Entenda como fazendeiros do país que vivem no limite da miséria alimentam o lucrativo tráfico de heroína
Matthieu Aikins / Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 16/03/2015, às 12h50 - Atualizado às 12h58
A província de Helmand, no sul do Afeganistão, recebeu esse nome em referência a um largo rio que percorre sua capital, Lashkar Gah, uma cidade com rotatórias arborizadas e quarteirões de estabelecimentos comerciais com fachadas de vidro. Quando a visitei, em abril, havia ali uma atmosfera de expectativa, como a de uma cidade portuária esperando a chegada de grandes navios. As lojas estavam cheias de produtos de mercearia, máquinas agrícolas e motocicletas. As casas de chá, onde um homem pode passar a noite no tapete pelo preço de seu jantar, estavam cheias de trabalhadores migrantes, os chamados nishtgar, vindos das províncias sulistas ou de terras tão longínquas quanto Irã e Paquistão. As escolas estavam vazias; em distritos destruídos pela guerra, a polícia e o Talibã haviam abandonado as armas. Era hora da colheita.
Do outro lado de Helmand, centenas de milhares de pessoas participavam da maior colheita de ópio na história do Afeganistão. Com um recorde de 224 mil hectares cultivados em 2014, o país produziu estimadas 6.400 toneladas de ópio, ou cerca de 90% do fornecimento mundial. A droga está entrelaçada aos mais altos níveis da economia e do governo afegãos de uma maneira que faz parecer amador o negócio da cocaína na Colômbia da era Pablo Escobar. A fatia do tráfico e da produção de cocaína no PIB da Colômbia atingiu no máximo 6% no final da década de 1980; no Afeganistão, hoje, segundo estimativas da ONU (Organização das Nações Unidas), a indústria do ópio é responsável por 15% da economia, um número que deve aumentar com a saída das tropas ocidentais. “Independentemente do significado do termo ‘narcoestado’, se há um país ao qual ele se aplica, é o Afeganistão”, diz Vanda Felbab-Brown, sócia da Brookings Institution, que estuda economias ilícitas em zonas de conflito. “É algo inédito na história.”
Ainda mais chocante é o fato de que o comércio afegão de narcóticos piorou inegavelmente desde a invasão comandada pelos Estados Unidos: o país produz duas vezes mais ópio do que produzia no ano 2000. Como todos aqueles campos de papoulas floresceram bem na cara de uma das maiores missões militares e de desenvolvimento internacionais da nossa época? A resposta está em parte nas barganhas profundamente cínicas obtidas pelo ex-presidente afegão Hamid Karzai em sua tentativa de consolidar o poder, e em parte na maneira como o Exército norte-americano ignorou a corrupção de seus aliados na luta contra o Talibã. É a história de como, na tentativa de ganhar a guerra ao terror, os Estados Unidos perderam a guerra contra as drogas no Afeganistão ao se aliar com muitas das mesmas pessoas que transformaram o país na maior fonte de heroína do mundo.
Em nenhum lugar isso é mais aparente do que em Helmand, onde quase mil soldados dos Estados Unidos e da coalizão perderam a vida durante a guerra, o maior número entre todas as províncias afegãs. Helmand responde sozinha por quase metade da produção de ópio do Afeganistão e oficiais da polícia e do governo são acusados de estar profundamente envolvidos no comércio de drogas. No entanto, o discurso do governo afegão é de que o cultivo de papoula só acontece em áreas controladas pelo Talibã.
No dia seguinte, Hekmat e eu atravessamos a larga torrente do rio Helmand e seguimos rumo ao oeste por uma lisa estrada pavimentada que já foi uma trilha de terra com bombas no acostamento. É difícil imaginar agora, mas Marjah foi o local de uma das batalhas mais ferozes da guerra, quando, em 2010, os fuzileiros navais fizeram um ataque aéreo à área controlada pelo Talibã, enfrentando emaranhados de armadilhas com explosivos em meio a propriedades e pomares cercados por lama. Hoje, a área é tranquila, o tipo de planície verde em que você pode ver uma árvore passar lentamente pelo horizonte enquanto dirige. “Esta região era totalmente controlada pelo Talibã até os fuzileiros chegarem”, conta Hekmat. Ele sorri com ternura. “Era ótimo quando os fuzileiros estavam aqui.” Os norte-americanos gastavam livremente, dando dinheiro aos locais em troca de trabalhos temporários e contratos de construção e fornecendo equipamentos para uma milícia anti-Talibã local que usava crianças-soldados e impunha um encargo sobre os campos de ópio. Passamos por uma grande área de terreno desmatado que um dia abrigou um posto dos fuzileiros navais. “Só que agora todos eles se foram.”
