Com nove canções curtas, Caravanas mostra o compositor em boa forma e fazendo observações sociais, mas se desviando de comentários políticos; dois netos do artista participam do álbum
Paulo Cavalcanti Publicado em 22/08/2017, às 12h37 - Atualizado em 23/08/2017, às 20h03
Caravanas, o novo disco de Chico Buarque, é tão leve e efêmero quanto uma nuvem de primavera. São nove canções curtinhas (sete delas são inéditas), nas quais o cantor e compositor louva a mulher amada e idealizada. Se você estava esperando um álbum inflamado e com matizes políticas, esqueça. Existe comentário social na faixa que dá nome ao trabalho, mas ele fica apenas no campo da observação, e não da crítica.
Em termos de som, Caravanas, que chega ao mercado na próxima sexta, 25, é basicamente acústico. Praticamente não se ouve guitarras nem sons mais pesados. E Chico está cantando muito bem, sem derrapar na afinação. O álbum abre com a já bem divulgada "Tua Cantiga", parceria de Chico com Cristovão Bastos. A faixa é conduzida por piano e tem uma ligeira percussão. É uma declaração incondicional e melancólica de amor, bem típica da obra do compositor. A levada sonora e o título de "Blues para Bia" já são autoexplicativos. A canção começa com um violão; depois tem piano e um breve interlúdio de metais remetendo a um som de cabaré. É dedicada a um garota indiferente, ou que não está interessada no sexo masculino. "Bia não quer saber. No coração de Bia, os meninos não têm lugar", Chico canta.
Na sequência vem "A Moça do Sonho", parceria com Edu Lobo. Esta canção já era conhecida, mas nunca foi registrada em disco oficialmente por Chico. Foi escrita em 2001 para a peça Cambaio, de João Falcão, e ficou mais conhecida na voz de Maria Bethânia. Nesta canção onírica, um violoncelo pontua a melodia. Na letra bastante inspirada, Chico fala de um bazar onde os sonhos vão se acomodar, um lugar onde os relógios rodam para trás.
"Jogo de Bola" é um sambinha sincopado, cheio de mudanças rítmicas, e que abriga outro tema recorrente na obra de Chico: o jogo de futebol para comentar a vida e o amor. É épico e grandioso o tom em "Massarandupió", parceria de Chico com o neto Chico Brown, filho de Helena Buarque e do cantor Carlinhos Brown. Falando de praias e meninices, a faixa segue em um crescendo enriquecido por um elaborado tom orquestral, ganhando, mais adiante, um pique de valsa.
Assim como "A Moça do Sonho", a delicada "Dueto", em que Chico canta com a neta Clara Buarque, não é uma canção nova. Ela foi composta para a peça O Rei de Ramos, de Dias Gomes, e lançada originalmente no LP Com Açúcar, com Afeto, de Nara Leão, em 1980. Piano, violão e acordeom pontuam esta valsinha francesa; na letra, Chico e Clara falam de amor e relacionamento, inclusive contextualizando os tempos atuais, citando Google, Facebook, Instagram, Twitter e Skype. O resultado é meio desajeitado, mas tem lá seu charme. Já no bolero "Casualmente", nada de novo. Parceria com o baixista Jorge Helder, a canção tem alguns versos em espanhol e trata-se de mais um lamento amoroso latino-americano, algo que aparece com frequência no cancioneiro de Chico.
Conduzido por piano e violão, "Desaforos" é um samba-canção das antigas sobre fofocas e desavenças amorosas, em que o narrador lamenta que a pessoa amada fale mal dele pelas costas. "Caravanas", que fecha o disco, trata da confusão social do Rio de Janeiro e também faz uma analogia com os refugiados muçulmanos que rumam à Europa. O mote principal é o conflito existente entre a polícia e os garotas das favelas e subúrbios que usam ônibus como os da linha 474, se deslocando para as praias da Zona Sul. "A culpa deve ser do sol que embaça os olhos e a razão", canta o dono do disco. Violoncelo e uma arranjo hipnótico dão um clima vigoroso à faixa.
Caravanas, o álbum, não tem polêmicas ou grandes inovações, mas fica marcado como mais um item sólido na vasta discografia de Chico Buarque.
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