Apresentação do grupo liderado por Frejat dá aula de rock nacional e faz bela homenagem a Cazuza
Pedro Antunes Publicado em 09/12/2012, às 04h26 - Atualizado às 14h23
“Mais uma dose? É claro, é claro que eu tô a fim”, pergunta e responde Frejat, na abertura do show do Barão Vermelho em São Paulo, no Credicard Hall, na noite deste sábado, 8. E não poderia ser mais emblemático. Não era só o músico que queria mais uma dose – os 5 mil presentes que esgotaram os ingressos dias antes da performance também tinham sede por mais alguns mililitros de música da banda carioca, formada por Fernando Magalhães (guitarra), Rodrigo Santos (baixo), Guto Goffi (bateria), Peninha (percussão) e Maurício Barros (teclados).
E a dosagem foi alta – litros, talvez –, grande o suficiente para entorpecer o público com os maiores hits da carreira trintona do Barão. A turnê comemora os 30 anos de lançamento da estreia do grupo, Barão Vermelho.
Ainda que a banda esteja em recesso, e o último disco de inéditas tenha saído no longínquo (para os padrões fonográficos) 2004, o grupo hoje vive entre idas e vindas, conciliando shows ocasionais e especiais com as respectivas carreiras solo dos seus integrantes. Então, sim, garçom, pode servir à vontade.
Frejat e companhia, de início, propuseram um repertório inebriante e pesado, com rocks corpulentos de uma safra de diferentes épocas. Depois de “Por Que a Gente É Assim?” (de 1984), que abriu a apresentação, vieram em sequência “Ponto Fraco” (1982), “Pense e Dance” (1988), “Cuidado” (2004), “Billy Negão” (1982), “Menina Mimada” e “Carne de Pescoço” (as duas últimas de 1983).
Retorno a longo prazo: ícones dos anos 80 retomarão as carreiras, mas olhando para a frente.
Destas, as faixas da década de 80 são praticamente aulas da evolução e do crescimento do movimento de grupos roqueiros surgidos na mesma época chamado BRock. No caso do Barão, as influências vinham diretamente do blues e dos anos 1970: jovens de classe média do Rio de Janeiro que encontraram no sabor da distorção da guitarra e, depois, na descoberta dos teclados das geração do pós-punk, a sonoridade perfeita para retratar as situações cotidianas das suas vidas: dores de amor, ressacas de noitadas de sexo, drogas e rock and roll.
“Essas são músicas que, embora não tenham sido muito tocadas nas rádios, sempre estiveram presentes nos nossos shows, e o nosso público gosta”, justificou-se Frejat, após as sete faixas de abertura, tocadas de forma initrerrupta, sem papo e firulas – o show era transmitido ao vivo pelo canal Multishow, então os atrasos estavam proibidos.
Ainda que Cazuza (1958 a 1990) tenha ficado apenas até 1985, foram as canções desta época, assinadas por ele ou pela dupla formada com Frejat – uma das melhores da história do rock brasileiro – as mais cantadas pelo público. Compreensível, claro. E o Barão não se furtou de dar à plateia o que ela queria.
Depois de uma incursão pelos anos 90, com “Meus Bons Amigos”, “Política Voz”, “Tão Longe de Tudo”, “Por Você”, o grupo introduziu “O Poeta Está Vivo”, pinçada de Na Calada da Noite, uma bela homenagem ao antigo companheiro de banda, que morreria meses depois do seu lançamento, em julho, aos 32 anos.
Com essa introdução – acompanhada a plenos pulmões pelo público também saudoso -, o Barão voltou no tempo em dez anos e atacou com “Bilhetinho Azul” e “Todo Amor Que Houver Nessa Vida”, ambas do debute da banda, cujo aniversário é comemorado com a turnê. Para elas, o baixista Dé Palmeira subiu ao palco e juntou-se ao grupo que ele havia deixado em no fim da década de 80.
Foi quando Frejat anunciou a inédita “Sorte ou Azar”, belíssima faixa que inexplicavelmente foi deixada de fora do primeiro álbum do grupo, assinada por ele e Cazuza. É a síntese daquele tempo: a liberdade de amar, os receios (ou a falta deles) sobre a vida inteira que ainda vinha pela frente para aqueles jovens.
Homenagens
O grupo também tratou de homenagear seus próprios ídolos, como Erasmo Carlos, com “Vem Quente Que Eu Estou Fervendo”, e Bezerra da Silva e sua clássica “Malandragem Dá Um Tempo”. Da mesma geração, Legião Urbana foi lembrada com “Quando o Sol Bater Na Janela do Seu Quarto”. Todas estas foram gravadas pelo grupo durante os anos 90.
A experiência da carreira solo fez bem para o frontman Frejat. Com domínio total de palco e público, ele liderou a performance por duas horas com pouquíssimo descanso. Sua voz, grave e inconfundível, está bem curtida e bem-cuidada, sendo capaz de lidar com uma apresentação longa como essa – foram 27 canções no total – com desenvoltura invejável. A banda também mostrou-se virtuosa, esmiuçando as canções mais antigas e trazendo elegância para as músicas.
O dia no calendário já havia mudado para domingo, 9, como afinal toda boa noitada deve ser, quando o Barão Vermelho executou “Maior Abandonado” e despediu-se do palco. Em questão de um minuto, o grupo já estava de volta. Veio “Down em Mim”, pérola de 1982, que canta o desamor depressivo, exaustivo e irremediável. “Outra vez, vou te esquecer / Pois nestas horas pega mal sofrer / Da privada eu vou dar com a minha cara / De babaca pintada no espelho / E me lembrar, sorrindo / Que o banheiro é a igreja de todos os bêbados”, cantou Frejat, em uma batida lenta. Joia rara da poesia da banda. O primeiro pacote do bis ainda foi completado pelos hits “O Tempo Não Para”, “Tente Outra Vez” e “Pro Dia Nascer Feliz”.
Ainda que a falta de novas músicas, com exceção da inédita com 30 anos de idade, seja um fator que prejudicou o show pela total ausência de surpresas, foi impossível encontrar um rosto decepcionado entre o público presente. A noite era de comemoração e a última dose veio no segundo retorno da banda ao palco. “Codinome Beija-Flor”, outra preciosidade de Cazuza, desceu doce como mel goela abaixo. E o garçom fechou a conta.
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