realidade quadradona. Os artistas que souberem aliar-se ao mundo digital vão fazer um grande viral". Caso do Skank, "que nem da minha gravadora é", e suas experiências na seara virtual, que renderam à banda mineira um prêmio pela iniciativa na recente edição do prêmio Multishow.
"Fora Mônica", do Vivendo do Ócio, é outro produto típico de sua era. Primeiro, a banda baiana fez o "anticlipe", com cada integrante registrando, pela câmera do celular, uma cena dedicada à moça do título. Os fãs podiam montar a narrativa como bem desse na telha, já que cada parte foi liberada de forma independente, e com dicas de como encontrar uma a outra, numa "caça ao tesouro" similar às lançadas, recentemente, por Muse e Pearl Jam.
Interatividade, aliás, é um dos verbetes mais recorrentes no atual léxico fonográfico. Aqui no Brasil, outro exemplo disso foi dado recentemente pelo Ecos Falsos. Para "Spam do Amor", o grupo realizou um "Guitar Hero a custo zero", com nove vídeos diferentes em um quadro - oito deles dedicados a cada som presente na canção, com o nono fazendo as vezes de "guia". Da direção de arte à produção, tudo em "Spam do Amor" foi feito sem intermédio de uma gravadora.
"Sou de uma geração que não espera muito do mainstream", resumiu o vocalista Gustavo Martins. "Acho natural que ideias despontem dos independentes. É evolutivo."
Como também é puro darwinismo fonográfico, na visão do único entrevistado que não está diretamente ligado à grande indústria, que os grupos deem menos bola ao videoclipe. "Quando era só MTV, só rádio, o mainstream sentia necessidade de se ver lá. E essa era a manha. Com o YouTube, essa relação mudou muito. Dá muito trabalho, melhor deixar para lá e investir de outra forma", aposta o músico, que acha engraçado o fato de as pessoas "terem o hábito, cada vez mais, de ouvir música no YouTube, mesmo que não tenha imagens".
Afinal de contas: a internet vai ou não cometer "videocídio"? Quem condensa melhor a tensão dos nossos tempos é Ktenas: "Essa resposta ninguém tem. Se eu tivesse, estava no iate rumo ao Caribe, e não comendo sanduíche de almoço". A sorte está lançada. Por via das dúvidas, melhor manter o número do delivery por perto.
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