No novo filme de Sacha Baron Cohen, o humor é usado tanto como um utensílio para fazer rir, quanto uma ferramenta de exposição - e o fio da faca nunca foi tão afiado
Igor Brunaldi (@igg.zz) Publicado em 27/10/2020, às 07h00
A chegada de um novo filme do Borat infelizmente não foi a grande surpresa que os produtores provavelmente planejaram, já que um tempo antes da estreia, Sacha Baron Cohen foi visto à caráter dirigindo pelas ruas dos Estado Unidos.
O que é surpreendente, no entanto, é o quão relevante o filme consegue ser sem fugir do humor polêmico que deu destaque ao personagem em 2006, quando o primeiro longa chegou às salas de cinema.
Imagino que assim como eu, muitas pessoas que se dizem grandes fãs do trabalho de Cohen tenham dado play em Borat 2 (ou estejam considerando ainda) com os dois pés atrás, afinal de contas, os tempos mudaram, as lutas mudaram e a tolerância ao humor politicamente incorreto diminuiu.
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Será que o filme vai ter graça? Será que um personagem tão controverso ainda tem espaço nos dias de hoje? Será que tem café na cozinha? Antes de assistir, eu tinha certeza de que essas perguntas e muitas outras seriam respondidas com um grande "não".
Mas com uma xícara de café quentinho em mãos, posso dizer que, na verdade, Borat é ainda mais relevante e potente em 2020 do que foi há 14 anos.
O que me leva a dizer isso é a delicadeza calculista, milimétrica e corrosiva com a qual Cohen e Maria Bakalova (atriz que interpreta de forma brilhante Tutar, filha de Borat) conduzem uma narrativa impressionantemente cativante sobre a aproximação entre pai e filha, ao mesmo tempo em que utilizam do humor e do disfarce dos personagens para evidenciar a podridão sociopolítica que assola os EUA e muitos outros países do mundo, tal qual o Brasil.
A sátira elevada ao extremo do absurdo é a principal arma do filme. Aqui, o humor é usado tanto como um utensílio para fazer rir, quanto uma ferramenta de exposição. E o fio da faca nunca foi tão afiado.
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Com o auxílio dessas identidades fictícias, Borat e Tutar se inserem e se camuflam em contextos cuidadosamente selecionados, como por exemplo um encontro de supremacistas brancos repleto de pessoas desfilando orgulhosamente com metralhadoras brilhantes.
Ao fingirem fazer parte desse grupo, os atores criam situações nas quais o objeto de análise (ou, no caso, de crítica) se sente à vontade com as câmeras, sem fazer ideia do real teor da gravação na qual está participando (o exato oposto do que imagina), e então, deliberadamente, se pronuncia xenofóbico, racista, fascista, homofóbico, antissemita...
Em outras palavras, e quase que literalmente, Sacha Baron Cohen e Maria Bakalova ligam as luzes, entregam o microfone, e deixam os criminosos deporem contra si mesmos.
Apesar de optar por um formato de mockumentary, também visto no primeiro longa, Borat 2 talvez seja um dos documentários que representa de forma mais real e sem barreiras o crescimento explícito de movimentos conservadores e racistas no mundo, se tornando assim a comédia mais aterrorizante que você vai ver em 2020.
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