A artista faz um passeio místico entre o passado e o presente latino-americano no EP Sal Gruesa
Julia Harumi Morita | @the_harumi Publicado em 29/05/2020, às 07h00
Ava Rocha não é nenhuma novata na bruxaria musical. A cantora de 41 anos realizou a primeira performance há quase 10 anos, quando lançou o disco Diurno, em 2011. Por cima da melancolia romântica da bossa nova, a artista fez pequenos experimentos para materializar o vai e vem da vida, os preços da cidade e o princípio do vermelho, o sol que bate e o suspiro derradeiro.
Além de interpretar canções de Tim Maia, Edu Lobo, Torquato Neto, Jards Macalé e Capinam, a cantora homenageou o avô Jorge Gaitán Durán, célebre poeta colombiano, em “Sé Que Estoy Vivo”. Ao transformar o poema em música, Ava iniciou uma jornada em direção ao passado.
E a herança cultural que a artista carrega não é pouca. A cantora é neta de Dina Moscovici, judia que veio da Rússia e se tornou uma ensaísta e diretora influente no teatro de vanguarda na década de 1960 e 1970. Além disso, é filha da cineasta francesa Paula Gaitán e do diretor brasileiro Glauber Rocha.
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Para conhecer as próprias origens, Ava decide mergulhar dentro de si mesma primeiro. Em 2015, a cantora batizou o segundo disco da carreira com o próprio nome, Ava Patrya Yndia Yracema, e levou os ouvintes para os palcos de teatro, que também fazem parte da história dela. Performática e espiritual, Ava criou o “Auto das Bacantes”, revisitou o cenário carioca de Nelson Rodrigues em “Beijo no Asfalto” e apresentou a filha “Uma” no espetáculo regressivo.
Três anos mais tarde, a cantora lançou o disco Trança e atingiu um nível ainda mais profundo nas próprias memórias. Além do nome e do indivíduo, Ava buscou as mulheres do passado, de Lilith a Joana d’Arc, e do presente, por meio das colaborações com Tulipa Ruiz, Linn da Quebrada, Iara Rennó e outras artistas.
Após três discos, Ava direcionou a viagem mística dela para um destino preciso: Colômbia. Nascida no Rio de Janeiro, a artista visitou o país diversas vezes durante a infância e, aos 14 anos, se mudou com a mãe e os irmãos para o país vizinho, onde viveu fim da adolescência e o início da vida adulta.
Anos mais tarde, em 2016, a cantora retornou ao país com o marido, Negro Leo, e a filha após receber o convite do grupo colombiano Los Toscos, que lançam discos a partir de colaborações com outros músicos, para um residência artística.
Contudo, ao desembarcar no país, Ava se deparou com um cenário político caótico: a votação do acordo de paz entre o governo e as Farc. Por um mês, a artista presenciou os conflitos e as mortes dos cidadãos colombianos.
Inspirada pela a tensão política e festividade latino-americana, a artista compôs duas canções ao lado da banda e os músicos Camilo Barltesman, Andrés Gualdron, Negro Leo, Thomas Harres e Gabriel Mayall, que foram compactadas no EP Sal Gruesa, lançado no início do mês de maio.
Ava conversou por e-mail com a Rolling Stone Brasil e revelou detalhes sobre o processo de criação do novo trabalho. Segundo a artista, a juventude na Colômbia contou com diversas experiências culturais, porém nenhuma delas voltadas para a música.
“Quando adolescente, eu vivi intensamente a cidade, frequentei as cinematecas, tive minha formação cinematográfica, realizei uma revista de contracultura chamada Generección e tinha uma forte vida cultural.”
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Ela completou: “Mas eu não tinha voltado [para o país] como cantora, fazendo música, e tampouco com meu marido, Negro Leo, e minha filha, Uma. Então, para mim, foi uma experiência muito especial. Eu estava mostrando meu outro lugar para minha família e, por outro lado, realizando o sonho de fazer música na Colômbia”.
Ava também contou que a viagem foi fruto de um desejo de “reconexão individual e coletiva”, de criar uma trança ainda mais forte a partir de “tanto sofrimento e tanta beleza” e de se envolver musicalmente com a língua espanhola.
“Para mim, todo o disco é um processo de escavação, seja pessoal, seja coletivo. Ao mesmo tempo que você cava, você constrói [...] Então, nesse sentido, eu estava atrás da minha memória colombiana, [estava] me reconectando com minhas raízes, e mergulhando em uma nova experiência, que era trabalhar em um disco a partir do encontro de músicos brasileiros e colombianos, com diversas referências enriquecedoras.”
Com sons que lembram um chamado para outra dimensão, Ava instiga o ouvinte logo nos primeiros segundos de “Caminando Sobre Huesos”. A sensação estranha e sedutora rapidamente ganha a companhia de uma percussão encorpada e uma voz aveludada.
A artista mistura o português com o espanhol e recita nomes aleatórios, os quais poderiam representar qualquer uma das pessoas que morreram e continuam morrendo pelas avenidas.
“Acho que essa música, ‘Caminando sobre Huesos’, é trágica, mas revela a vida. Esses mortos carregam uma vida e, embora mortos, seus olhos continuam a brilhar, e são capazes de seguirem reverberando memórias e sons que não nos deixam esquecer [...] Primeiro: não esquecer, nomear. E, segundo: transformar. Então por um lado é uma música dura, mas, por outro, é bela”.
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Em uma entrada anunciada, Ava acelera os passos em direção ao destino inevitável em “Lloraré, Llorarás”. Mas o percurso é agitado e a cantora se desorienta. Os sons quentes discutem com as guitarras distorcidas enquanto o canto declara que é preciso chorar mesmo que nossos pensamentos briguem entre si.
“Chorarei e chorarás / Pelo bem ou pelo mal / Que eu te fiz e que me fazes / Pois não estamos sozinhos”
Apesar do tom espetacular, de quem fala e quer ser ouvida, Ava se perde no meio dos “sims” e do “nãos” ao ponto de ficar sem fôlego. A discussão poderia durar para sempre, mas é interrompida subitamente . Fim. O destino inevitável.
“Não importa o ‘sim’ ou o ‘não’, vamos chorar, vamos sofrer. Essa é uma história que nos une na América Latina, desde a colonização, massacre de índios, tráfico de negros e a visão patriarcal que ceifou o continente, como o corpo das mulheres [...] Essa música tem uma perspectiva feminina também, do limite da palavra, do que ela carrega de potência”, disse a artista.
Sal Gruesa é a celebração da cultura latino-americana, que surge entre as tragédias nacionais e faz as pessoas festejarem unidas. Mesmo em tempos de pandemia, o trabalho de Ava se mantém atual e nos lembra das histórias que não devem ser esquecidas.
“Eu acho que, sem querer, [o disco] foi lançado em um momento crucial das nossas vidas, momento que nos conecta universalmente à temas que muitas vezes passam batidos ou que não nos afetam diretamente. Então, sinto que [as canções] têm um grande poder de conexão e de reverberar a escuta e a reflexão”, concluiu a cantora.
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