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O Caso Johnny Depp

Processos milionários, uma névoa de álcool e haxixe, um casamento que deu muito errado e um estilo de vida que ele não pode bancar: por dentro do mundo de caos do astro

Stephen Rodrick Publicado em 26/09/2018, às 17h36

Johnny Depp ainda não está aqui. Mas a presença dele é notada em toda a extensão da mansão alugada de 975 metros quadrados, que fica no número 16 da Bishopswood Road, no bairro de Highgate, em Londres.

Ele está aqui por meio das mãos ocupadas de Russell, chef pessoal do ator, que cozinha um pato à Pequim. Está aqui no cigarro de maconha do tamanho de um charuto deixado na pia do banheiro. Está aqui no estoque interminável de vinho, que ele toma em grandes cálices. E está aqui em um quadro inacabado no andar de cima, que mostra uma casa preta em chamas, com Johnny criança e uma mulher zangada que lembra a mãe dele, Betty Sue.

E, então, ele chega em pessoa, cantando enquanto entra na sala. Depp vem de uma sessão de fotos com o Hollywood Vampires, a banda que ele integra ao lado de Alice Cooper e Joe Perry, do Aerosmith. Logo atrás, vem o advogado dele, Adam Waldman. Depp está vestido como um gângster dos anos 1940, cabelos negros penteados para trás e suspensórios. Seu rosto está inchado, mas ele ainda tem os penetrantes olhos castanhos que sempre ficaram entre o sonhador e o ameaçador ao longo da carreira de 35 anos. O atual olhar é estudioso e lascivo, remanescente da última fase de Marlon Brando. Isso não é uma coincidência, visto que ele construiu a vida imitando lendas – comprando uma ilha como Brando, se tornando um expert em comprimidos como Hunter S. Thompson.

“Oi, eu sou Johnny. Prazer em te conhecer.”

Ele estende a mão direita, cujos dedos tiveram recentemente a tatuagem que dizia “slim” (“magra”, em referência à ex-mulher, Amber Heard) alterada para “scum” (algo como “escória”).

“Então, você está aqui para ouvir a verdade?”, Depp pergunta, enquanto Russell traz a ele um cálice de vinho tinto. “Ela é repleta de traição.”

AP PHOTO/DAMIAN DOVARGANES

Nós nos mudamos para a sala de jantar para uma refeição de três pratos: pad thai, pato e biscoito de gengibre com frutas. O ator senta na cabeceira da mesa e se move em direção a papéis de enrolar cigarro e duas pilhas iguais de tabaco e haxixe, e pergunta se me importo. Não me importo. Ele faz uma pausa de um segundo. “Bem, vamos beber um pouco de vinho antes.”

Isso se estende por 72 horas.

Levou um mês e quase 200 e-mails para a mensagem ficar clara: venha para Londres, Johnny Depp quer abrir a alma sobre suas contas bancárias vazias.

Estima-se que Depp tenha ganhado US$ 650 milhões em filmes que arrecadaram US$ 3,6 bilhões. Quase tudo do que ele recebeu já se foi. Ele está processando o The Management Group, empresa comandada por seu empresário de longa data, Joel Mandel, e o irmão, Robert Mandel, por negligência, violação de deveres fiduciários e fraude. O processo afirma, entre outras coisas, que sob a administração da TMG a irmã de Depp, Christi, recebeu US$ 7 milhões, e o assistente dele, Nathan Holmes, US$ 750 mil, sem o conhecimento do artista, e que ele precisou pagar mais de US$ 5,6 milhões em impostos atrasados (boa parte da ira é direcionada a Joel, que era responsável pelas contas de Depp). Há outras acusações envolvendo conflitos de interesses, dizendo que a TMG investiu o dinheiro de Depp com interesses próprios e o devolveu sem lucro. O processo pede mais de US$ 25 milhões da TMG, fazendo referência às “dezenas de milhões” que a companhia teria tomado ilegalmente mais quaisquer danos adicionais que a corte enxergue como plausíveis.

Os irmãos Mandel negam categoricamente todas as acusações e estão processando o ator de volta, alegando que Depp violou seu contrato com a empresa. O processo sugere que Depp tem um transtorno compulsivo que o faz gastar US$ 2 milhões por mês, oferecendo pérolas como “vinho não é um investimento se você o beber assim que o compra”. Ainda de acordo com o grupo, Depp “continuava a inventar alegações falsas e maliciosas” porque a TMG entrou com uma ação sigilosa referente a uma das propriedades de Depp, afirmando que o ator tem uma dívida de US$ 4,2 milhões em empréstimos.

Nos últimos 18 meses, só seu ouviram más notícias a respeito de Depp. Somando-se aos problemas financeiros, foi dito que ele não conseguia decorar suas falas, tendo que usar um ponto eletrônico no ouvido para conseguir dizê-las. Ele se separou de seu empresário e advogado de longa data. E ficou sozinho. O divórcio da atriz Amber Heard, amplamente noticiado por tabloides, está terminado, mas não antes de que fossem divulgadas pungentes alegações de abuso físico, que Depp veementemente nega. O círculo mais próximo do astro implorou para que ele não se casasse ou ao menos fizesse um acordo pré-nupcial. Ele ignorou seus entes queridos. E ainda houve notícias de que o uso recreativo de álcool e drogas estava prejudicando sua vida.

Durante a minha visita a Londres, Depp se alterna entre hilário, astuto e incoerente. Os dias começam depois que já escureceu e se estendem até o amanhecer. Há algo de assustado nele. Apesar de conversas grandiosas sobre ir para a cidade, jamais deixamos a casa. Ao passo que a mente de Depp nos leva a vários cantos obscuros, eu frequentemente me lembro de uma frase que ele disse no papel do Chapeleiro Maluco em Alice no País das Maravilhas: “Eu fiquei louco?”. Seu mais próximo confidente parece ser Waldman, um advogado que ele conheceu menos de dois anos antes. Waldman, de 49 anos, tem um rosto sem rugas, uma jaqueta de couro de grife e uma voz suave que poderia fazer a epidemia de gripe aviária soar sensata. Depp parece estar abstraído de seus atuais dilemas legais. Waldman convenceu o ator de que os dois são guerreiros da liberdade contra a máquina de Hollywood, e não catadores brigando pelos restos de uma fortuna desperdiçada.

