Relembre a trajetória do notório psicopata, que apavorou Hollywood no fim dos anos 1960
Paulo Cavalcanti Publicado em 12/11/2014, às 11h11 - Atualizado às 17h43
Ao chegar aos 80 anos, Charles Manson ainda é o criminoso mais conhecido de todos os tempos. Graças à ligação com a com a contracultura e com astros do rock, por um curto período de tempo ele também virou ícone pop, mas com um viés pervertido. Conforme escreveu o biógrafo Jeff Gunn na recém-lançada biografia Manson (Darkside), “Charles Manson era o cara errado no lugar certo e na hora certa”.
Galeria: como o cinema e a televisão retratam o maior psicopata vivo.
Nascido Charles Milles Madoxx, no dia 12 de novembro de 1934, em Cincinnati, Ohio, Manson (o sobrenome foi adotado do padrasto, William Manson) permaneceu toda a vida adulta, praticamente, encarcerado após ser condenado por crimes diversos. Quando foi libertado, em março de 1967, tinha 32 anos: era um sujeito semianalfabeto, ladrão de carros, cafetão e falsário. Ele foi parar em São Francisco e, lá, entrou de cabeça no nascente mundo da contracultura. Manson, um músico amador que conhecia preceitos da cientologia, falava com desenvoltura e possuía um intenso carisma. Logo formou uma comunidade de jovens desajustados e que tinham abandonado suas respectivas casas. O grupo era chamado de Família e essa turma vivia de pequenos golpes, comia restos de comida jogados fora pelos supermercados. A Família Manson escolheu como lar um lugar nos arredores de Los Angeles chamado Spahn Ranch, que tinha sido usado para filmagens, anteriormente.
No final de 1968, Dennis Wilson, baterista dos Beach Boys, deu carona para Ella Jo Bailey e Patricia Krenwinkel, duas integrantes da Família Manson. Ele as levou para a casa dele, no número 14400 da Sunset Boulevard. Foi assim que o músico ficou sabendo da existência de Charles Manson, que era chamado pelas garotas de “O Mago”. Na manhã seguinte, Wilson retornava para casa e viu que havia uma movimentação lá dentro. Manson e seu séquito tinham invadido o local. Quando chegou à porta, Dennis se deparou com Manson. Ele encontrou um homem de menos de 1 metro e 70, ligeiramente corcunda, barbudo e com o cabelo até os ombros. Com um olhar intenso, perturbador e hipnótico, o criminoso mais parecia um hippie saído de um filme gótico. Wilson perguntou ao invasor: “Você vai me machucar?”. E ele respondeu: “Eu tenho jeito que vou machucar você?”. Em seguida, se ajoelhou e beijou os pés de Wilson. O baterista perguntou: “Quem é você?” E Manson respondeu: “Um amigo”.
Charles Manson: o homem mais perigoso do mundo.
Wilson ficou chocado com os acontecimentos inesperados, mas não se chateou, tampouco se preocupou em chamar a polícia. A Família Manson era integrada por um grande número de garotas jovens e bonitas prontas para o sexo. Assim, o Beach Boy não se importou que Manson e seus parasitas morassem com ele por tempo indeterminado. No final, o músico tomou um prejuízo gigantesco: os “hóspedes” roubaram os discos de ouro dele, roupas caras e ainda estragaram seus carros. Wilson, então, acabou se cansando de Manson e companhia e conseguiu que eles fossem expulsos de sua mansão.
Fã dos Beatles, Manson queria ser astro do rock e achou em Dennis Wilson o instrumento perfeito para conseguir o que queria. Wilson começou a levar Manson para lugares badalados, como o lendário clube de LA Whisky a Go Go, e o apresentou para Neil Young e John Phillips (The Mamas and The Papas). Através de Wilson, Manson conheceu Terry Melcher , filho da atriz Doris Day e um dos mais bem sucedidos produtores musicais de Los Angeles. Melcher, a principio, se interessou em ouvir a música de Manson, mas logo percebeu que tinha em mais um psicopata e as negociações não progrediram. Manson nunca esqueceu da “traição” de Melcher e jurou se vingar dele. Manson conhecia o endereço de Melcher e sabia como entrar na casa dele burlando os alarmes. Porém, o produtor se mudou de lá e quem habitou a casa posteriormente foi a atriz Sharon Tate, que tinha 26 anos e estava grávida de quase nove meses do diretor de cinema Roman Polanski.
Dennis Wilson agendou para Manson algumas sessões de gravação no estúdio dos Beach Boys. Mas o psicopata não tinha nenhuma disciplina e o material não pode ser aproveitado. Os Beach Boys gravaram uma música dele, que originalmente se chamava “Cease to Exist”. Dennis Wilson modificou ligeiramente a letra e andamento e a canção foi gravada com o nome “Never Learn Not To Love”. Saiu no lado b de “Bluebirds Over The Mountain” e também foi incluída no álbum 20/20. O single não passou do 61º lugar, mas, pelo menos, Charles Manson tinha chegado até a parada de sucessos.
Charles Manson tinha teoria malucas sobre o destino da humanidade. Ele acreditava que os brancos e negros iriam entrar em uma guerra racial e acabariam se exterminando. Insistia que, depois do assassinato de Dr. Martin Luther King Jr., em 1968, este seria o caminho lógico. E somente ele, Manson, e sua Família, escondidos no deserto, sobreviveriam. Ao conceber esta teoria, misturava preceitos da Bíblia com as canções do White Album dos Beatles. Para ele, cada canção tinha um significado apocalíptico – tanto que batizou de “Helter Skelter” (uma das faixas mais contundentes do disco) o futuro e eminente conflito.