Entrando em uma estrada de terra, seguimos entre os altos muros de barro que cercam cada propriedade familiar do lugar e paramos. Vestindo um robe e com a barba bem-feita, Mirza Khan, tio por parte de pai de Hekmat, nos cumprimenta calorosamente. Atrás dele há um campo de papoulas verdes, o resultado final das minúsculas “Não há ópio nos distritos vizinhos”, diz o major-general Abdul Qayum Baqizoi, que era chefe da polícia da província na época em que o entrevistei.“O ópio está nas áreas distantes e elas não são seguras para você visitar.” Entretanto, em meu segundo dia na cidade, conheço um professor de 28 anos e com voz suave chamado Hekmat. Ele diz que pode me levar a áreas relativamente seguras em Marjah, perto de Lashkar Gah, onde papoulas estão sendo cultivadas. A família dele está envolvida no negócio, garante. De qualquer maneira, Hekmat não está ocupado – os alunos foram trabalhar na colheita.
No dia seguinte, Hekmat e eu atravessamos a larga torrente do rio Helmand e seguimos rumo ao oeste por uma lisa estrada pavimentada que já foi uma trilha de terra com bombas no acostamento. É difícil imaginar agora, mas Marjah foi o local de uma das batalhas mais ferozes da guerra, quando, em 2010, os fuzileiros navais fizeram um ataque aéreo à área controlada pelo Talibã, enfrentando emaranhados de armadilhas com explosivos em meio a propriedades e pomares cercados por lama. Hoje, a área é tranquila, o tipo de planície verde em que você pode ver uma árvore passar lentamente pelo horizonte enquanto dirige. “Esta região era totalmente controlada pelo Talibã até os fuzileiros chegarem”, conta Hekmat. Ele sorri com ternura. “Era ótimo quando os fuzileiros estavam aqui.” Os norte-americanos gastavam livremente, dando dinheiro aos locais em troca de trabalhos temporários e contratos de construção e fornecendo equipamentos para uma milícia anti-Talibã local que usava crianças-soldados e impunha um encargo sobre os campos de ópio. Passamos por uma grande área de terreno desmatado que um dia abrigou um posto dos fuzileiros navais. “Só que agora todos eles se foram.” Entrando em uma estrada de terra, seguimos entre os altos muros de barro que cercam cada propriedade familiar do lugar e paramos. Vestindo um robe e com a barba bem-feita, Mirza Khan, tio por parte de pai de Hekmat, nos cumprimenta calorosamente. Atrás dele há um campo de papoulas verdes, o resultado final das minúsculas sementes pretas que ele e a família plantaram em novembro de 2013. “Cultivo desde a época da revolução comunista”, Khan conta.
O filho de Mirza Khan está em meio aos talos altos das plantas, segurando um pedaço curvo de madeira com quatro lâminas pequenas na ponta. O corte é um trabalho árduo e delicado: o rapaz passa por cada bulbo, pegando-o com a mão esquerda e cortando com a direita em um golpe diagonal. “Você não pode pressionar muito forte ou o bulbo seca depois de um só golpe”, explica, as mãos se movendo destramente entre as papoulas. “É possível voltar e cortar cada uma delas quatro ou cinco vezes.”
Os bulbos são cortados à tarde e a seiva leitosa escorre durante toda a noite, engrossando e oxidando até chegar a um tom marrom-escuro. Nas manhãs, os nishtgar vão de bulbo em bulbo raspando a resina pegajosa com uma lâmina reta, que limpam dentro de uma lata pendurada no pescoço. Quinze trabalhadores conseguem colher 1 hectare em até uma semana. Quando você considera que Helmand sozinha tem pelo menos 100 mil hectares cultivados, tem uma noção da imensa mão de obra que deve ser mobilizada para a colheita.