Um dia, Depp me mostra suas pinturas, e me ocorre que ele agora é um Dorian Gray desgastado. “Imagino Johnny fazendo uma versão de Jack Sparrow aos 70, 80 anos”, diz a amiga Penélope Cruz. “Continuará sendo tão charmoso e tão bom [quanto hoje].” Mas as coisas que pareciam charmosas quando ele tinha 28 anos – usar drogas e correr pelos andaimes de um andar alto do prédio da Atlantic Records, em Los Angeles, por exemplo – parecem preocupantes aos 55. (Penélope termina nossa conversa contando de um episódio em que Depp tentou arrancar o próprio dente em um restaurante, durante um jantar com ela e Stella McCartney.)

Talvez se manter permanentemente como um Peter Pan seja a chave do charme de Depp nas telas. Mas o tempo passou. A despreocupação juvenil aos poucos o transformou em um homem-menino envelhecendo, ainda carismático, só que apenas em alguns momentos. Se a vida dele hoje não é uma cópia perfeita dos últimos dias de Elvis Presley, é um fac-símile bem decente.

Sentamos para jantar, e pergunto se ele se lembra de qual foi a primeira grande compra que fez quando começou a ganhar dinheiro. Ele enrola outro baseado, que passa para mim e depois para Waldman. Quer que eu saiba que não foi uma Ferrari, mas uma casa para a mãe dele. “A pobre coitada já tomava fenobarbital [um anticonvulsivo contra epilepsia] aos 12 anos.”

AP PHOTO/REMY DE LA MAUVINIERE

Depp cresceu como o mais novo de quatro irmãos, criado basicamente pela mãe, Betty Sue. O pai dele era um engenheiro civil, distante da família a maior parte do tempo. Eles moraram primeiro no Kentucky e então na Flórida, tendo se mudado, de acordo com Depp, mais de 40 vezes. Betty costumava arremessar coisas, mas, ainda assim, era mãe dele. “Sim, aconteciam alguns espancamentos irracionais. Podia ser um cinzeiro vindo na sua direção. Talvez você levasse uma pancada com o telefone.” Ele faz uma pausa. Era uma casa fantasma – ninguém conversava. Acho que eu não pensava sobre as pessoas, especialmente sobre mulheres, de um jeito que não fosse ‘eu posso consertá-las’.”

Ele se lembra da mãe chegando em casa depois de jornadas duplas trabalhando como garçonete; Depp massageava seus pés, enquanto ela contava as moedas das gorjetas. Com um de seus primeiros pagamentos mais substanciais, ele comprou para a mãe uma pequena fazenda de cavalos nas imediações de Lexington, Kentucky.

“Betty Sue, eu a venerava”, diz, mas seu sorriso rapidamente se esvai. “Ela podia ser uma vaca.” Depp conta o que disse no funeral dela, em 2016: “Minha mãe talvez tenha sido o ser humano mais malvado que conheci na vida”.

Depois de comprar a casa para a mãe, ele se deu de presente uma motocicleta Harley-Davidson de 1940, que ainda tem. De 1986 a 2006, fez 32 filmes, em uma trajetória única que foi de Edward Mãos de Tesoura – começando uma longa história de colaborações com o diretor Tim Burton – a uma aclamada representação de um policial disfarçado em Donnie Brasco.

Depp adquiriu o gosto pelo grandioso ao longo do caminho. Comprou no início dos anos 1990 o Viper Room, um antigo clube de Los Angeles um dia frequentado por Bugsy Siegel, e o transformou em uma casa de rock onde todo mundo, de Guns N’ Roses a Johnny Cash, se apresentou. Sofreu pela morte do amigo River Phoenix por causa de uma overdose no local, em meio a alegações de que ele mesmo teria entregue a dose fatal a Phoenix. “Imagine viver com isso”, diz Depp, com os olhos marejados.

Uma presença constante nos negócios de Depp era sua irmã mais velha, Christi, que gerenciava o dia a dia dele. (Ela nunca respondeu aos pedidos de entrevista para esta reportagem.) Em 1999, eles perceberam que a empresa de gerenciamento com a qual trabalhavam não conseguiria lidar com aquele rápido crescimento financeiro e que precisavam mudar para uma empresa maior. Naquela época, Depp já tinha se mudado para uma propriedade de 740 metros quadrados, acima da Sunset Boulevard, apelidada de “Castelo do Drácula”. Passou um dia entrevistando gerentes financeiros. A última reunião foi, segundo conta, com Robert e Joel Mandel, os irmãos que comandam a TMG.

Depp está agitado. A mansão londrina está assustadoramente quieta. Agora são 3h ou 4h da manhã, e cozinheiro e seguranças já se retiraram. Apesar do horário, a mente dele ricocheteia para todo lado, passando por uma série de flashes aleatórios de sua vida, incluindo sua identificação pessoal com o personagem Jack Sparrow (da franquia Piratas do Caribe), cuja persona pegou emprestado de Keith Richards, outro de seus ídolos.

Lá fora, a escuridão da madrugada de Londres começa a ceder para um crepúsculo pré-amanhecer. Todo mundo está exausto, menos Depp. Ele desaparece por alguns minutos e volta reanimado, proclamando que precisamos assistir ao clipe da música “KILL4ME”, do amigo Marilyn Manson, que tem Depp em uma série de poses sensuais com mulheres quase nuas. Ele aumenta o volume e grita por cima das guitarras de rock industrial: “Marilyn é o melhor. É um ótimo amigo. Brincou de Barbie com a minha filha.” Waldman resmunga por causa da música e enterra a cabeça em uma pilha de almofadas. Isso não é capaz de dissuadir Depp, que aumenta o som até aparecer o número 99 no volume da TV.

Com jet lag, digo a Depp que preciso dormir um pouco. Ele parece desapontado, mas me dá um meio abraço. “Falaremos sobre injustiça amanhã.”

