Quando começou a assinar com um estranho símbolo, Prince mostrou o dedo do meio para as gravadoras, corporações e também para o público mais preguiçoso
Paulo Cavalcanti Publicado em 21/04/2016, às 21h01 - Atualizado às 22h00
A década de 1980 ainda segue subestimada e, apesar de aparentemente familiar, ainda guarda muitos mistérios. Michael Jackson, sem dúvida, foi o maior astro do período, o campeão incontestável de vendagens e de exposição pública. Na segunda metade da década, o Guns N’ Roses trouxe as guitarras de volta, além de explicitar uma necessária atitude rock and roll. Mas unindo os extremos da soul music, do funk, do pop e do rock, estava Prince. Ele também foi um grande astro, teve várias canções nas paradas de sucesso e até fez do filme Purple Rain (1984) um campeão de bilheteria. Mas o mero estrelato pop parecia ser pouca coisa para ele. Com um zelo de fanático, Prince nunca estava satisfeito e muitas vezes sabotava a própria carreira por causa disso.
Ele era no fundo um experimentalista e iconoclasta, mas não tinha interesse em ficar no underground ou ser apenas uma figura cult, como era na era dos tempos do hit "I Wanna Be Your Lover" (1979) e do álbum Dirty Mind (1980), antes de se firmar de vez com “1999” em 1982. As ambiciosas criações dele se inseriam de forma subversiva no mainstream. Ele tinha uma ética de trabalho incansável e muita ambição. As inovações trazidas por Prince foram muitas. Ele foi muito além do formato de banda multirracial: na formação das bandas dele sempre fazia questão de incluir grandes instrumentistas femininas, como a percussionista Sheila E.
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Prince aprendeu com Jimi Hendrix e com Sly and The family Stone que os elementos de rock e de música negra poderiam e deveriam agir com harmonia e disso sair algo totalmente orgânico, visceral e inovador. Muitas vezes ficava a dúvida se ele era um artista black que usava o rock ou um roqueiro enraizado na música negra. Prince, a princípio, vendia sexo, mas se os temas das canções eram ousados, a base sonora ainda tinha muita coisa tradicional.
O fato é que nos anos 1980, por um certo tempo, muito do que era tocado nas rádios soava como Prince. Mas antes que o público se cansasse dele, ele se cansou de todo mundo e dos mecanismos que o tornaram grande. Em meados dos anos 1990, tempos depois de lançar o álbum com o tema de Batman (1989), o gás foi acabando. Quando começou a assinar com um estranho e fálico símbolo, ou então exigir que o chamassem apenas de O Artista, Prince mostrava o dedo do meio para as gravadoras, para as corporações e também para o público preguiçoso que comprava qualquer coisa que era moda e tocava na rádio. Ele já havia construído um sólido patrimônio. Assim, se dava ao luxo de bancar o diletante privilegiado e explorar novas avenidas sonoras sem ter que se expor, algo que, na verdade, ele detestava.
O Prince dos anos 1980 era coisa do passado, pelo menos para o artista. Nos anos 1990 e 2000, ele se envolveu em uma série de batalhas legais e aos poucos a música dele foi saindo de circulação. Ele nunca entendeu muito bem a internet e também se estranhou com o formato. Pelo menos no palco nunca deixou de tocar os hits que marcaram seus tempos áureos. Mas evitava a nostalgia. Também não parava de criar. Lançando álbuns de forma independente ou apenas os disponibilizando relutantemente no formato digital, o prolixo Prince sempre tinha música nova no ar, embora pouca gente soubesse disso.
O mais irônico é que, apesar de todos falarem que conhecem Prince e agora lamentarem a morte dele, fica a dúvida se alguém realmente ouviu com calma e atenção a sólida, mas às vezes obscura produção dele destes últimos anos. O público que ouviu álbuns como Plectrumelectrum ou os recentes HITnRUN Phase, que saíram em dois volumes, não foi grande. A única vantagem agora é que tem ainda muita coisa boa para ser descoberta.
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