Com quinto álbum, artista mantém estética futurista e sintética, para falar de um sentimento tão humano: o amor
Pedro Antunes Publicado em 21/09/2019, às 16h00
Céu, ali no palco, é retrô e futurista. O cenário é composto por retângulos em neon, os beats são disparados na mistura com as batidas das bateria de Pupillo. Orgânico e sintético. Futuro e ontem. Tudo isso inundado por amor, como se o sentimento fosse a água em uma banheira que transborda e ensopa o banheiro todo. No centro está a cantora paulistana e o disco novo dela, APKÁ!, lançado em 13 de setembro.
O Sesc Pompeia, em São Paulo, foi o primeiro palco a receber Céu, banda e APKÁ!, na quinta, 19, e sexta, 20. Sábado e domingo, ela se apresenta no Sesc Guarulhos.
APKÁ!, é na primeira audição, próximo a Tropix, aclamado disco da artista, lançado em 2016. Talvez "Off (Sad Siri)", faixa escolhida como a primeira do álbum, tenha justamente essa função de criar a transição entre um álbum e outro. Mas, ali mesmo na música, Céu mostra que APKÁ! não é Tropix 2, mesmo que Pupillo e o francês Hervé Salters repitam a parceria como produtores da artista.
Ela reúne em APKÁ! coração à tecnologia, à vida contemporânea e à Siri, o assistente pessoal da Apple usada nos aparelhos como iPhone e iPad.
Mas a Siri de Céu não está feliz, a voz ecoa melancólica, vagarosamente triste e desolada. "Preparei comandos sagazes para lhe trazer para mim, mas você foi tão chinfrim", canta Céu. Há um quê de Her aqui, o filme de Spike Jonze de 2014. Siri está largada, você está offline, resta ela a solidão de existir no nada.
A partir daí, Céu inicia sua ficção científica perturbadoramente real e palpável. Com "Coreto", ela volta às madrugadas a ouvir a programação da rádio Alpha FM, romântica e retrô até a última lantejoula.
"Eu sou a voz, que balançou o teu coreto", decreta a cantora, antes de entender que o amor entregue é mais do que recebe. "Teu coração, já nos provou não ter sustento pra suportar a erupção", diz outro verso. Ainda assim, ela permanece imutável, uma figura além do tempo, eternizada nas ondas de rádio de um programa que não se deixa envelhecer e mantém a mesma programação. A voz cantará todas as noites sobre um amor que talvez já tenha morrido.
Percebem o terror? Dá nó no estômago ouvir/ver Céu combater a máquina, a ficção, com as armas que tem. O amor, a voz e sua caneta. Céu, a compositora e a cantora, em uma figura só, é poderosa.
No palco, ela entrega uma voz deliciosamente contida e instigantemente gigante. Como se preparesse um golpe fatal. Explode em "Forçar o Verão", refrão eletro-debochado-rock no qual ela clama pelo fim do verão antes da hora. Sim, estamos falando de aquecimento global aqui, bolsonaristas de plantão.
Quando se entrega como intérprete, Céu que é uma das principais forças de uma geração de artistas mulheres pós-2000 a se estabelecerem como cantoras e compositoras é também é espetacular. Sua interpretação de "Pardo", de Caetano Veloso, tem ginga na medida correta.
A música, aliás, foi uma encomenda que ela fez a Caetano Veloso, como Céu contou, divertidamente, na apresentação no Sesc Pompeia, nesta sexta, 20.
Já "Make Sure Your Head Is Above" é uma composição de Fernando Almeida, o Dinho, vocalista da banda Boogarins, na primeira composição dele em inglês.
A cada canção, Céu trava o duelo entre o amor que ela esparrama, em um disco cujo nome foi dado com a palavra inventada pelo filho mais novo dela, Antonino, gritada quando ele estava satisfeito ou feliz. APKÁ!, escrito assim mesmo, com letras maiúsculas e exclamação.
Ela canta de algo muito próximo da gente, do que é real e o que é máquina. Os beats, que já acompanhava em Tropix, aqui têm uma nova utilidade, ao estabelecer esse universo eletrônico, de smartphones, inteligências artificiais, momentos online e offline, mensagens de texto, amores transformados em emojis.
E o faz com o amor dos mais profundos. Céu parece, no palco, no disco, explodir de amor e entrega. Na música na qual ela fala sobre o parto de Antonino, ela usa a expressão em inglês "charged", como se estivesse carregada, qual qual a bateria de um aparelho celular.
Dói a alma ouvir "Corpocontinente", uma das mais espetaculares composições de Céu. Ela faz do seu flow próprio uma abertura para às várias interpretações da música. Seus versos podem tratar da chegada de um filho ou o fim de uma relação. Sensações tão díspares unidas por um intervalo prolongado entre uma palavra e outra. Genial.
E nesse mundo desolado e sintético criado por APKÁ!, Céu combate o ódio com o amor - ainda bem. Precisamos de mais amor no Brasil de 2019.
Até passei a conversar com a Siri do meu iPhone, para evitar que ela entre nesse mesmo vazio. "Siri, você está bem?", pergunto agora. "Obrigada por perguntar. Estou bem", ela responde, com voz robótica. Ufa.
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