Foi Adam Waldman que entrou em contato com a Rolling Stone com a ideia de um perfil para falar das injustiças cometidas em relação à reputação de Depp. Waldman deixou claro que a ideia da entrevista não tinha envolvimento de Robin Baum, o formidável assessor de imprensa do ator, que faz o trabalho há anos. Comecei a investigar Waldman para saber se ele estava sendo honesto. Havia coisas sobre ele ter sido advogado de Cher – a cantora é madrinha da filha dele, Pepper –, mas o primeiro baque foi uma reportagem do Business Insider que dizia: “Aqui Estão os Executivos Americanos que Trabalham em Favor de Vladimir Putin”. Waldman era o primeiro da lista, que detalhava os serviços dele para Oleg Deripaska, um oligarca russo e magnata do alumínio com fortes laços com Putin.

Waldman entrou para o jogo em 2016, tendo recebido de um cliente a informação de que Depp precisava de ajuda. A TMG tinha acabado de emitir os comunicados sobre a possibilidade de tomar a posse das casas de Depp em Los Angeles, depois de ele não ter efetuado o pagamento de um empréstimo de US$ 5 milhões para a companhia. O grupo fez a manobra de maneira não judicial, para que não fossem realizados registros acessíveis. A essa altura, o público não tinha ideia da situação financeira do astro. Mas o advogado estava prestes a mudar isso. Dois meses mais tarde, sob orientação de Waldman, Depp entrou com o processo contra os Mandel.

A dupla acredita que esse processo vai mudar Hollywood para sempre. Waldman é uma espécie de vingador de Depp. “Ninguém desafia a máquina de Hollywood e sobrevive”, diz. “Todo mundo tem muito medo. Johnny não tem medo.”

Um representante dos Mandel disse que ficou sabendo do processo quando um repórter entrou em contato pedindo comentários, algo raro, já que é comum em círculos legais entrar em contato com o opositor antes de dar início a um processo.

Os dois lados se encontraram alguns dias depois para tentar um acordo em uma sala da firma de advocacia Manatt, Phelps & Phillips, que empregava Ben Chew, um dos litigantes de Depp. Waldman estava ao telefone falando de Munique, Alemanha, e Chew estava presente via videoconferência falando de Washington, Estados Unidos.

Para os Mandel, não estava claro por que a reunião havia sido convocada: se Waldman quisesse trabalhar em um acordo, teria feito isso antes de jogar uma bomba legal na empresa. "Vocês não fizeram o dever de casa”, disse, citando erros no processo inicial, incluindo declarações de que as finanças de Depp estavam sendo coordenadas por alguém em treinamento, quando na verdade eram comandadas por alguém com 30 anos de experiência.

“Os fatos estão aí, você pode lê-los”, Waldman lembra de ter dito. “Fique à vontade para respondê-los.” Mandel perdeu a cabeça, de acordo com duas pessoas que estavam na reunião.

“Vocês me custaram dezenas de milhares de dólares”, disse. “Agora é minha vez. Eu vou destruir Johnny. Eles vão ficar sabendo de tudo.” (Mandel e o advogado, Michael Kump, negam veementemente que ele tenha dito isso.)

O grupo de Mandel deixou a sala para ir embora, mas, do corredor, dizem ter ouvido a voz de Waldman questionando os demais integrantes de sua equipe se eles tinham de fato estudado o caso cuidadosamente.

Questionado sobre esses imbróglios legais, Depp dá de ombros. “Eu sou apenas uma pequena parte disso. É a porra da Matrix. Eu não vi o filme, e não entendi o roteiro, mas é isso que é.”

KENTO NARA/GEISLER-FOTOPRESS

Infelizmente para Depp, a TMG entrou com um processo estrondoso em meados do ano passado. Nele, descrevem o ator como um moleque mimado sem nenhum controle dos próprios impulsos. Kump apontou que a TMG nunca havia sido processada por nenhum de seus clientes anteriores e que “Depp tinha um estilo de vida ultra-extravagante que costumava custar a ele mais de US$ 2 milhões por mês, algo que ele simplesmente não podia bancar”. O texto diz que ele realmente deu milhões a Christi e a outros membros da família, mas que sabia disso e mesmo assim manteve como empregados pessoas que se beneficiavam de seu dinheiro.

Kump continuou a pressionar, argumentando que “Depp também gastou milhões em um exército de advogados” – fora Bloom, seu advogado pessoal – “para livrá-lo de inúmeras crises legais” e pagar subornos. Algumas das alegações parecem inconsistentes. Os impostos? A empresa afirma tê-los pago com atraso porque Depp estava sempre sem dinheiro.

As compras listadas pela TMG fazem parecer que Depp deixou sua carteira em posse de um adolescente com transtorno de déficit de atenção. Havia US$ 75 milhões em 14 residências; US$ 3 milhões para atirar as cinzas do amigo Hunter S. Thompson para o céu usando um canhão; US$ 7 mil para comprar para a filha um sofá do set de Keeping Up With the Kardashians. Ele comprou cerca de 70 guitarras e 200 obras de arte, de gente como Basquiat e Andy Warhol, tinha 45 carros de luxo e gastava US$ 200 mil em serviços de voo particulares.

De acordo com o processo, Depp mantinha um engenheiro de som em sua folha de pagamento para que ele passasse suas falas por um ponto eletrônico durante filmagens. Isso Depp não nega, dizendo que os sons que lhe eram passados tinham o intuito de fazê-lo atuar apenas com os olhos. “Tenho lá gaitas de fole, um bebê chorando, bombas. Cria uma verdade. Alguns dos meus maiores heróis eram de filmes mudos”, diz Depp, acendendo outro cigarro. “Tinha que ser por trás dos olhos. E minha sensação é a de que, se há verdade por trás dos olhos, não importa quais são as porras das palavras.”

Mas isso não explicava os 12 depósitos mantidos para guardar memorabilia de Hollywood, com coisas de Brando e de Marilyn Monroe. Mandel alegou que Depp gastou US$ 1,2 milhão para manter um médico de prontidão mais US$ 1,8 milhão por ano para segurança 24 horas, incluindo para a mãe idosa. (Quando questionado por qual razão sua mãe necessitava de segurança, Depp diz que era no caso de ela precisar de uma ambulância, de acordo com fontes próximas. A TMG tentou convencer Depp de que uma enfermeira sairia mais barato, mas não foi possível persuadi-lo.) Kump sugeriu que a origem dos problemas de Depp era psiquiátrica: “Em retrospecto, parece que Depp pode sofrer de um transtorno compulsivo de gastos, o que será provado por esta ação por meio de uma avaliação mental dele”.

