Como um bravo guerreiro, o músico ajudou a quebrar tabus enquanto a doença dizimava multidões
Mauro Ferreira, com reportagem de Lucas Borges
Publicado em 07/07/2015, às 11h26 - Atualizado às 18h16Cazuza foi um artista que encarou a aids e ajudou a quebrar tabus em uma época em que a doença dizimava multidões em todo o mundo, fazendo vítimas também no meio artístico brasileiro, como o cartunista Henfil (em 1988) e o ator Lauro Corona (em 1989). Além da bravura pessoal com que enfrentou duros tratamentos de combate ao vírus HIV, Cazuza usou sua obra na luta contra a aids. “Fora suas belas canções, o grande legado de Cazuza foi a coragem.
Ele mesmo dizia que, depois da descoberta da aids, parou de olhar para o próprio umbigo e passou a cantar o seu país”, conta Lucinha Araújo, mãe do artista. Ela administra há 25 anos a Sociedade Viva Cazuza, instituição aberta em 17 de outubro de 1990 para cuidar de crianças infectadas com o vírus da aids, para manter viva a memória de Cazuza e para lhe ajudar a suportar a dor da perda do filho único. A renda da obra autoral do artista é revertida para a Sociedade, que atualmente cuida de 20 crianças.
Embora já sofresse as consequências da infecção pelo HIV desde julho de 1985, quando precisou ser internado com febre incessante e convulsões, Cazuza somente teve seu diagnóstico confirmado em abril de 1987, quando já promovia seu segundo álbum solo, Só se For a Dois. Tinha 29 anos. Chorou no ombro do amigo Ezequiel Neves, lamentou sua sorte, mas seguiu em frente. Fez o show do novo disco até seguir para o primeiro tratamento, em Boston, nos Estados Unidos. A partir daí, foram sucessivas internações entre a cidade norte-americana e o Brasil. Cazuza encarava a morte e, diante desse quadro, nasceram músicas como “Ideologia” (do verso “Meu prazer agora é risco de vida”), “Boas Novas”, “Brasil” e “Blues da Piedade”. São músicas que o poeta gravaria em seu melhor disco, Ideologia (1988), criado sob os fortes efeitos colaterais do AZT, única droga até então usada no combate ao vírus HIV.
RS Brasil - Edição 87: Ney Matogrosso, um homem sexual.
Cazuza admitiu a aids na música (ainda que de forma cifrada) e na vida. “Ele ter assumido foi uma atitude muito corajosa. No fim dos anos 1980, o mundo era outro em relação a essa questão. A barra era pesada”, relata Roberto Frejat. Mas Cazuza enfrentou a barra e, embora cada vez mais fisicamente debilitado, fez turnê nacional com seu mais importante show, O Tempo Não Para, dirigido por Ney Matogrosso. Mesmo com as forças progressivamente minadas, o cantor fez aparições públicas até 2 de junho de 1990. Pouco mais de um mês depois, na manhã de 7 de julho de 1990, morreu na casa dos pais, cercado do amor e dos cuidados da família.
O ano de 2015 marca não apenas os 25 anos da morte de Cazuza mas também os mais de 30 anos do combate à aids no Brasil. “Os últimos dados se referem a até dezembro de 2013. Estimamos ter em torno de 720 mil pessoas com HIV no Brasil e, dessas, 150 mil não sabem”, afirma Fábio Mesquita, diretor do departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. “Segundo os dados mais recentes, compilados até o final de 2014, temos em tratamento mais de 400 mil pacientes.”
Apesar de intensas campanhas de combate à disseminação do vírus, Mesquita afirma que ainda há muito a ser feito. “O desafio está primeiro em fazer diagnósticos em quem tem HIV e não sabe. Por isso, fazer o teste é uma questão importante. Uma coisa que nos chama atenção atualmente é o crescimento do vírus entre a juventude. E tem as questões estruturais, como a homofobia, a transfobia, que são grandes no país – e a população de gays tem risco acrescido.” Existe ainda o problema da transmissão entre usuários de drogas injetáveis. “O Brasil tem uma política de drogas que trabalha muito mais a criminalização do que a questão da saúde.