Com status de lenda e repertório volumoso, músico fez show emocional em São Paulo nesta sexta, 4.
Pablo Miyazawa Publicado em 05/10/2013, às 17h37 - Atualizado às 17h50
Estreando em palcos brasileiros nesta sexta, 4, Bob Mould tocou para públicos diversificados. Um terço da plateia compareceu à Choperia do Sesc Pompéia, em São Paulo, para venerar o fundador e principal compositor do Hüsker Dü, o influente trio que melhor soube introduzir a melodia à crueza em alta velocidade do hardcore; outro terço queria cantar junto ao homem de frente do Sugar, projeto mais açucarado que durou meros três anos e teve certa rotatividade na MTV na década de 90; o restante queria aplaudir o Bob Mould estabelecido e amadurecido dos últimos anos, que esbanja crédito indie e já celebra certo status de lenda viva.
Mas na primeira aparição por aqui, Mould preferiu não privilegiar nenhum tipo de fã: todas as fases de 35 anos de carreira estiveram bem representadas e valorizadas no extenso setlist. A organização do show segue uma lógica bem definida que o músico tem utilizado com sucesso na turnê atual. A primeira parte é reservada ao Sugar – mais especialmente, às cinco primeiras faixas do clássico noventista Copper Blue (1992), tocadas na ordem original; o miolo serve para apresentar o mais recente disco solo de Mould, o ótimo Silver Age (2012); o final, catártico, premia os fãs persistentes com um punhado de favoritas da discografia do Hüsker Dü.
A plateia paulistana reagiu sem muitos alardes às músicas do Sugar – o pseudohit “Helpless” e uma versão mais gritada de “A Good Idea” ajudaram a esquentar o público intimidado. O trecho destinado a Silver Age é o mais compacto e bem estruturado da noite, muito porque os dois músicos que acompanham Mould na turnê participaram da gravação do disco: o baixista Jason Narducy e o baterista Jon Wurster, integrante do Superchunk e comediante nas horas vagas. Faixas energéticas e pegajosas como “Star Machine” e “The Descent” soaram idênticas às gravações originais. Mould é o centro das atenções, mas Narducy e Wurster quase fazem um show a mais. O baixista, que atualmente excursiona com o Superchunk (no lugar de Laura Ballance, que deixou os palcos por problemas de audição), é performático, faz acrobacias e se exibe em belos vocais de apoio. Wurster, fazendo caretas “cantando” cada uma das viradas na bateria, impressiona pela excelente técnica e desenvoltura. Com a afinidade de uma autêntica cozinha que já toca junta há tempos, a dupla faz a cama para Mould brilhar como bem entende.
Acostumado ao formato power trio, Mould faz uma única guitarra valer por muitas. Tão virtuoso quanto espontâneo, faz solos complexos com fúria adolescente, malhando as cordas como se tocasse acordes cheios - mesmo assim, a nitidez que tira das notas é de emocionar. Com 52 anos aparentes, o músico se entrega fisicamente, sua em bicas e arranca melodias do fundo da alma – as lentes embaçadas dos óculos (as quais jamais limpa) funcionam como um charme a mais. Em um raro momento em que se dirigiu ao público, Mould solicitou que as pessoas parassem de assisti-lo através das telas de smartphones. “Quando eu tinha 18 anos e estava aí onde vocês estavam, vi o show do Buzzcocks. E não precisávamos desse tipo de coisa.” Após aplausos, as câmeras baixaram por alguns instantes (mas logo voltaram a se focar no homem de frente – no caso, de lado).
No verdadeiro túnel do tempo da metade final, o show foi apenas do Hüsker Dü, e a plateia correspondeu à gentileza com catarse equivalente à gerada no palco pelo trio. “Could You Be the One”, “Celebrated Summer” e “Something I Learned Today” causaram rodas de pogo, stage diving, gargalhadas, lágrimas e outras cenas tão atípicas nos herméticos shows de rock atuais. Mould fez que deixaria o palco sem nem largar a Stratocaster, mas fingiu mudar de ideia e concedeu um segundo bis, com três faixas de Flip Your Wig (1985): “Hate Paper Doll”, a faixa-título e o hit “Makes No Sense At All”. Ainda que por poucos minutos, o Sesc parecia um caldeirão borbulhante transportado para 25 anos atrás. Com o vapor de suor ainda pairando e a multidão se desfazendo, era possível escutar diálogos parecidos aqui e ali: “Você vem amanhã de novo? Eu venho, claro”. Não foram poucos os que se permitiram o luxo de repetir a dose de Bob Mould no dia seguinte. Afinal, não é sempre que uma lenda viva aparece por aqui.
Bob Mould toca novamente no Sesc Pompéia na noite deste sábado, 5; e no Circo Voador, no Rio de Janeiro, no domingo, 6.
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