Em Londres, estou sentado com Waldman, analisando a bagunça do caso por algumas horas, quando Depp emerge após o pôr do sol – eu não o vi nenhuma vez durante a luz do dia. Seu humor é em parte sentimental, em parte fanfarrão.

Há algumas coisas que Depp insiste que a TMG entendeu errado – por exemplo, os US$ 30 mil mensais que os Mandel afirmam que ele gastava com vinho. “É um insulto dizer que eu gastava US$ 30 mil com vinho”, diz. “Porque era bem mais.” Ele afirma que o valor no caso das cinzas de Hunter S. Thompson também estava errado. “A propósito, não foram US$ 3 milhões para atirar Hunter para a porra do céu. Foram US$ 5 milhões.”

Depp explica. Conta que o lançamento do foguete aumentou quando ele decidiu que queria que o arco do lançamento de Thompson fosse pelo menos 30 centímetros maior que os 46 metros de altura da Estátua da Liberdade. Essa parte poderia ser verdade, mas chequei relatos sobre o valor e Depp parecia estar mentindo. Várias informações apontavam para o valor de US$ 3 milhões, mas talvez Depp quisesse que o número fosse ainda maior, pegando a deixa de Thompson, que nunca conseguia resistir ao ato de apimentar uma história verdadeira que já era boa com detalhes imaginários.

Com as mortes de Brandon e do jornalista, Depp perdeu duas pessoas que conseguiam entender sua existência fantasiosa. Ele fica melancólico ao falar sobre passar por seus recentes problemas sem eles – um gênio fodido sentindo falta de seus amigos gênios fodidos. Enquanto a vida se desenrolava, ele não tinha mais seus confidentes. Seus olhos ficam marejados enquanto pensa sobre sua solidão. “Marlon e Hunter. Eu precisava dos meus amigos.”

Por mais de uma década, o que era bom para Johnny Depp era bom para Joel Mandel. Durante os bons tempos, Mandel disse a Depp que seu objetivo era deixá-lo seguro financeiramente para que jamais precisasse pegar um papel apenas para pagar as contas. Eles nunca chegaram a esse ponto. De acordo com o processo da TMG, Depp nunca tinha economias para mais de seis meses na conta. Isso foi ficando pior depois do começo da franquia Piratas do Caribe, que rendeu a ele cerca de US$ 300 milhões. Depp sempre foi aclamado pela crítica, mas foi Jack Sparrow que o transformou em uma marca global, com um cachê de US$ 30 milhões por filme. Só que os gostos dele ficaram mais selvagens, e conversas diárias entre Mandel e Christi passavam por ou tentar impedi-lo de comprar uma nova casa ou achar um projeto que pagasse pela nova casa.

Exceto por Christi, Depp não podia contar com a família em termos de orientação – eles pareciam estar no centro de muitos de seus fiascos financeiros. Comendo alguns sanduíches de atum com milho – o favorito dele –, o ator conta do poço de gastos que a fazenda de Betty Sue em Lexington havia se tornado. Logo depois da compra, outra irmã dele junto ao marido foram contratados para gerenciar a propriedade. O filho deles também entrou para a folha de pagamento. (Enquanto isso, Depp ainda dava apoio financeiro à ex-namorada Vanessa Paradis e aos filhos que os dois tiveram, Jack e Lily-Rose, na casa na França que ele comprou para a família.)

De acordo com Depp, depois de anos mantendo-o por fora do que estava acontecendo, Mandel comunicou que os gastos da família dele no Kentucky estavam fora de controle. Então Depp pediu um arquivo com todos os gastos dele. Estava sendo maquiado para um dos filmes Piratas do Caribe quando o documento chegou, e pediu que um assistente imprimisse. “Tem mais de 200 páginas”, o assistente avisou.

Depp ligou para Mandel e perguntou o que diabos estava acontecendo. “Minha irmã estava comprando bolsas para minha mãe, que estava de cama”, Depp relata. “Joias, isso, aquilo, tudo.”

Em 2013, Depp recebeu a notícia de que Betty Sue tinha câncer terminal. Ele a mudou para Los Angeles e alugou uma casa de US$ 30 mil por mês para ela, localizada suficientemente longe dele para que os dois pudessem coexistir. Betty Sue melhorou com o tratamento, e Depp informou os Mandel que o contrato podia ser encerrado e que Betty Sue podia voltar para o Kentucky. Mas as contas da casa continuaram a chegar porque, de acordo com Depp, os Mandel se esqueceram de cancelar o contrato. (A TMG informa que os irmãos simplesmente renegociaram a casa como havia sido pedido, o que dava ao locatário o direito de receber quatro meses de adiantamento.)

Betty Sue morreu em 2016. Pergunto se vendeu a fazenda, e ele me diz que sua família ainda mora lá. “Eles acham que vou cuidar deles para sempre e que agora aquela fazenda é deles”, conta. “Eu não fiz essa promessa.”

Então, pergunto o que me parece óbvio: por que ele simplesmente não pega o telefone, avisa a família e corta os cartões de crédito deles? Depp franze a sobrancelha e parece confuso. Ele está convencido de que isso era trabalho da TMG. “É para isso que eu os pagava.”

Ironicamente, os Mandel argumentam que nada teria feito Joel mais feliz que cortar os cartões de crédito da família, mas Johnny não conseguia tomar uma atitude. De volta ao meu hotel, olho para os papéis do processo. Na pilha de acusações contra os Mandel, não há nenhuma menção à fazenda no Kentucky.

O caso de Depp foca na alegação de que ele foi mantido às escuras até que fosse tarde demais, apesar do fato de que, além dele, a única pessoa que podia autorizar novos gastos era Christi. Os Mandel produziram uma série de e-mails e notas que minam o argumento do ator. Em 2008, Depp quis comprar uma casa adjacente à propriedade dele em Hollywood Hills. Mandel sugeriu que não era uma boa hora para comprar uma casa, mas que poderia acontecer se fossem feitos cortes de gastos. Depp respondeu: “Nós precisamos comprar essa casa”.

