Músico apresentou as canções do terceiro álbum acompanhado pela Banda Cê pela primeira vez na capital paulista
Pedro Antunes Publicado em 12/04/2013, às 02h44 - Atualizado às 10h59
Caetano Veloso superou o rancor que permeava o primeiro trabalho com a Banda Cê, formada pelos jovens Pedro Sá (guitarra), Marcelo Callado (bateria) e Ricardo Dias Gomes (baixo), no disco Cê, de 2006. Passaram-se sete anos, os transambas do álbum Zii e Zie (2009) vieram e se foram, e, agora, a dor se diluiu em Abraçaço, lançado ano passado. Ela ainda está lá, claro, mas praticamente cicatrizada. O músico baiano que se apresentou na noite desta quinta-feira, 11, na estreia da série paulistana da turnê, no HSBC Brasil, encontrou a casa cheia (1,8 mil pessoas presentes, distribuídas em mesas), o que se repetirá nos shows desta sexta e sábado, ambos esgotados. Diante de um público caloroso, ele, aos 70 anos, distribuiu sorrisos, rebolados e bom humor.
O disco, eleito o melhor lançamento nacional de 2012 pela Rolling Stone Brasil, é executado praticamente na íntegra – apenas “Gayana” ficou fora do repertório de 23 canções – em quase uma hora e meia de performance. Com “A Bossa Nova É Foda”, que também abre o disco e ficou em terceiro lugar entre as melhores canções do ano, ele e o trio de músicos sugerem aquilo que já havia sido deixado claro no início da turnê, no Circo Voador, no Rio, em março: o Caetano pós-anos 2000, moderno, teria grande destaque ali.
Esse repertório, jovem, dançante e bastante roqueiro, com exceção a algumas experimentações sonoras, sofreu com a disposição do público na capital paulista. O formato escolhido para distribuir a plateia, com todos acomodados em cadeiras, favorece a veneração contemplativa, mas impede uma resposta mais vigorosa que a safra dos últimos discos, comumente chamada de Trilogia Cê, propõe.
Não se pode dizer, contudo, que os presentes desconheciam o material mais recente. Escolhidas para formar a abertura da apresentação, a já citada “A Bossa Nova É Foda” e as faixas de Abraçaço "Quando o Galo Cantou", "Um Abraçaço" e "Parabéns", dedicada aos aniversariantes presentes, foram cantadas em coro – ainda tímido, é verdade, mas todos estavam se aquecendo. O quinteto inicial de músicas só não foi completamente dedicado ao novo disco porque também veio a “anciã” “Lindeza”, do disco Circuladô (1991).
O aquecimento teve fim com “Homem”, pinçado de Cê (2006), uma homenagem de um homem, com sua “pele solta sobre o músculo” e o “pelo grosso no nariz”, às mulheres e seus “orgasmos múltiplos”. A música engrenou na segunda tentativa. Na primeira, Caetano e o guitarrista Pedro Sá se desencontraram e, logo nos primeiros versos, que soavam tortos, o cantor e compositor pediu para repetí-la. “Isso nunca aconteceu antes”, disse ele, rindo da própria frase e sendo ovacionado. Quando a música engrenou, Caetano se soltou, caminhou pela frente do palco do HSBC Brasil, jogou-se e rolou no chão.
O roteiro da apresentação, que é dirigida pelo próprio Caetano, então, breca a animação e propõe um trio de faixas mais densas e sombrias. Com "Um Comunista" (Abraçaço), as luzes diminuem, transformando o palco em uma penumbra vermelha, em homenagem a Carlos Marighella, morto aos 57 anos, em 1969. “O baiano morreu / Eu estava no exílio / E mandei um recado: ‘Eu que tinha morrido’ / E que ele estava vivo”, canta ele, antes da entrada de um melancólico solo de guitarra de Pedro Sá, que surge aos poucos, infiltrando-se na base de violão feita pelo próprio Caetano antes da apoteose delirante.
Vale o destaque para a potência sonora, o virtuosismo e o ecletismo dos três de músicos que acompanham o baiano. Sá faz a guitarra chorar o sofrimento e solidão cantados por Caetano em "Estou Triste". Callado e Dias Gomes, que também cuida do teclado e dos efeitos, esmeram-se em uma cozinha eficiente, principalmente em “Triste Bahia”, que completa o trio das canções tristes. A faixa, do cultuado disco Transa, que completou 40 anos em 2012, é remodelada e cai impecavelmente no gosto do público, principalmente entre os mais jovens. Se eles não pareciam ser a maioria ali, eram sem dúvida os mais exaltados.
Curiosamente, Caetano favorece duas fases da carreira: os anos 70 e o material produzido ao lado da Cê, do primeiro e terceiro disco. Da primeira, por exemplo, vieram "Escapulário" (Joia, de 1975), "Alguém Cantando" (Bicho, 1977) , "De Noite na Cama" (Temporada de Verão, 1974) e "Você Não Entende Nada" (Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo, 1972).
Fogem desse recorte alguns clássicos do cancioneiro dele, como a já falada "Lindeza", "Eclipse Oculto" (Uns, 1983) e "Reconvexo", uma homenagem à irmã Maria Bethânia. Também lembrada foi Dona Canô, matriarca da família que morreu em dezembro de 2012, aos 105 anos, na belíssima e emocionante interpretação de "Mãe".
Foi com "Você Não Entende Nada", festiva e que inevitavelmente traz à lembrança a versão do álbum ao vivo, ao lado de Chico Buarque, de 1972, cujos versos se uniam à “Cotidiano”, de Chico, que Caetano encerrou a primeira parte da apresentação.
"Vinco", vagarosa, é a última de Abraçaço a ser tocada no show e abre o bis.
"A Luz de Tieta", contudo, volta a colocar os ânimos para cima. As laterais da casa de espetáculos são tomadas pelo público, que dança ao som de um dos maiores hits do músico baiano. "Outro", de Cê, encerra a apresentação com o mantra: “Você não vai me reconhecer, quando eu passar por você”. Caetano mal se despede. Aliás, ele pouco falou ou interagiu verbalmente com o público. Talvez não precisasse se explicar. O sorriso satisfeito e a forma como canções foram levadas para o palco diziam tudo o que precisava ser dito: estávamos diante de um novo Caetano, jovial aos 70, alegre, sem ressentimentos e remorsos. Pronto para distribuir seus “abraçaços”.
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