Carrie - A Estranha - Divulgação / Sony Pictures

Carrie - A Estranha patina ao recriar o conto de terror nos tempos do cyberbullying

Chloë Grace-Moretz, de Kick-Ass e Deixe-me Entrar, protagoniza o remake do filme de Brian De Palma, lançado em 1976

Pedro Antunes Publicado em 06/12/2013, às 09h50 - Atualizado às 12h16

Carrie só queria ser uma menina normal. Nada, contudo, é assim tão fácil quando se é escolhido para ser o alvo de todas as brincadeiras no colégio. A menina não tinha paz - e, nos momentos de maior estresse, coisas estranhas aconteciam com ela. O famoso conto escrito pelo mestre do terror Stephen King ganhou uma versão atualizada para o ano de 2013, com a direção de Kimberly Peirce (Meninos Não Choram, 2000), e estreia nesta sexta-feira, 6, no Brasil. O grande desafio aqui é como a nova versão da menina atormentada, desta vez vivida por Chloë Grace-Moretz, poderia fazer justiça ao texto de King e ao filme histórico de Brian De Palma, lançado em 1976.

Constantemente escalada para papéis intensos, Chloë Grace-Moretz se firma como grande talento da nova geração de Hollywood.

Com a decisão de trazer a trama de Carrie - A Estranha para os dias de hoje, foi preciso também adaptar a forma como a menina era provocada pelos colegas. A personagem-título é levada ao extremo quando menstrua pela primeira vez nos chuveiros coletivos do colégio. A pobre Carrie parecia desconhecer a natureza daquele sangue e desesperou-se. As colegas, em um reflexo de asco, repulsa e nenhuma empatia pelo sofrimento da outra, começaram a acertar a garota com absorventes. Carrie escorrega, pede ajuda. Com as mãos cheias de sangue, estraga a blusa da menina mais popular do colégio. Tudo é gravado pela câmera do celular de outra garota, Chris Hargensen (Portia Doubleday) e divulgado posteriormente na internet.

Carrie nunca foi aceita e, depois daquele dia, ficou claro que nem mesmo se ela revelasse ser o Superman, teria paz. A professora de ginástica invade o vestiário, coloca um fim na algazarra e promete punir quem fez aquilo.

É preciso entender algo sobre Carrie White, algo que suas colegas parecem ter ignorado: a criação da garota pela mãe, interpretada por uma brilhantemente assustadora Julianne Moore. Uma fanática religiosa que falha ao demonstrar algum amor pela figura da filha, atormentada pela força das próprias crenças e que considera a filha o fruto cancerígeno gerado pelo pecado (neste caso, o ato sexual com o marido, já morto). O fanatismo e a automutilação (uma sugestão da própria Julianne para o papel) cegam a personagem para as obrigações de mãe.

Muito da personalidade encolhida, tímida e desajustada de Carrie vem da falta de contato com o mundo externo, dos exageros da mãe (qualquer falta poderia ser punida com horas de confinando em um armário localizado debaixo da escada da casa da família White, por exemplo) e das coisas estranhas que se passam com Carrie.

Sim, Carrie queria ser uma menina comum, mas não era. Ela tem poderes telecinéticos e as tais situações em que espelhos se rachavam ou lâmpadas estouravam, por exemplo, eram reflexos dos momentos de maior tensão para a garota.

Caça-níquel ou homenagem? Veja continuações e reboots “ressuscitados” muitos anos depois do original.

Carrie não conseguiu se adequar. O vídeo dela rastejando pelo vestiário, no episódio da primeira menstruação, publicado na internet, esgotou todas as possibilidades de integração. O poder do ambiente virtual, o anonimato e a forma como os dois juntos podem ser usados para o cyberbullying é discutido de forma rápida, mas providencial.

Os roteiristas Lawrence D. Cohen (que assina, entre outros clássicos de terror, o filme original de 1976) e Roberto Aguirre-Sacasa (Glee) se perdem, contudo, em como transformar a trama em uma linguagem atual. A história vaga por linha indiscreta e desconfortável de tentar se manter fiel ao longa de 1976, com passagens quase idênticas e, na duvida sobre qual caminho seguir, parte para um bom-mocismo exagerado. O ambiente escolar é puritano, quase beirando comparações com a telenovela da TV Globo Malhação, enquanto as cenas finais, quando Carrie é levada ao extremo diante da escola e, enfim, reage, por exemplo, são mais adocicadas e menos sangrentas do que se poderia esperar.

Nem mesmo quando está ensopada de sangue e ensandecida Chloë Grace-Moretz consegue convencer de fato. Ela brilha quando deixa de ser Carrie, a estranha, para ser Carrie, a garota normal, em alguns poucos minutos do filme.

Sem pulso para tomar a direção da história para si, Kimberly Peirce perdeu a chance de criar um grande filme. As comparações com o trabalho brilhante de De Palma sempre iriam existir, mas talvez o inconsciente da diretora tenha bloqueado a própria capacidade de alçar voos mais altos do que o resultado do remake. E, pobre Carrie, ela só queria ser uma menina normal.

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