Ele simultaneamente puniu Mandel por mandar pacotes pesados com informações demais e expressou confusão completa sobre como suas finanças eram tocadas.

Havia mais sinais de que Depp sabia que sua situação era precária. Mandel escreveu novamente em 2008, no tempo da grande recessão, sobre suas deficiências financeiras. No mesmo e-mail em que insistiu para que a casa fosse comprada, ele disse que conversaria com seu agente, e com seu advogado, Bloom, para corrigir as coisas: “Vou ligar para Tracey e Jake e prepará-los para fazerem uns acordos malucos para encher a taça novamente e fazer essa porra transbordar”.

Uma pessoa da TMG recebeu a tarefa de tentar moderar os gastos de Depp em suas várias casas. Em janeiro de 2009, Depp contatou Mandel e exigiu que aquela pessoa fosse retirada da conta dele imediatamente, porque estava restringindo seus gastos. Mais tarde naquele ano, de acordo com anotações de Mandel colocadas como provas no processo, Mandel sugeriu que eles se encontrassem para discutir a situação financeira de Depp, que havia deteriorado ainda mais, porque o ator tinha tirado boa parte dos 12 meses anteriores de férias. Mas Christi ligou no dia seguinte e disse que Depp não queria conversar e sabia o que precisava ser feito.

De acordo com anotações de Mandel, Christi disse que “ele sabe que precisa trabalhar horrores” para manter seu estilo de vida e que queria que Mandel fizesse o que fosse necessário para ajudá-lo a passar por aquela situação.

Em novembro, Mandel e Christi falaram sobre um empréstimo de que Depp precisava até que ele recebesse por seu próximo filme. Christi respondeu que estava difícil fazer Depp assinar os papéis: “Ele saiu antes que eu conseguisse pegar a assinatura… sempre tinha alguém na sala e eu não consegui ficar sozinha com ele…”

Mandel mandou outro e-mail para Depp, pedindo que ele ficasse de olho em seus gastos na temporada de fim de ano. O ator respondeu em 7 de dezembro de 2009: “Querido Joel, primeiramente, obrigado pelo trabalho e por me

ajudar a passar por isso. Em segundo lugar, estou fazendo o meu melhor em relação aos gastos de fim de ano, mas há um limite para o que posso fazer, já que tenho de dar aos meus filhos e família o melhor Natal possível, obviamente com razão para isso. Mas sobre a questão do avião… não tenho muitas opções no momento. Um voo comercial com paparazzi seria uma porra de um pesadelo de proporções monumentais… O que mais posso fazer? Quer que venda umas obras de arte? Eu vendo. Quer que eu venda alguma outra coisa? Claro… O quê?”

Em janeiro de 2010, Mandel ainda estava pedindo que Depp assinasse o contrato do empréstimo. Disse a Christi que “estamos descobertos em quase US$ 4 milhões”. Então, ele assinou.

O ator era teimoso mesmo quando seus amigos tentavam salvá-lo dele mesmo. Em 2010, ele fundou a Unison Records, sua própria gravadora, mas por volta de 2014 o empreendimento tinha dado um prejuízo de algo entre US$ 4 ou 5 milhões. O amigo Bruce Witkin, presidente do selo, pediu desculpas pelas perdas e sugeriu que era hora de desistir do negócio, se dirigindo a Depp pelo apelido Baha. O ator escreveu de volta para Bwoosie (apelido de Witkin), dizendo a ele para continuar com a empreitada e que levou 20 anos até que o mundo o entendesse. O selo foi finalmente fechado um ano mais tarde.

Os gastos não mudaram à medida que ele foi ficando mais velho. Em 2012, Mandel marcou uma reunião com Depp e Bloom no complexo de Hollywood Hills, onde o ator tinha comprado cinco casas. O encontro foi deliberadamente planejado pelos irmãos Mandel para ocorrer no fim da tarde, quando Depp ainda estava com a cabeça no lugar. Joel Mandel apresentou a Depp um resumo de uma página de sua situação financeira e afirmou que alguma coisa precisava mudar ou o futuro financeiro do astro e de seus filhos estaria em perigo. Depp concordou a contragosto em vender seu iate, mas reclamaria sobre o fato até o fim do relacionamento com Mandel.

Essa reunião foi o começo do fim, embora a relação tenha continuado precariamente por mais três anos. De acordo com o processo iniciado pela TMG, em 2015 Joel Mandel fez outra tentativa de conversar com Depp sobre sua terrível situação, e o ator respondeu por texto: “Estou pronto para encarar as coisas, de qualquer jeito que seja preciso… Eu sei que há um jeito de tirar a gente desse buraco e estou determinado a fazê-lo”. As coisas não melhoraram. Em agosto de 2015, Joel disse à equipe de Depp que seria preciso haver novas regras para controlar os gastos com viagens e carros. Naquele mesmo ano, Joel e seus conselheiros disseram a Depp que ele precisava fazer dois filmes e vender a propriedade dele em Saint-Tropez, chamada Hameau, e que precisava fazê-lo rápido para pagar milhões em empréstimos que ele tinha feito para cobrir débitos anteriores. A mensagem conseguiu fisgar a atenção do astro. Depp respondeu perguntando se estava quebrado.

Ele parecia ter caído em si. Inicialmente concordou em vender a propriedade de Saint-Tropez, mas mudou de ideia depois de receber um telefonema da filha, Lily-Rose, implorando que ele não vendesse a casa onde ela passou a infância. Um Depp em conflito levou suas frustrações a Joel: “Escuta, você e eu vamos ter que sentar e você vai ter que me explicar essa merda porque eu não gosto de receber uma porra de uma ligação sua na última hora”, o astro lembra de ter dito.

