- Tiago Iorc na capa de Reconstrução, seu novo disco (Foto: Reprodução)

Análise: De volta depois de um ano, Tiago Iorc se alimenta dos próprios medos com um disco sobre angústias e amores

Desaparecido, Iorc está de volta de surpresa com um disco lançado nos primeiros minutos deste domingo, 5, e 13 novos clipes

Pedro Antunes Publicado em 05/05/2019, às 17h44

"Até já já", escrevia Tiago Iorc, em despedida das redes sociais, publicada em janeiro de 2018. Concluia, ali, que um descanso faria bem. Foram 10 anos intensos, ele dizia, com razão. De discos de estúdio, entre o anonimato à explosão ao gravar com Milton Nascimento e ajudar a lançar o fenômeno Anavitória, foram quatro: Let Yourself In (2008), Umbilical (2011), Zeski (2013) e Troco Likes (2015).

Prometia um retorno em breve, o fez um ano e quatro meses depois. Com Reconstrução, um disco visual (cada canção conta com um clipe, já lançado no YouTube) Tiago Iorc deixou de ter o status de desaparecido para dar uma experiência de convulsão de amor para seus fãs responsáveis por colocar o clipe de "Desconstrução", a primeira do novo trabalho, por exemplo, como a número 1 do YouTube Brasil.

O domingo, 5, foi de Iorc. E ele não precisou falar ou fazer auê para fazer seu retorno acontecer. No texto publicado para justificar o então futuro sumiço, o artista dizia procurar por novos medos. Não precisou de textão para anunciar o retorno. 

O fato é que dificilmente Iorc encontrará o medo artístico novamente. Aquele frio máximo na barriga que só tem quem ainda não alcançou o successo. Iorc precisa, agora, alimentar-se de outros desafios. 

A síndrome do sucesso inevitável 

Ele conta a seu favor a tal "síndrome do sucesso inevitável", construído grão a grão, como formiguinha, ao longo desses dez anos de carreira. A base de seguidores em redes sociais só se dilata (seu Instagram ganhou, hoje, pelo menos 200 mil novos seguidores e deve alcançar os 3 milhões, no total, antes mesmo do fim do dia) e é tão forte que ele sequer precisa de anúncios ou "esquentas" para lançar o novo trabalho. Ele somente soltou e, bum, os vídeos já contavam com milhares de views, comentários e elogios.

Esse é o desafio mais difícil: viver além dos elogios, Tiago. Porque esses estão ganhos, a não ser que você troque o violão por uma guitarra e passe a gritar um heavy metal gutural. E, ainda assim, sou capaz de apostar que os elogios virão, na forma de "ele está se reinventando".

Bom, como vocês devem imaginar, Reconstrução não é heavy metal, mas também não é o Tiago Iorc de Troco Likes, seu álbum mais recente. 

Depois de pedir um tempo para respirar longe das redes sociais, Reconstrução é o resultado do que sobrou do artista Tiago Iorc. Na realidade, existe uma ligação muito forte entre o conteúdo de Reconstrução e o texto/desabafo publicado em janeiro de 2018. Ele falava ali sobre cansaço e a vontade de viver. Queria novos medos, sentia-se velho.

Veja, a seguir, o texto publicado por Tiago Iorc em janeiro de 2018 e já despublicado:

"Conheci aquele guri ali, sentado, enquanto ele gravava seu primeiro videoclipe. Lembro dele todo cheio de medos, engolido por timidez, mas firme de certezas. Ele não fazia ideia de nada, mas sabia exatamente tudo o que queria. Olhando pra essa foto, vejo ele me reconhecendo. Ele sempre soube que me encontraria aqui. Enquanto digito, penso no quanto a audacidade daquele pirralho propulsionou minha vida. Dez anos que vivi. Dez anos que me viveram. Se foram: intensos como um piscar de olhos e efêmeros como a eternidade. Parece que foi ontem. Parece que foi tanto. Quanta alegria! Pelo caminho, vi ficarem os medos, as certezas também. Quanta saudade... Hoje me vi sem medo e senti saudade. Ou teria eu sentido medo de não sentir medo? Hoje me vi sem certezas e me senti velho. Somente o velho não consegue ter certeza do que é sonho. Concluí que um descanso vai me fazer bem. Me ausentar dessa nossa vida instagrâmica que nos consome e me permitir viver sem calcular tanto, me descobrir em novos medos, voltar a ter certeza do que é improvável. É só pra isso que sigo nessa vida. Sei que devo isso àquele Tiago ali, de 2007. E a vocês também. Todo meu amor Até já já"

Mudança estética aos poucos

O que está ali no texto, também está em Reconstrução. Um disco bastante denso de Iorc, sentimentalmente pesado, reflexivo e, ao mesmo tempo, maduro. Aos 33 anos, o brasiliense recebeu o tempo que pediu e, sozinho, voltou com um álbum sobre esse exílio forçado e autoconhecimento.

