Assim nasce um novo tipo de arte: os artistas se perdem nos próprios personagens, a música se mistura com a comédia e a internet se torna o palco mais desejado de todos
Julia Harumi Morita | @the_harumi Publicado em 15/06/2020, às 07h00
A música é um dos grandes pilares da cultura da internet. Nos primórdios das plataformas de streaming, o Napster mostrou o potencial de publicação e repercussão de discos e faixas pelo meio digital.
E ao longo dos anos 2000, os artistas já entendiam que para ganhar popularidade era preciso estar nos sites de compartilhamento de músicas e vídeos, como o Myspace, Deezer, Youtube e Soundcloud.
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Mais tarde, o Spotify, Apple Music e Tidal normalizaram a monetização das plataformas de streaming. Além disso, as redes sociais também passaram a ser um canal de comunicação capaz de gerar lucro para os artistas.
Hoje, as agências, assessores e gravadoras criam estratégias elaboradas e sosfisticadas para cativar fãs ao redor do mundo, porém, a web já mostrou diversas vezes de que dinheiro não é garantia de seguidores ou consumidores.
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A prova disso são os memes. Qualquer foto, vídeo ou até mesmo frase pode viralizar da noite para o dia e garantir milhões de seguidores para o criador, seja ele famoso ou desconhecido. O importante é fazer os usuários se identificarem e se divertirem com a postagem.
É neste cenário de brincadeiras, sarcasmo e demanda por conteúdos novos, que músicos como Lil Nas X, Oliver Tree e Doja Cat surgem. Os cantores representam uma nova geração de artistas dispostos a misturarem música com memes para criarem uma arte única.
Apesar de Lil Nas X, Oliver Tree e Doja Cat serem os primeiros artistas a se assumirem como meme, o fenômeno de viralização virtual já foi visto algumas vezes. Para entender como chegamos nesta nova linguagem musical, a Rolling Stone Brasil fez uma linha do tempo para mapear a evolução dos memes na música.
Há cinco anos, o cantor Silentó fez pessoas ao redor do mundo dançarem conforme a letra de “Watch Me”. Lançado em 2015, o clipe do single de estreia do cantor alcançou 2,5 milhões de visualizações apenas na primeira semana, de acordo com informações do G1.
Hoje, com mais de um bilhão de visualizações e mais de oito milhões de curtidas no Youtube, o músico, que tinha apenas 17 anos quando compartilhou o vídeo, entrou para história da música ao fazer até mesmo Hillary Clinton se arriscar na coreografia.
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Mas, antes de “Watch Me”, os usuários da internet já estavam familiarizados com músicas e danças icônicas. O próprio Silentó não deixou de fazer referência ao rapper Soulja Boy, que ganhou repercussão mundial com o hit “Crank That”.
Quem viveu parte da infância ou adolescência da década de 2000 deve lembrar de alguma festa de aniversário na qual a canção fez os amigos se reunirem e tentarem reproduzir a coreografia do rapper, jogando os braços para o lado e imitando a pose do Superman.
Em 2007, Soulja Boy colocou o single de rap e hip-hop no primeiro lugar do ranking da Billboard. A música ainda foi consagrada na cultura pop ao ganhar uma coreografia completa no jogo Just Dance.
Outro hit que não pode ser deixado de lado é “Gangnam Style”. Psy não foi apenas o primeiro sul-coreano a fazer sucesso mundialmente, mas o dono do recorde de vídeo mais assistido no Youtube, em 2014. Segundo a BBC, o clipe foi visto 2,147,483,647 vezes e mudou o limite da plataforma de visualizações para nove trilhões.
No clipe lançado em 2012, é possível ver um forte apelo estético, com ternos coloridos e óculos escuros, e humorístico, com a persona de Psy e a famosa dança que se assemelha a um cowboy cavalgando sem cavalo.
No início da década de 2010, a cultura da internet descobriu o poder contagiante dos desafios virtuais. E um dos grandes responsáveis pela popularização da brincadeira foi o DJ Baauer, o criador do hit “Harlem Shake”, lançado em 2012.