No dia 8 de agosto de 1969, Sharon Tate e seus amigos Jay Sebring (um famoso cabeleireiro de Hollywood), Wojciech Frykowski (ator polonês) e Abigail Folger (herdeira de uma marca de café e namorada de Frykowski) foram massacrados na mansão localizada no número 10050 da Cielo Drive. Foi um dos crimes mais sádicos e brutais do século 20. No dia seguinte, foi a vez de Leno LaBianca (empresário do ramo de supermercados) e sua esposa Rosemary, que foram brutalizados no número 3301 da Waverly Drive. Manson organizou e ordenou os dois assassinatos, mas ele não participou deles pessoalmente.
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Sharon Tate e amigos tiveram a infelicidade de serem mortos porque Manson sabia como entrar na casa onde ela morava. Já os LaBianca foram escolhidos aleatoriamente. Os assassinatos de Sharon Tate e amigos foram cometidos por Charles “Tex” Watson (braço direito de Manson), Patricia Krenwinkel e Susan Atkins – Linda Kasabian acompanhou os matadores, mas não participou diretamente do crime, permanecendo do lado de fora da casa. O casal LaBianca foi morto por Watson, Krenwinkel e Leslie Van Houten. Manson ficou eufórico: ele realmente achava que a polícia iria pensar que os massacres teriam sido executados pelos negros e assim a guerra racial começaria finalmente.
Nos locais dos crimes, a gangue de Manson escreveu com sangue “Healter Skelter” (sic), “Death to Pigs” e “Arise”. Os investigadores não sabiam que as expressões tinham sido retiradas de faixas do White Album. Demorou para a polícia montar o quebra-cabeça e enquadrar a turma de Manson. Foi graças ao trabalho diligente do promotor Vincent Bugliosi que os hippies assassinos foram parar atrás das grades. O livro Helter Skelter, de Bugliosi, se tornou um Best-seller instantâneo, além de ser leitura obrigatória para entender o caso.
O estrago tinha sido feito. Os Estados Unidos entraram em uma onda de pânico. Conforme declarou à Rolling Stone Brasil o fotógrafo de celebridades Julian Wasser, que clicou a cena do crime, “depois dos assassinatos cometidos pela família Manson, em 1969, tudo radicalizou. A paranoia ficou insuportável e a estrelas começaram se proteger dos fãs”.
A princípio, o pessoal da contracultura não acreditava que Charles Manson fosse um monstro assassino. Muitos jovens e intelectuais achavam que ele era um líder e visionário que tinha sido vítima dos conservadores, que inventaram tudo para criminalizá-lo de forma a diminuir o “poder jovem”. A Rolling Stone EUA deu bastante espaço para o caso Manson. O assassino foi capa da revista em junho de 1970, em uma das edições mais lembradas da RS EUA. David Felton e David Dalton tiveram acesso irrestrito a Manson, que aguardava julgamento. O assassino concordou em falar à vontade com a publicação, já que acreditava que a Rolling Stone “estava do seu lado”. Felton tinha coletado um material enorme e a matéria acabou sendo dividida em seis partes. Para cumprir o prazo, o publisher Jann S. Wenner não deu moleza para o repórter. Wenner trancou Felton na redação da revista, segundo este, “sem poder trocar de cueca e sem direito a pasta de dentes”. Ele só foi liberado depois de entregar o perfil, que virou referência sobre a vida de Manson.
Manson e sua gangue foram condenados à morte, mas a sentença foi comutada para prisão perpétua. Por muito tempo, ele foi uma espécie de celebridade do lado negro. Manson concedia várias entrevistas para a televisão norte-americana e nunca decepcionava ao encarnar o psicopata falastrão e exagerado, “vítima da sociedade”. O assassino foi retratado em inúmeros documentários. Os crimes cometidos por sua gangue também inspiraram vários filmes. Dois deles foram batizados (em inglês) de Helter Skelter. O primeiro, produzido em 1976, foi um filme campeão de audiência e chegou a ser exibido na TV brasileira sob o título de Os Crimes de Charles Manson. Steve Railsback estava no papel principal. Em 2004, Jeremy Davies interpretou Manson em uma nova versão do caso feita para a TV. Marcelo Games viveu o assassino na produção independente The Manson Family, uma mistura de ficção e documentário.
Muita gente ainda acreditava que ele tinha algum talento musical. As gravações caseiras que Manson fez entre 1967 a 1969 foram reunidas no álbum Lie: The Love and Terror Cult, lançado em 1970 de forma independente. Guns N’ Roses e Marilyn Manson (que escolheu o sobrenome para “homenagear” Charles) foram alguns dos que gravaram canções de Charles Manson. “Real Solution #9”, do White Zombie, foi inspirada nos assassinatos da Família Manson.
Já Dennis Wilson, responsável por ter “descoberto” Manson, foi aterrorizado pela sombra do psicopata por anos. Uma das condições para que desse entrevistas era que o assunto não fosse citado. Em certa ocasião, o músico comentou com um amigo: “Manson é um cuzão desprezível. Não tenho nada a ganhar falando sobre ele”.
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