Reconstrução se dá a liberdade até em brincar com "Construção", música clássica de Chico Buarque, ao flertar com a mesma rigidez gramatical doce de Chico, em "Desconstrução". Enquanto Chico construía com versos encerrados por proparoxítonas, Tiago usa do sabor das oxítonas.

Tiago Iorc abre as portas das suas sessões de análise - se é que ele faz análise, mas vocês entenderam a metáfora. Como fez em Troco Likes, também critica à escravidão voluntária criada pelas redes sociais, mas vai além dali, encontra outros cavaleiros do apocalipse digital, a ansiedade, a falta de auto-estima, a depressão e os desamores.

Curioso o choque promovido por Reconstrução ao tratar de dois temas que poderiam ser tão distintos. O eu-virtual e o amor, aqui, são um só. Porque o indivíduo, Tiago, eu ou você, é tudo ao mesmo tempo, os nossos estilhaços podem ser virtuais ou reais, não faz diferença.

Intenso, Tiago participou de cada centímetro do novo álbum visual. É ele quem dirige cada um dos videoclipes, todos assinados por Iorc e Rafael Trindade, parceiro de outras aventuras audiovisuais. Também estrela os vídeos, quase todos, sempre acompanhado de Michele Alves, alguém cujo perfil do Instagram também deve ter recebido uma onda de novos seguidores depois das 13 performances.

No fundo, sem precisar dar um "comunicado oficial" ou voltar às redes sociais que tanto o consumiram até aquele janeiro de 2018, Tiago Iorc diz que está bem. Conta que viveu.
Reconstrução não é exatamente sobre um amor, mas sobre ciclos.

Mais sacana, ele tem canções calientes, como "Fuzuê" (um amor daqueles intensos como um fósforo, que queima, morre, e depois queima outro), "Faz" (no YouTube, em acompanhada de um aviso de conteúdo impróprio pelas cenas de amassos entre Tiago e Michele debaixo do chuveiro) e "Tangerina" (na qual um verso específico sobre "seiva" tem gerado metáforas curiosas sobre sexo oral nos comentários do vídeo no YouTube).

São vários amores em suas diferentes fases, mais do que a carne na carne. Iorc também canta do lugar bonito que é acordar e ver quem se ama a dormir, ainda, a euforia de dividir uma vida, como "Deitada Nessa Cama", "Tua Caramassa" e "Me Tira Pra Dançar"

"Como é gostoso te amar
E como tu me faz sentir
Teu rosto colado
E o beijo calado
Pronto para me despir a alma
Como é gostoso te amar
E como tu me faz sentir
Teu rosto colado
E o beijo calado
Pronto para me despir", canta thiago em "Tua Caramassa".

"Diálogo com a vida
Vida!
Eu e você
Num baile de gala
Me tira pra dançar
Vem aqui
Cola na minha alma
Dois pra lá e dois pra cá
Caio no teu samba
Passo a passo
Porque num piscar
Tudo pode mudar…", declara ele em "Me Tira Pra Dançar".

Não é muito good vibes, contudo. Há mais momentos tensos do que alegres neste álbum. Tiago ainda está em busca de um encontro com o caminho e com a paz. Fica claro quando percebe-se como ele vai, aos poucos, revelando seus fantasmas em Reconstrução. Um ano e quatro meses é pouco, digamos, para um reencontro artístico de fato.

Tiago ainda tem medos a resolver, não com relação ao sucesso, mas ele soube usar dos próprios traumas vividos ao longo de 10 anos intensos como artista para, de novo, produzir arte. Artisticamente, isso é bom, embora fisicamente perigoso. 

Assista aos vídeos de Reconstrução, de Tiago Iorc: 

"Desconstrução"


"Hoje Lembrei Do Teu Amor"


"Deitada Nessa Cama"


"Fuzuê"


"Faz"


"Tangerina"


"Laços"


"Nessa Paz Eu Vou"


"Tua Caramassa"


"Me Tira Pra Dançar"


"A Vida Nunca Cansa"


"Bilhetes"


"Sei"

 
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