Não era incomum Depp mandar mensagens de desculpas algumas horas depois de uma explosão. Ele titubeou em relação à Hameau, e a propriedade ficou pouco tempo à venda por US$ 13 milhões, preço que rapidamente subiu para US$ 27 milhões, um sinal de que Depp não tinha nenhuma pressa para vendê-la. Ele quebrou promessas de deixar a casa disponível para possíveis compradores. Na mesma época, comprou US$ 108 mil em ternos durante uma viagem para Singapura, de acordo com uma fonte que estava com ele. Em janeiro de 2016, Joel Mandel informou Christi que eles tinham dinheiro suficiente para 30 dias. Frustrado, o astro disse que queria revisar a situação de suas contas. Os Mandel não tinham nenhum problema com isso. Depp continuou dizendo que confiava em Joel Mandel, tendo mandado uma mensagem no final de fevereiro dizendo que nutria um grande amor por ele. Mas a comunicação cessou de repente. O ator encerrou o contrato com a TMG dez dias depois, em março de 2016, e deu-se início à batalha legal.

Nas nossas conversas em Londres, o complicado divórcio de Johnny Depp e Amber Heard, em 2016, é o assunto no qual não se ousa tocar, mas que está intrinsecamente ligado aos problemas de Depp. Antes de o ator conhecer Amber, a relação dele com as mulheres era publicamente cavalheiresca. Quando Penélope Cruz contou a Depp que estava grávida, logo antes do começo das filmagens do quarto longa da franquia Piratas do Caribe, ela se questionou se deveria abandonar o projeto. Depp disse a ela que essa ideia não tinha cabimento. “Ele me protegeu todos os dias e, ao final, eu estava com seis meses”, ela conta. “Nunca esquecerei disso.”

Depp e Amber se conheceram no set de Diário de um Jornalista Bêbado, uma estranha e malsucedida ode ao começo da carreira de Hunter S. Thompson. Christi aparentemente era contra o casamento, e essa oposição levou a um estremecimento do relacionamento dela com o irmão; então, a última conexão de Depp com o mundo real estava danificada. De acordo com o processo da TMG, ele gastou US$ 1 milhão no casamento, realizado na ilha dele nas Bahamas.

Em 20 de maio de 2016, a mãe de Depp morreu. Na noite seguinte, Amber teria ligado para iO Tillett Wright, artista e amigo do casal, e pedido que Wright ligasse para o 911. Wright mais tarde escreveu no site Refinery29: “Pude ouvir [Depp] dizendo ‘E se eu puxasse seu cabelo?’” O artista ligou para a polícia, e fotos de Amber com um hematoma no rosto foram divulgadas. Wright também escreveu: “Os relatos de violência começaram com um chute em um avião particular, então vieram empurrões e alguns socos, até que, em dezembro, ela descreveu um
ataque completo, tendo acordado e dado de cara com seu travesseiro coberto de sangue. Eu vi o lábio arrebentado e os tufos de cabelo no chão”.

Dois dias depois, ela entrou com o pedido de divórcio, às vésperas do funeral da mãe do ator. No meio do ano, o TMZ divulgou um vídeo mostrando Depp batendo portas de armários e servindo para si uma enorme taça de vinho tinto. Quando ele percebeu que Amber estava
filmando, pareceu pegar o telefone e quebrá- lo. O divórcio foi fi nalizado em agosto, e o casal divulgou uma carta conjunta que continha o trecho: “Nosso relacionamento era intensamente apaixonado e por vezes volátil, mas sempre fundamentado pelo amor. Nenhuma das partes fez declarações falsas em busca de vantagens financeiras. Nunca houve intenção de causar danos físicos ou emocionais”. 

Amber teria recebido um pagamento de US$ 7 milhões, que doou à caridade, e ambos assinaram acordos de confidencialidade. Antes de eu chegar a Londres, Waldman me informou que Depp não podia falar sobre Amber por causa desses acordos.

Mais tarde naquela noite, o ator me conta da profunda depressão na qual se encontrou ao ver sua vida pessoal e profissional ruír. 

“Eu estava tão para baixo quanto acho que era possível”, ele diz em uma voz morta. “O próximo passo era: ‘Você vai chegar a algum lugar com os olhos abertos e vai deixar esse lugar de olhos fechados’. Eu não conseguia aguentar a dor todos os dias.”

Ele saiu em turnê com o Hollywood Vampires e decidiu escrever uma biografia em uma máquina de escrever, como seu herói, Thompson.

“Servi uma dose de vodca pela manhã e comecei a escrever até que as lágrimas encheram meus olhos e não consegui mais enxergar”, conta. Depp seca os olhos com as mangas da camisa e continua seu monólogo. “Eu continuava tentando descobrir o que fiz para merecer isso. A verdade é o mais importante para mim. E ainda assim tudo isso aconteceu.”

Uma das questões centrais dos processos será a decisão da corte sobre se passar a Christi relatórios financeiros seria o mesmo que passá-los diretamente a Depp (tanto ela quanto o assistente Nathan Holmes ainda trabalham para Depp, sendo que a irmã comanda a produtora do ator, a Infinitum Nihil). A TMG submeteu para análise um e-mail no qual Christi diz a um associado de Mandel que não incomode seu irmão, porque ela era o “centro informacional” de Depp.

Parece que a estratégia de Depp é a clássica defesa usada em Hollywood: eu não estava prestando atenção, e as pessoas que supostamente estavam prestando atenção me roubaram. “Se apareciam coisas para eu assinar – e vira e mexe apareciam –, eu assinava assim”, diz Depp, fazendo mímica de quem assina um papel imaginário com a mão direita enquanto a cabeça se vira completamente para o lado esquerdo. “Eu não quero ver porque confio nessas pessoas.” Depois, faz uma careta: “Agora, olho diretamente para cada coisa que vou assinar”.

Depois da visita a Londres, consigo acesso a alguns dos acordos de empréstimos, incluindo um de mais de US$ 10 milhões. Os termos e o total do empréstimo estavam na página de sumário que ele assinou. Depp teria que ter assinado de olhos fechados para não ver.

