"Quis que fossem reconhecidas as angústias e a energia que Arlindo Barreto carregava naquele período", diz o ator, protagonista de Bingo – O Rei das Manhãs
Paulo Cavalcanti Publicado em 23/08/2017, às 17h37 - Atualizado às 19h14
No cenário da cultura pop brasileira, nenhuma década tem sido revisitada com tanta frequência ultimamente quanto os anos 1980. Além de livros, shows e festas relembrando o período, outro ícone da época ressurge, agora na tela grande: o palhaço Bozo, que comandava um programa diário nas manhãs do SBT. O filme Bingo – O Rei das Manhãs (o nome do personagem foi alterado para frisar que se trata de uma obra de ficção e evitar problemas de direitos autorais, já que o personagem é norte-americano), que estreia este mês, é baseado na vida de Arlindo Barreto, ator que encarnou Bozo na fase de maior sucesso do programa.
Estrelado por Vladimir Brichta e dirigido por Daniel Rezende, tem também Leandra Leal, Tainá Muller, Emanuelle Araújo (na pele da cantora de Gretchen) e o falecido Domingos Montagner no elenco, além de uma participação do apresentador Pedro Bial em um papel dramático. É, sim, uma obra de ficção, mas com os pés fincados na realidade.
Crítica: Bingo é um filme nacional raro e merece ser visto nos cinemas
Brichta vive Augusto Mendes, um ator de talento que paga as contas trabalhando no universo da pornochanchada. Ele é divorciado e vê a ex-mulher fazer sucesso na novela das 8 da Mundial, a emissora mais poderosa do Brasil. Em meio a uma existência repleta de sexo e drogas, Mendes tenta ser reconhecido profissionalmente longe do cinema marginal, e consegue a chance de sobressair quando abocanha o papel do palhaço Bingo, em uma franquia importada dos Estados Unidos. Usando deboche e inventividade, ele se torna um campeão de audiência e tripudia em cima dos que o desprezaram.
Bingo – O Rei das Manhãs tem o que muitos esperam – é uma celebração aos prazeres trash da década de 1980. Mas, no fundo, apresenta uma história de redenção, uma pensata sobre celebridades, sucesso, fracasso e as dúbias engrenagens do mundo artístico.
No papel de Augusto/Bingo, Vladimir Brichta faz uma interpretação frenética, uma verdadeira tour de force. Ele se encantou com o papel justamente por causa das ambiguidades. “No caso do Augusto, a grande questão é que ele vive o sucesso de forma anônima. Para qualquer artista, mesmo o mais reservado, a falta de reconhecimento é algo profundo e doloroso”, afirma. “Não basta todo o dinheiro do mundo – é preciso que todos saibam quem está por trás da máscara.”
O ator de 41 anos conta que passou incontáveis horas em frente à televisão na década de 1980. “Eu me lembro dos programas infantis e dos programas de auditório com os artistas do momento. Participar de um filme que reconta aquele período é um jeito de voltar, de forma amorosa, ao tempo em que eu era criança.” Ele também acredita que Bingo lança um olhar carinhoso sobre a década, embora com ressalvas: “O filme não tem o discurso reducionista de que tudo era cafona e trash, mas eu particularmente acho que as ombreiras e alguns penteados não devem voltar nunca mais!”, brinca.
Brichta se encontrou com Arlindo Barreto – que hoje é pastor – durante as filmagens, quando ele foi ao set para gravar uma pequena participação. O artista perguntou ao veterano sobre o período, mas foi o vídeo de uma entrevista concedida por Barreto, além do próprio roteiro do filme, que o norteou na criação do personagem. “Eu não pretendia chegar à imagem e semelhança do Arlindo. Queria mesmo é que fossem reconhecidas as angústias e a energia que ele carregava naquele período”, explica.
A ideia para o filme surgiu quando o diretor, Daniel Rezende, leu uma reportagem a respeito de Barreto em uma revista durante uma viagem de avião. “Havia todos os elementos de uma grande história ali”, diz o diretor. “Era um cara que fazia filmes eróticos, participou de novelas e depois se tornou um ícone infantil sem que ninguém soubesse sua verdadeira identidade. E que no final ainda passa por uma conversão religiosa.”
Rezende relata que se preocupou com o lado humano da trama. “Augusto quer estar sob os holofotes, mas só consegue se destacar atrás da maquiagem. No meio da turbulência, ainda tem uma relação muito humana com a mãe e o filho.” Ele também esclarece que nunca se preocupou com que o filme tivesse o nome ou uma impressão fiel a de Bozo, apesar das similaridades óbvias. “Bingo é baseado em fatos, mas é uma história particular. Criamos o nosso próprio universo dentro de um contexto real.”
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