Misturando como ninguém a nossa cultura com a portuguesa em A Mulher do Pau Brasil, a cantora encantou o Sesc Pinheiros, em SP, com suas muitas histórias
Mariana Vieira Publicado em 07/09/2018, às 14h07 - Atualizado em 10/09/2018, às 10h44
Em 1987, aos 21 anos e morando em Porto Alegre, Adriana Calcanhotto, uma trovadora moderna, como se autodeclara, montou um show chamado A Mulher do Pau Brasil. Em 2018, após um período de dois anos vivendo em Portugal, a artista retorna aos palcos brasileiros com uma turnê que leva esse mesmo nome, mas chega em um contexto totalmente novo. O show é fruto da conclusão da residência artística de Adriana na Universidade de Coimbra. "Me perguntaram se eu já tinha virado portuguesa, mas nunca me senti tão brasileira como nesse tempo lá", contou ela no início do espetáculo realizado na última quinta, 6, no Sesc Pinheiros, onde ela se apresenta até este domingo, 9.
Acompanhada por Bem Gil e Bruno Di Lullo, Adriana passeou por um roteiro que mistura novas canções, compostas no período lusitano, poemas musicados e grandes sucessos de sua carreira, como "Esquadros", "Inverno" e "Vambora". Com um cenário minimalista, ela surge de uma rede de descanso vermelha, um símbolo indígena. "Nasceu no sul, foi para o Rio, e amou como nunca se viu/ Depois do rio que a tragou/ No além mar onde emergiu": os primeiros versos de "A Mulher do Pau Brasil" são biográficos, contam a trajetória de Adriana e dão o tom do atual trabalho.
O que impressiona na performance são as histórias, as ligações que a cantora tece entre uma música e outra. Após mostrar "A Dor Tem Algo de Vazio", ela explicou que o poema de Emily Dickinson foi traduzido por Augusto de Campos, "que criou então uma nova coisa", e musicado por Cid Campos. Outro poema musicado que aparece no repertório é "Noite de São João", de Alberto Caiero, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Adriana fica o tempo todo fazendo a ponte entre Portugal e Brasil, explicando suas escolhas e cativando o público com histórias.
Em determinado momento, ela contou que que, em novembro do ano passado, sabendo que iria passar um período estudando na Universidade de Oxford, decidiu refazer os passos de Vinicius de Moraes, que, em 1938, ganhou uma bolsa para estudar na instituição britânica. "Eles foram muito vagos comigo, não parecia haver registros do período dele por lá.", relembrou. Foi o poeta Eucanaã Ferraz que deu a ela pistas e recomendou o poema "A última elegia (V)". "Quando foi para Oxford, Vinicius estava apaixonado por aquela que seria sua primeira esposa, Beatriz, que estava em Londres, no bairro de Chelsea.", conta Adriana, para uma plateia atenta e silenciosa. Para ver sua amada, o poeta esperava o toque de recolher, à 0h, quando todos os alunos deveriam estar no dormitório. Então, se esgueirava até a estação para pegar o trem até a capital inglesa. "Lá, ele passava o dia em Chelsea, e regressava apenas à noite." Para ilustrar a história, Adriana cantou "Nature Boy", de Eden Ahbez, que, segundo ela, foi um dos preferidos de Vinicius de Moraes.
Adriana Calcanhotto é a mulher do pau Brasil, aquela capaz de beber em fontes diversas da cultura brasileira e fazer o ir e vir dessa travessia poética entre Brasil e Portugal. Ela demonstrou domínio de palco ao cantar "Vamos Comer Caetano", composição dela de 1998, acompanhando a letra com prato e faca na mão, e ao brandir pratos e usar coroa basquiana para cantar "Geléia Geral", de Gilberto Gil e Torquato Neto. Ainda, ao se despedir, trouxe à tona um tom político com a escolha de "Juízo Final", de Clara Nunes.
Adriana Calcanhotto em São Paulo
7, 8 e 9 de setembro
Sesc Pinheiros - Rua Paes Leme, 195
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