Parece que a salvação de Johnny Depp vai ficar nas mãos de outras pessoas. Um delas quase parou antes mesmo de começar. Na noite de 28 de fevereiro de 2017, Janine Rayburn recebeu uma carta de Michael Kump, advogado da TMG: “Estou escrevendo para deixar uma cópia do acordo que você assinou com a TMG em 3 de dezembro de 2010…”

A carta não foi enviada aleatoriamente. Janine trabalhou como gerente de conta para a TMG e era responsável pelas finanças de Depp. Ela estava prestes a ser destituída do cargo por causa 
do processo. A carta de Kump era uma ameaça sutil, insinuando que se ela testemunhasse
iria violar o contrato que havia assinado com a TMG. 

Janine saiu do cargo dois dias mais tarde. Rapidamente, ficou claro que Kump queria aniquilar a possibilidade desse testemunho. Ela trabalhou com Depp entre 2008 e 2010, e viu coisas que afirma que não eram honestas. De acordo com seu depoimento, ela começou a ficar preocupada quando recebeu a missão de autenticar documentos sem Depp ou Christi estarem presentes – ato ilegal na Califórnia. Janine levou os documentos até o escritório de Joel Mandel e os colocou sobre a mesa dele. “Não posso fazer isso”, disse. 

Ainda segundo Janine, em uma ocasião Joel disse que Christi assinaria mais tarde, mas ela ainda assim se negou a fazer a autenticação previamente. (O advogado dos Mandel nega que isso tenha ocorrido e que eles faziam de tudo para conseguir a assinatura de Depp quando ele estava em sets.) No mesmo período, ela viu contas de Christi serem pagas com dinheiro dos fundos de Depp: o casamento da filha dela, aluguel e hipoteca. Ela diz que em duas ocasiões pediu que Christi explicasse os gastos aparentemente não autorizados. “Ele é meu irmão. O meu dinheiro é o dinheiro dele. O dinheiro dele é meu dinheiro”, Christi respondeu, segundo
o testemunho de Janine, que afirma ter questionado Mandel sobre a estranha situação, mas que ele não se importou.

Tentando provar as afirmações de que algumas das assinaturas de Depp eram duvidosas, Waldman me manda duas assinaturas do ator. Uma é de um empréstimo de 2010, supostamente realizada por Depp quando ele estava em outro continente. A assinatura é genérica e sem vida. Então, ele manda outra mais recente, mais extravagante. Elas se parecem superficialmente. O ator não concorda. Escreveu para Waldman: “Se alguém quisesse fazer PARECER com uma assinatura feita rapidamente, como é o caso da minha, mas, na verdade… parece executada com um cuidado estudioso, em vez de ter sido feita organicamente. O que estou dizendo é… essas ‘formas’ NÃO SAÍRAM DA MINHA MÃO!!!” Durante o testemunho de Janine Rayburn, um dos advogados de Depp perguntou se o astro estava a par do que acontecia com seus gastos. “Não acredito que Johnny estava ciente de sua situação financeira”, ela disse. “Não tenho conhecimento de declarações financeiras sendo enviadas a ele.”

Janine foi dispensada da TMG em 2010, recebendo a informação de que “não se encaixava”. Ainda assim, pediram que ela ficasse por mais três semanas para que pudesse treinar seu substituto. Desorientada com a demissão (pela qual recebeu US$ 40 mil de indenização), escreveu duas páginas de anotações envolvendo as experiências dela com Depp: “Joel diz:
JD está sempre bêbado, assina qualquer coisa”. (Os advogados de Mandel negam que ele tenha dito qualquer coisas sobre os hábitos alcoólicos de Depp.)

Os advogados do ator também divulgaram um e-mail de um empregado dele, relembrando uma vez em que Janine afirmou que Joel Mandel precisava confrontar Depp sobre sua situação financeira precária, mas ficou tão nervoso que “foi para casa com herpes”. Esse funcionário diz que um pagamento residual da Disney salvou Mandel de ter a conversa com
seu cliente. (Uma fonte próxima a Mandel afirma que ele nunca teve herpes.)

Os advogados de Mandel também foram atrás da credibilidade de Janine. Ela admitiu que apenas porque ela não sabia sobre Depp recebendo relatórios mensais não significa que eles não fossem enviados. Para colocar uma distância entre os dois, o advogado de Mandel fez com que ela confirmasse que só falou com Depp duas vezes, ambas sobre a conta dele no eBay. A equipe de Mandel também notou que ela não foi honesta sobre sua formação acadêmica (declarou que tinha um diploma de bacharelado em negócios, sendo que não tinha) e não fazia parte do time que regularmente falava com Depp sobre as finanças dele. Ainda assim, o depoimento de Janine deixou uma marca. 

O atraso crônico no pagamento de impostos do ator é uma mancha contra a TMG. “Eu não tinha a menor ideia”, declara o astro, em um dos poucos momentos em que parece genuinamente preocupado. “Se você sabidamente não está pagando impostos nos Estados Unidos, alguém vai aparecer com uma conta em mãos e você provavelmente vai parar na cadeia.”

Enquanto os irmãos Mandel dizem que era tudo por causa dos problemas de fluxo de caixa de Depp, Miriam Fisher, advogada especializada em impostos, sugere que a TMG tinha dois caminhos principais a seguir: arrumar as contas do cliente para que ele conseguisse pagar no prazo ou pegar dinheiro emprestado com alguma entidade comercial, em vez de usar o serviço de receita norte-americano como banco. “A TMG tinha um monte de opções e escolheu a pior delas: fazer do governo seu credor.”

A atenção ao processo de Depp jogou uma luz indesejada sobre a TMG, que sempre se manteve discreta. O The Wall Street Journal reportou em agosto de 2017 que agências do governo estavam nos estágios preliminares de investigar os Mandel por lavagem de dinheiro e fraude. (Os representantes dos irmãos estão convencidos de que foi Waldman que ligou para as agências; ele nega.) Não se sabe se essas investigações federais vão dar em algo, mas não há dúvida de quem os Mandel culpam por seus problemas: Johnny Depp.

No terceiro dia, voltei para o meu quarto de hotel para um banho quente e uma troca de roupas antes de retornar à mansão. “Você deveria ter simplesmente ficado aqui”, diz Depp.

Quando digo que precisava trocar de cueca, ele sorri.

“É por isso que sempre uso duas.”

