Internada desde o início de 2019, sambista de 72 anos morre na mesma data que Belchior
Pedro Antunes Publicado em 30/04/2019, às 21h30
O samba chora um choro ardido. Beth Carvalho, a madrinha do gênero, com voz potente, 50 anos de carreira e uma força invejável, capaz se dispor a cantar deitada, em setembro de 2018, morreu na tarde desta terça-feira, 30.
O velório de Beth Carvalho será nesta quarta, 1º, a partir das 10h da manhã, no Salão Nobre da sede do seu clube de coração, o Botafogo de Futebol e Regatas( venida Venceslau Brás, 72, Botafogo).
O mesmo dia 30 de abril, responsável por levar Belchior, dois anos atrás, agora levou Beth Carvalho. Diferentemente do artista nascido em Sobral e morto escondido e foragido, em Santa Cruz do Sul, no interior do Rio Grande do Sul, a despedida de Beth se deu entre amigos e familiares, como informou o empresário dela, Afonso Carvalho.
Beth, uma guerreira, lutou até o fim. Convivia com dores nas costas que beiravam o insuportável. Chegou a cancelar uma apresentação que faria no show de réveillon, em Copacabana, no Rio de Janeiro, em 2009.
Três anos depois, se submeteu a uma cirurgia na coluna para se ver livre das dores. Em 2018, ela se viu deitada, sobre um palco, para uma apresentação histórica.
O corpo queria vencer o samba, mas Beth Caravalho preferiu escolher a música. Apresentou-se deitada em 1º de setembro de 2018, acompanhada do grupo Fundo de Quintal. Revisitou ali 40 anos de história do samba. Estava se despedindo. A última apresentação de Beth Carvalho ocorreu em outubro de 2018, na Oktoberfest Rio.
Internada 8 de janeiro, ela receber uma roda de samba no seu quarto no Hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro, poucos dias depois. O samba não a deixaria ir tão facilmente assim.
Beth, inclusive, chegou a apresentar melhoras. Foi marcada uma apresentação enquanto ela ainda estava no hospital. O show seria realizado no Vivo Rio, no dia 5 de maio, data na qual ela celebraria mais um aniversário, o 73º dela.
Um dia antes da morte dela, a apresentação foi cancelada. Afonso Carvalho explicou: "Ela estava num processo de melhora. Por isso, desejou fazer um evento comemorativo no aniversário. Mas os médicos acharam arriscado fazer um show tão próximo e com situação de saúde fragilizada", contou ele.
Afonso Carvalho seguiu: "Ela estava muito esperançosa de ficar bem, mas no fim de semana ela não esteve bem. Beth é um caso raro de determinação. O amor dela pela vida e pelos palcos é algo inexplicável. O palco sempre deu a ela vitalidade e força para conseguir superar as situações. Nos últimos anos, por diversas vezes, ela passou por momentos em que as pessoas achavam que ela não ia superar, mas superou, gravou discos, viajou, fez show, gravou DVD."
Nascida no Rio de Janeiro, em 1946, Elizabeth Santos Leal de Carvalho entrou em contato com a música ainda na infância, com o incentivo da família. Primeiro, interessou-se pela dança, mas, aos oito anos já tinha ganhado o primeiro violão.
Ela vinha de uma linhagem musical. Sua avó, dona Ressú, tocava violão e bandolim. Ainda nos anos 1960, na entrada dos 20 anos, Beth começou a se mostrar cantora, nas festinhas e reuniões musicais organizada pelos pais dela e amigos.
João Francisco Leal de Carvalho, pai de Beth Carvalho, passou a ser perseguido pela ditadura militar em 1964. Aos 21 anos, Beh decidiu dar aula de violão e chegou a ensinar 40 alunos. Na época, ela ainda era muito influenciada pela bossa nova.
Um ano depois, em 1965, Beth gravava o seu primeiro compacto simples. Soltou a música "Por Quem Morreu de Amor", um clássico de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Em 1966, ela já estava com os dois pés no samba, com quando participou do show “A Hora e a Vez do Samba”, ao lado de nomes como Nelson Sargento e Noca da Portela.
No famoso Festival Internacional da Canção, de 1968, mostrou "Andança", seu primeiro sucesso, criado por de Edmundo Souto, Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi.
Ficou em terceiro lugar na época e garantiu o lançamento do primeiro disco, que levava o nome da música, em 1969. Beth Carvalho era definitivamente do samba.
Depois de 1973, a carreira de Beth Carvalho deslanchou. Com um disco por ano, conseguiu emplacar outros sucessos como “1.800 Colinas”, “Saco de Feijão”, “Olho por Olho”, “Coisinha do Pai”, “Firme e Forte” e “Vou Festejar”. Ali, também se aproximou de composições do Cartola, ao lançar “As Rosas Não Falam”.
Com a fama que crescia, Beth também se aproximava do samba como estilo de vida. Vinda da zona sul carioca, de uma família de classe média, ela precisou mergulhar. Apaixonou-se pela escola de samba Estação Primeira de Mangueira, passou a frequentar bares e rodas de samba do subúrbio, onde o descompromisso estético criava um novo samba. Ali, fincou raíz.
Foi ali que encontrou o bloco Cacique de Ramos. Lançou o disco De Pé no Chão, importantíssimo para a sua carreira - há quem diga que foi o álbum mais importante dela -, em 1978.
Aproximou-se de nomes como Sombrinha, Arlindo Cruz, Almir Guineto, Luiz Carlos da Vila e Zeca Pagodinho. Foi Beth Carvalho quem lançou Zeca com a gravação do duo "Camarão que Dorme a Onda Leva", em 1983.
Assim, Beth Carvalho virou Madrinha do Samba.
Marisa Monte, em um post recente no Instagram, ao lamentar a morte de Beth Carvalho, traz outra questão que mostra a grandeza da sambista.
"Em meio a tantos bambas e num mundo tão masculino como o do samba, Beth Carvalho sempre abriu caminhos para as mulheres. E vai fazer muita falta. Chora cavaquinho", escreveu Marisa.
Beth Carvalho era uma força e se impôs, de fato, nesse ambiente tão masculino quanto o samba. Quando trocou a gravadora Odeon para Tapear, em 1971, ela passou a gravar sambas-enredo, algo também exclusivamente masculino até então.
Também trouxe uma nova estética ao gênero, ao trazer o banjo para a roda, com afinação de cavaquinho, e também popularizando o uso do repique de mão e do tan-tan.
Beth Carvalho não nasceu no samba, mas fez dele a sua casa.
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