Para participar do desafio você só precisava reunir uma turma de amigos, colegas de escola ou familiares e gravar dois vídeos. No primeiro, apenas uma pessoa dançava enquanto o resto parecia entediado. No segundo, quando batida chegava no ápice, todos dançavam da forma mais bizarra possível com fantasias e acessórios divertidos.
Este mesmo período também foi marcado por aplicativos de vídeos curtos, como Musical.ly e Vine, em que os usuários usavam músicas para contextualizar um momento engraçado ou apenas interpretar as letras das canções de um jeito cômico.
“The Sound Of Silence”, do Disturbed, foi trilha sonora de piadas mais ácidas e sombrias, enquanto “Turn Down For What”, do DJ Snake e Lil Jon, era a trilha sonora perfeita para o momentos de virada de jogo. Já na música pop, “Friday”, de Rebecca Black, e “Call Me Maybe”, de Carly Rae Jepsen, eram considerados memes prontos.
Em 2016, os aplicativos de vídeos ganharam mais um concorrente: O TikTok. A nova rede social mudou o jeito que os artistas enxergavam os memes e a possibilidade se ser transformado em um.
Lil Nas X foi um dos primeiros músicos a alcançar a fama por causa do aplicativo. O rapper, que já tinha experiência com memes no Twitter, apostou no TikTok para promover “Old Town Road”, uma canção que misturava o country com rap.
Depois de fazer diversos memes com a própria composição, a música se tornou um hit viral. A repercussão foi tão grande que o rapper fez uma nova versão com ninguém menos que Billy Ray Cyrus, um dos maiores artistas do country.
Em 2019, “Old Town Road” ultrapassou todos os hits do momento e ocupou o primeiro lugar da Billboard Hot 100, além de concorrer em seis categorias do Grammy e levar as estatuetas, Melhor Performance de Duo/Grupo Pop e Melhor Clipe.
“Atingir o primeiro lugar da Billboard Hot 100 pode ser o prêmio mais cobiçado da música popular, mas não existe jeito melhor para os artistas se imortalizarem do que se transformarem em um meme”, disse Billboard.
E ele não foi o único. Doja Cat também conseguiu atingir o topo do ranking da Billboard após “Say So” se tornar a trilha sonora preferida dos dançarinos do TikTok. Como Lil Nas X, a rapper confronta o conceito tradicional de artista e provoca os ouvintes com humor nas músicas.
No clipe “Mooo!”, a cantora aparece em frente de uma tela verde vestida com uma roupa estampada de vaca. Ela come um hambúrguer e coloca batatas fritas no nariz enquanto canta: “Vad**, eu sou uma vaca / Eu não sou uma gata / Eu não digo miau / Vad**, eu sou uma vaca”.
Oliver Tree é outro músico em ascensão que, segundo a Vice norte-americana, é “uma figura que existe em algum lugar entre um músico de verdade e um comediante online, um cineasta surreal e um troll de conteúdo virtual”.
“Eu apenas quero ser o Justin Bieber feio”, disse o músico para o veículo como quem já se perdeu no personagem há algum tempo e não se importa.
Tree também marca presença nas redes sociais com vídeos de humor mais agressivos e debochados. A performance cômica é acompanhada de uma aparência calculadamente despojada.
Como uma nova geração de músicos - ou representantes de um novo gênero musical, como defende o texto Por que a música-meme é um gênero musical legítimo, publicado no medium - esses três artistas apresentam algumas características em comum.
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Primeiro, eles criam músicas extremamentes cativantes. Em seguida, constroem uma persona debochada, mas acessível, principalmente por meios das redes sociais. Além disso, cada um investe em um visual impecável e singular, como um personagem de anime ou diva pop glam.
A transformação dos músicos em memes parece ser uma resposta coerente para a cultura extremamente estética promovida pela internet, um local onde muitas pessoas já nem buscam mais tentar reproduzir a realidade e mergulham com prazer nas fantasias artísticas.
Em um universo em que tudo pode ser uma piada e quase ninguém é levado a sério, Lil Nas X, Doja Cat e Olive Tree entregam uma arte digna de nosso tempo, com todas as falhas e exageros.
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