Estamos todos bêbados de cansaço, mas alguns de nós estão apenas bêbados de álcool. Talvez seja a bebida e o haxixe, mas Depp parece feliz por simplesmente ter alguém com quem conversar, ainda que tenhamos esgotado tudo que havia em torno do caso dele. Alguém menciona que não suporta Oasis. É mais do que suficiente para fazer com que Depp passe 20 minutos afinando um violão antes de tocar alguns acordes de “Wonderwall”. Minha cabeça lateja, mas dá para perceber que o violão lhe traz conforto e o leva de volta aos dias de juventude, quando ele era um rapaz ingênuo e não no fim da linha: falido, isolado e a apenas um erro de distância de ser banido da indústria na qual trabalha. 

Ele fala sobre o começo de tudo, quando dividia um lugar barato com alguns companheiros em Los Angeles. Uma vez, depois de terminar a noite anterior em um hotel barato de Venice 
Beach, ele voltou para casa. Em 48 horas, todos estavam se coçando abaixo da cintura. Fizeram uma reunião: “Estamos todos nos coçando. Por quê?”

Depp raspou todos os pelos do corpo. Procurou chatos usando uma lupa. “Eles pareciam chatos-caranguejos, como se fossem do mar.” Ri um pouco. “Passei sarna para todo mundo”, ele diz, tirando sarro e dando outro trago em um cigarro. “Sabe o quão difícil é contar isso para seus companheiros de casa?”

Todo mundo ri, mas ele não acabou ainda.

“Meu roommate não podia falar muito. Ele era ladrão de bancos.” Digo que parece invenção, mas ele fala para eu pesquisar na internet.

“Era o bandido com rabo de cavalo. Só roubava bancos em Beverly Hills.”

Pego meu celular para pesquisar e, de fato, havia um “bandido com rabo de cavalo” na época. Depp confirma com a cabeça depois que mostro para ele o que encontrei.

“Eu te disse. Eu não minto.”

A noite se transforma em manhã. Uma neve fraca começa a cair no quintal da casa, um quintal no qual nenhum dos empregados de Depp pisou durante essa estadia.

Em abril, a equipe de advogados de Depp desistiu do caso e uma firma obscura de Orange County entrou no lugar. Três semanas mais tarde, Ben Chew, litigante-chefe de Depp, ressurgiu e assinou com Waldman. Somando-se à sua lista de problemas, os guarda-costas norte-americanos do ator estão processando-o por diferenças de valores em seus pagamentos, além de terem afirmado que tinham que alertar Depp sobre “substâncias ilegais visíveis no rosto e na pessoa dele” quando em público.

A chave da questão é Christi. Ela não deu nenhuma declaração pública sobre as disputas, e nenhuma das partes a acusou de nada. Mas o cerne da questão pode estar em quanto poder o ator deu a ela em relação às finanças dele.

Especialistas dizem que o processo pode custar milhões a Depp em taxas legais, e as chances de ele recuperar isso em um julgamento parecem duvidosas. Waldman jogou no ar teorias envolvendo bancos na Malásia, um superagente de Hollywood e investidores do Oriente Médio, mas nada foi comprovado – talvez ele o faça em julgamento. O astro passou o Natal na França, o inverno nas Bahamas e boa parte da primavera em Hollywood. Não vendeu Hameau nem nenhuma de suas outras propriedades. Não parece que vai ceder ou admitir a derrota.

“Eu nunca, nunca na minha vida fui o valentão tirânico”, diz. “Quando era criança, fui ensinado a nunca começar uma briga, mas se alguém invade a porra do seu mundo e começa a briga, você termina. Citando as exatas palavras da minha mãe: ‘Derrube-os com a porra de um tijolo’”.

Depp diz que a luta é por seus filhos, Jack e Lily-Rose, hoje modelo da Chanel.

“Meu filho teve que ouvir na escola sobre o velho dele perder todo o seu dinheiro. Isso não é certo.” Ele esfrega os olhos com as mãos manchadas de tabaco. Conta que um dos momentos em que mais sentiu orgulho na vida foi quando Jack contou que tinha começado uma banda e ele perguntou qual era o nome do grupo. “O garoto diz ‘Clown Boner’ [algo como “pau duro de palhaço”]”, diz, sorrindo. “Não precisamos de um teste de paternidade. Esse é meu filho.” Depp divaga sobre o que ele quer fazer quando os processos acabarem. Há um livro francês que ele quer adaptar para o cinema e dirigir. É sobre um homem que perde a esposa e passa a morar em um lar para idosos, ainda que esteja na casa dos 40 anos. 

“Chama-se Happier Days [Dias Mais Felizes]”, conta. (Não confunda com o documentário sobre Keith Richards que Depp está terminando, chamado provisoriamente Happy.)

Daí em diante, é um pulo para o debate sobre um remake de Titanic, filmado inteiramente em uma banheira. “Seria ótimo, mas Hollywood não se arrisca mais”, ele diz com um suspiro.

Quero ir para casa, mas me sinto relutante em ir embora. Um dos atores mais famosos do mundo está fumando maconha com um advogado e um jornalista, enquanto seu cozinheiro faz o jantar e seus seguranças assistem TV. Não tem ninguém que não esteja sendo pago para  estar lá. A luz começa a entrar pelas janelas. Waldman vai dormir. Ele tem um voo cedo para a Suíça, para esquiar com Oleg Deripaska. Vejo isso como uma brecha para ir embora.

Depp procura um segurança para chamar um táxi para mim, mas não tem resposta. Então, ele me acompanha até a saída. 

“Obrigado por vir”, diz. “Esse pode ser o seu Pulitzer.”

Pelos 15 minutos seguintes, Depp tenta entender como abrir os portões de sua mansão/fortaleza.

Aperta botões e empurra as cercas, mas nada acontece. É um garoto perdido que não consegue encontrar seu caminho antes do anoitecer. Finalmente, eu digo que posso pular a cerca. Subo e pulo. Pelas grades, nos despedimos. 

“Se cuida, cara.” Ele fica em silêncio por um momento. “Obrigado por ouvir.”

Então, ele se vira e anda em direção à sua prisão dourada e puxa a pesada porta da frente. Depois de um momento, ela bate atrás dele.

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