Nos dois dias seguintes, Hekmat me leva para outros lugares, em visita a mais campos de papoula. Em uma plantação de 1,2 hectare, encontramos meia dúzia de homens trabalhando, supervisionados por um fazendeiro velho, corcunda e de barba branca chamado Hajji Abdullah Jan. Pergunto por que ele não está preocupado em ser flagrado em uma área segura e controlada pelo governo, como é o caso de Marjah. “O governo está distraído com as eleições”, diz, referindo-se à recente corrida presidencial que ocorreu entre abril e junho. “De qualquer maneira, eles são corruptos.” Ele e outros fazendeiros com quem converso dizem que estavam pagando cerca de US$ 40 por acre em subornos à polícia local. “No ano que vem, plantarei duas vezes mais”, afirma Abdullah Jan, olhando para o campo com satisfação.
O território de Marjah estava praticamente livre da papoula desde a chegada dos fuzileiros, devido a campanhas de erradicação e do rio de dinheiro que os norte-americanos injetaram na economia. Agora que a ajuda estrangeira secou e o interesse do governo em punir os fazendeiros diminuiu, pessoas como Mirza Khan e Abdullah Jan seguiram a lógica simples da economia: os preços do trigo estavam baixos demais para serem lucrativos, então, neste ano, a papoula estava sendo plantada por toda Marjah.
Na casa de Hekmat, pergunto ao tio dele, Mirza Khan, se ele me mostrará os resultados da colheita até o momento. Ele volta com um saco de poliuretano do tamanho de uma bola de futebol e o coloca sobre o tapete. Desamarra uma tira grossa de borracha e um cheiro azedo de vegetal preenche o cômodo. Dentro há uma massa de ópio bruto, com uma cor marrom e uma textura úmida, como polpa de figo. Tem cerca de 4,5 kg, a produção de 2.000 metros quadrados. “Se tiver sorte, posso ganhar 60 mil kaldar [que é como a rúpia paquistanesa é chamada no Afeganistão] por isso”, diz. É o equivalente a cerca de US$ 600.
“Você sabe quanto isso vale nas ruas de Londres?”, pergunto. Ele dá de ombros e faço um cálculo rápido. Quatro quilos e meio de ópio podem ser refinados em 0,5 kg de heroína pura. Reduza para 30% de pureza e venda por grama – são 1.500 gramas a US$ 100 cada um. “Isso vale mais de US$ 150 mil.
” É uma diferença de 25.000%. Olhamos um para o outro por um momento e Mirza Khan ri. Ele balança a cabeça, espantado. Algo que no futuro irá se transformar em mais de US$ 100 mil está na sala de estar de um homem que não tem encanamento, eletricidade ou móveis. Claramente, alguém entre ele e um viciado está faturando alto.
Dos campos dos fazendeiros na época da colheita, em meados de 2014, o ópio do Afeganistão estava começando uma jornada que cobriria vastas redes globais de traficantes, agentes corruptos e poderosos grupos militantes.Na capital Lashkar Gah, consigo uma entrevista com um transportador de drogas, que insiste que nos encontremos em um local neutro; a cidade está calma, mas as ameaças são iminentes, tanto de disputas da máfia das drogas quanto do Talibã.
Em uma pequena casa de chá em uma rua tranquila, sou levado até uma sala nos fundos com paredes e carpetes imundos e apresentado a um homem barbudo gordinho e de meia-idade que usa um gorro. Vou chamá-lo de Sami. Ele me diz que é do distrito de Garmsir, perto da fronteira com o Paquistão. Quando começou a guerra com os soviéticos, fugiu do país, junto a milhões de outros refugiados afegãos. Cresceu em um acampamento perto da cidade fronteiriça de Chagai, no Paquistão. Ainda adolescente, arranjou trabalho como motorista e começou a percorrer a rota de Garmsir a Chagai, transportando ópio pelo deserto. “Há mais de 100 caminhos para atravessar o deserto”, ele frisa. “Os postos de inspeção da polícia ficam em um, e o restante está livre para os contrabandistas.”
