O single e clipe "Fardas e fadas", lançado na última quinta, 15, marca um encontro intenso entre duas mentes criativas do hip-hop
Nicolle Cabral | @NicolleCabral Publicado em 16/10/2020, às 13h49
Lançado na noite da última quinta, 15, o single e clipe de "Fardas e fadas" marca a estreia artística do cantor e compositor baiano Celo Dut. "Se você é preto, eu não preciso explicar mais nada", dispara sobre a principal mensagem da obra.
A produção chega assinada por um filme dirigido por Baco Exu do Blues, pelo selo 999, liderado por Celo. É a primeira vez que o aclamado rapper se aventura como diretor e admite ter sido uma experiência "bem doida" e "uma das mais desafiadoras".
A união dos versos densos com o direcionamento artístico de Baco colocou luz sob a problemática mais amarga do país: o racismo estrutural. "Na verdade, densa é a realidade que essa música retrata. Realidade onde uma raça inteira ainda é vista como não humana, mesmo sendo crucial na formação do mundo", explica o músico.
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A seguir, a Rolling Stone Brasil apresenta uma conversa em que Baco Exu do Blues entrevista Celo Dut, e vice-versa, sobre ancestralidade, a importância de uma rede para incentivar jovens pretos e os discursos ásperos que a nova produção carrega.
1. Como foi compor essa música? Acho ela uma das coisas mais densas que já ouvi. A letra carrega muita coisa.
Sabe aqueles momentos que pensamos que estamos bem e aí quando percebe se vê mal? Foi bem isso. Sempre vivi com muito medo, meu pai sempre me alertou muito sobre os perigos que posso passar por ser preto aqui. No momento dessa música, eu estava com essa preocupação, esse sentimento de impotência, mas no lugar do meu pai. É difícil aceitar que o mundo fará mal para a sua cria. E assim essa música veio.
2. Qual é a sua visão sobre o selo, como você explicaria para as pessoas o que é 999?
999 é um estilo de vida. É quando você se reconhece como ser de excelência, portanto, indomável. É um tipo de postura que não tem como retornar. É a concretização da ideia que se admira na gringa: um jovem negro rico tornado outros como ele também ricos por meio de uma organização quilombola, uma rede. 999 é a nova saída.
3. Qual é o seu maior medo e o maior sonho na música? E como lidar com esses dois lados e a expectativa de carreira?
Meu maior medo na música é que um dia ela simplesmente me abandone, vá embora, com essas peças que a vida pode te pregar. O meu maior sonho é deixar um rastro eterno, ser considerado um dos melhores. Hoje lido de forma mais tranquila do que há 2 anos. Me conheço muito mais, sei do meu poder ancestral e isso me traz uma fé onde tudo parece só questão de tempo e assim sigo o meu caminho.
4. O filme fala sobre legado e consequências, ser a presa, mas ser sempre vendido como predador. Como músico e como pai, o que você acha que seria necessário para encerrarmos esse círculo vicioso?
Para mim, existem várias formas para que isso seja estancado. Todas a longo prazo, por se tratar de algo estrutural, mas, por exemplo, a própria 999 já é um tipo intervenção. Todos esses trabalhos anônimos que existem por aí dando amparo estrutural e condição de mudança de vida. Novas redes crescem, redes onde pessoas pretas se dão bem.
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1. Como foi o processo de criação do roteiro do clipe? E durante a execução, qual foi o sentimento de dirigir?
Existiu a ideia de mostrar que nós, homens negros, estamos presos em uma espécie de Samsara — aquela roda Budista no mundo animal, mundo divino, mundo humano, que nunca tem fim. Sempre voltamos para o mesmo lugar, e é meio que isso, a história de um jovem negro que perdeu um amigo para a violência. Um jovem que acaba entrando em conflito com o próprio grupo ali e fica entre o reagir e não reagir. No final, ele reage e vemos a consequência. O que é muito fod* é que a consequência, teoricamente, é uma representação do Celo adulto e cadeirante — igual ao pai. Ao mesmo tempo, essa reação também mostra um fruto, o filho, e deixa aquela pergunta no final: 'Será que aquela criança vai passar pelas mesmas coisas? Será que essa violência vai ser imposta, mesmo ela não querendo participar, será que ela vai ser empurrada para isso?
2. Você pretende seguir carreira no cinema?
Quero muito seguir carreira no cinema, é uma coisa que está cada vez mais latente. Óbvio, eu amo a música e ela é o meu foco. Mas, até agora, todas as vezes que tive a oportunidade de trabalhar com audiovisual foi muito positivo. Acho que estou me apaixonando cada vez mais pelo ramo, e é uma coisa que eu quero seguir sim. Quero assinar filmes, roteiros, séries, assinar tudo. Quero produzir. Quero falar as coisas que eu quero falar para o mundo, não só através da música, mas com o visual também.
3. Como foi subir tão alto, rápido e jovem e ter que lidar com os perigos que um preto passa sozinho?
Então, foi tudo muito enlouquecedor, é muito complicado controlar o ego, botar o pé no chão e perceber que, independente de estar se tornando famoso, e de estar fazendo dinheiro aos olhos do mundo, eu continuo sendo preto. Eu sempre serei preto, e eu amo ser preto, mas quando eu digo continuo sendo preto, é que para muitas pessoas eu ainda vou ser uma ameaça, mesmo eu não sendo, e eu sempre vou ser julgado por isso, sempre vai ter um tratamento diferente comigo por isso. Eu nunca vou ser tratado como um jovem famoso branco rico é tratado. E lidar com isso é muito doido.
4. Como homem que carrega o nome de Exú, qual sua maior mensagem? O que quer deixar como legado?
Eu reflito muito sobre isso, sobre carregar o nome de Exu, no meu vulgo artístico, e cada vez mais eu tenho certeza que o meu caminho é o caminho de Exu. Falo muito com os meus amigos sobre isso: essa questão de ser demonizado mesmo não sendo o demônio. Sinto isso da forma mais viva possível na minha arte, e minha conexão com Exu é uma parada inexplicável, saca? Não tenho muito como dizer. Acho que o que eu quero deixar como mensagem é que as pessoas negras são mais que os esteriótipos que colocam em cima delas. É mais que ser presa, ser vítima ou ser caça, ou ser caçador.
O legado que eu quero deixar é que somos muito mais do que as pessoas pensam que somos. Somos várias camadas e acredito que as pessoas não entenderam isso até hoje.
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