Uma característica que marca o narcoestado afegão – e outros narcoestados – é a frequência com que a raposa é escolhida para vigiar o galinheiro. Um transportador de droga de Helmand foi flagrado com uma carta de permissão de passagem assinada pelo chefe da polícia antinarcóticos do Afeganistão, o tenente-general Mohammad Daud Daud. Um traficante de heroína condenado, Izzatullah Wasifi, foi nomeado pelo ex-presidente Hamid Karzai chefe da agência anticorrupção.“Karzai estava brincando com nossa cara”, escreveu o norte-americano Thomas Schweich, que serviu como agente de combate a narcóticos no Afeganistão entre 2006 e 2008.
No sul rico em ópio, Karzai confiou ao próprio meio-irmão, Ahmed Wali Karzai, o comando da província crucial de Kandahar. Wali, que foi criticado durante anos por alegações de que desempenhava um papel central no comércio de drogas do sul – e foi assassinado em 2011 –, insistia em sua inocência e, pelo menos em público, oficiais norte-americanos alegavam que não havia provas contra ele. No entanto, em viagens a Helmand e Kandahar, fontes norte-americanas e afegãs me dizem que, junto a indivíduos envolvidos no comércio de drogas, Wali presidia um sistema no qual agentes corruptos eram nomeados para posições-chave em troca de pagamentos de proteção. “É como o crime organizado funciona”, diz um ex-oficial do Departamento de Justiça com ampla experiência no Afeganistão. “Não dou a mínima, desde que receba minha parte.” Só que, mesmo à medida que a magnitude do narcoestado afegão se tornava aparente, a ofensiva militar ordenada pelo presidente Barack Obama em 2010 trouxe um novo conjunto de regras. A chegada de dezenas de milhares de soldados e bilhões de dólares em gastos poderia ter sido uma oportunidade de ouro para abordar o problema
do ópio, mas aconteceu o oposto. A ironia da ofensiva foi que os militares repetiram as mesmas parcerias com os senhores da guerra que tinham feito durante a presença reduzida na era Bush. Enquanto a desculpa anteriormente era a de que havia pouquíssimas tropas, agora a desculpa era a de que havia tropas demais.
Obama deu ao Exército apenas quatro anos para que 100.000 soldados entrassem e saíssem do país, derrotassem o Talibã e construíssem um Exército e uma força policial afegãos duradouros. Em terra, os imperativos de curto prazo dos comandantes norte-americanos por operações de combate e logística sempre passavam por cima das preocupações de longo prazo de outros conselheiros, incluindo a corrupção, os narcóticos e os abusos relacionados a direitos humanos. Figuras notórias como o meio-irmão do presidente, Ahmed Wali, eram consideradas cruciais demais ao esforço da guerra para serem responsabilizadas ou substituídas. “O controle das drogas não era uma prioridade”, afirma Jean-Luc Lemahieu, que foi chefe do Departamento da ONU sobre Drogas e Crime no Afeganistão de 2009 a 2013. “A prioridade era limitar as baixas, e, se isso significasse fazer alianças profanas com pessoas de todos os tipos, que assim fosse.” De acordo com oficiais norte-americanos, uma espécie de barganha informal foi obtida no nível interagências: o DEA (Drug Enforcement Administration), o FBI (Federal Bureau of Investigation) e os departamentos de Justiça e do Tesouro não perseguiriam os principais aliados afegãos que estivessem envolvidos no comércio de drogas. Em vez disso, o foco seriam os traficantes ligados ao Talibã. Investigações e processos deveriam ficar de lado por enquanto. “São agentes do DEA – eles querem sair e capturar pessoas”, diz Lemahieu. “Quem pegou essa mensagem foi inteligente. Havia tempo – era possível esperar. As provas não desapareceriam.”
No meu último dia em Helmand, decido fazer uma visita ao dasht, as vastas áreas desérticas que ladeiam as zonas férteis da província e se estendem até o Paquistão e o Irã. Se você sobrevoa essas áreas, vê enormes faixas de terra que, embora áridas, são entremeadas por campos verdes de papoula. Elas agora são amplamente controladas e taxadas pelo Talibã, que, com a saída dos fuzileiros, está ficando cada vez mais ousado em seus confrontos com o Exército afegão.
Acompanhados pela polícia, dirigimos da cidade de Gereshk até pararmos em meio aos campos de papoula e propriedades que surgiram nos últimos anos. Podemos ver ao longe a cadeia de montanhas no sentido norte, o início de um trecho de terreno acidentado que vai até os distritos remotos que o Talibã vem governando na última década. Se o governo afegão começar a perder o controle, Helmand será um dos primeiros lugares a cair. “Esta é a área do Talibã, eles podem plantar o quanto quiserem”, diz um tenente jovem e de cabelos claros chamado Lalai, gesticulando para a vastidão.
Um fazendeiro envelhecido sai da propriedade mais próxima, andando de mãos dadas com um menino, como se a presença de uma criança pudesse acalmar os ânimos de estranhos armados que vêm a este campo. Ele tem o rosto magro e a pele escurecida pelo sol, em contraste com a barba branca. Levo um minuto para perceber que não tem um olho.
Por que ele veio plantar no deserto? A família dele estava sem terra e passando por necessidades antes, diz. O senhor pegou emprestado alguns milhares de dólares de um figurão local, o dono do posto de gasolina logo ali na estrada, para poder comprar combustível e fertilizante, mas diz que terá sorte se conseguir não ter prejuízo e devolver o empréstimo. Há um apelo não dito em sua voz, mas não viemos destruir sua safra. “Provavelmente não plantarei papoula no ano que vem”, afirma o velho, olhando ansiosamente cada rosto. “Definitivamente aprendi minha lição.
” Entre o fazendeiro pobre de um lado e o viciado desesperado do outro está uma cadeia emaranhada de criminosos, políticos e guerreiros das drogas – o produto de um mundo no qual drogas são ilegais e drogados são abundantes. E, com toda a corrupção e ganância que criaram o narcoestado afegão, é difícil imaginar o país de outra forma.
Nação Encurralada
Fazendeiros pobres dependem da papoula para sobreviver
Não é apenas o Afeganistão como um todo que sofre pelo fato de o país ser o maior produtor mundial de ópio. Os afegãos comuns também pagam o preço: as taxas de vício em heroína – que historicamente sempre haviam sido baixas – mais que duplicaram nos últimos anos. Em Lashkar Gah, dá para comprar uma dose de heroína pelo equivalente a US$ 1. A ONU estima que aproximadamente 1 milhão de afegãos sejam viciados em drogas – 8% da população, o dobro da média global. Vanda Felbab-Brown, da Brookings Institution, que estuda a economia do ópio no Afeganistão, adverte que a redução do cultivo levará décadas, a não ser que campanhas draconianas de erradicação sejam utilizadas, o que deixaria os pobres rurais ainda mais miseráveis. “Isso é fisicamente impossível e moralmente repreensível”, ela diz. “A segurança humana de grandes segmentos da população afegã depende da papoula.”
Sem Limites
Toneladas de ópio saem facilmente do Afeganistão para outros países
O Afeganistão está com as fronteiras fechadas, mas elas deixam ópio passar como uma peneira para cinco países vizinhos. A rota sul via Baluquistão ainda responde pela maior parte do ópio que sai do país. Dali, a droga é contrabandeada para o Irã e, de lá, para os Bálcãs, Golfo Pérsico e África. A maior parte é destinada à Europa Ocidental. A área fronteiriça do Baluquistão entre Afeganistão, Paquistão e Irã é um dos lugares mais remotos e sem lei da Terra: são cerca de 518 mil quilômetros quadrados de deserto. No centro dessa região fica Baramcha, um ponto de contrabando no lado afegão da fronteira nas montanhas Chagai, livres do controle governamental desde 2001. O lugar funciona como uma estação de transferência para boa parte do comércio de ópio. A colheita feita por fazendeiros é consolidada por negociantes locais em remessas maiores, chegando a toneladas; elas são enviadas a Baramcha, onde os carregamentos são comprados por contrabandistas. Os grandes negócios são conduzidos entre partes de confiança, com dinheiro enviado através de um sistema informal conhecido como hawala. Um lado paga o hawaladar, que dá ao vendedor um número de telefone e um código que, usado com um hawaladar correspondente em outro país ou continente, permite que o receptor recolha o dinheiro. A ONU estima que o Talibã ganhe centenas de milhões de dólares taxando ópio, mas essa é apenas uma fração dos US$ 3 bilhões que o Afeganistão lucra anualmente com o comércio da droga, já que 15% do PIB do país vem da venda de ópio.
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