Chico César segue questionando -

Chico César canta sobre sentimentos particulares e coletivos em Estado de Poesia

Em disco de inéditas, o músico reflete sobre a cidade de São Paulo e o retorno à Paraíba

Antônio do Amaral Rocha Publicado em 07/09/2015, às 10h22 - Atualizado em 08/09/2015, às 18h46

Em seu novo álbum, Estado de Poesia, Chico César mostra uma fina compreensão acerca das mazelas do Brasil. O veterano artista canta sobre o país com uma voz única, mas se espelha em Bob Dylan em uma canção que repercutiu nos movimentos sociais.

Emicida exalta a cultura negra em disco com mensagem acessível e extremamente relevante.

“Estado de poesia” é um estado alterado de consciência?

É um estado de percepção alterada de dentro para fora, pela afetividade. E isso tem muito a ver com o fato de eu ter estado no meu lugar geopolítico [Paraíba], onde eu nasci, e ter voltado a entrar em contato com aqueles elementos que me são primordiais, depois de 25 anos vivendo em São Paulo. Para exacerbar essa alteração, me apaixonei por uma moça de lá, a Bárbara, e isso tudo ficou muito mexido.

Então o disco é uma declaração de amor?

O que eu chamo de lado A tem mais essa coisa do amor pessoal. No lado B há uma presença mais forte do ritmo e de um amor mais social, coletivo.

“Reis do Agronegócio” entra neste segundo lado?

A matriz é Bob Dylan, mas tem também o repente nordestino. Eu tinha dois caminhos: um deles era uma cantoria à la Elomar, barroca; a outra, à la Bob Dylan. Comecei a fazer como Elomar, mas eu notei que um certo barroquismo na harmonia e na melodia iria atrapalhar o que estava sendo dito. Concluí que tinha que me agarrar nessa coisa do Dylan do começo, de 1963. A faixa não estava no disco, que já estava mixado. Toquei a música para os sem-teto aqui em São Paulo e para os índios acampados em Brasília. Começaram a pipocar versões na internet e pensei: é tão difícil lançar um disco e uma canção agradar espontaneamente. Ela é importante para o momento

e entrou como bônus.

“No Sumaré” remete ao universo de Adoniran Barbosa.

A história dessa música aconteceu mesmo. Vieram dois caras morar na praça, um deles era travesti. Arrumaram o lugar, fizeram um jardinzinho. Um belo dia, onde tinha a barraca dos caras não havia mais nada. Disseram que um morador [do bairro] os expulsou de lá.

Você sempre morou neste bairro?

Quando eu cheguei a São Paulo eu fiquei amigo das meninas das “Orquídeas do Brasil” [banda que acompanhava Itamar Assunção] que moravam por aqui. Depois fui morar em outro bairro. Posteriormente, comprei uma casa na Pompéia e morei lá um tempão. Quando voltei à Paraíba deixei morando na casa o Michi Ruztitschka, o austríaco que veio a produzir este disco comigo.

Você ainda não entendeu a mensagem de Cores & Valores? A detenção de Mano Brown é o exemplo perfeito.

Viver em São Paulo influenciou a sua música?

Sim, de certa forma. Mas nunca desejei ficar nesse nicho da vanguarda. Eu queria me comunicar, queria que as pessoas cantassem a minha música mais do que queria que me admirassem. Acho que eu faço um tipo de música mais para celebrar, para as pessoas cantarem junto.

A música “Maiêro” é assumidamente uma canção cabo-verdiana, a morna, algo de Cesária Evora.

Tem sim a ver com a música de Cabo Verde. Muita gente não vê direto por aí e acham que é um bolero, mas não é. E eu fiz depois que eu vi o primeiro show de Mayra Andrade [cantora de cabo Verde, radicada na França], aqui em São Paulo e eu fiquei impressionado com o universo dela que é tão parecido com o nosso e, ao mesmo tempo, tão diferente. Durante muito tempo eu tive uma intuição de me aproximar da música africana, mas não havia ainda encontrado algo tão perto quanto a música de Cabo Verde.

O pensamento conservador e o preconceito têm aparecido bastante no Brasil atualmente e as redes sociais estão permitindo que isso venha a público. Você, Emicida e Mano Brown são alguns dos que falam a respeito.

O que eu acho é que essa geração mais velha que viveu o tempo da ditadura militar e depois o Congresso só com dois partidos, o MDB e a Arena, aquela coisa de uma oposição autorizada e consentida. Nesse tempo a sociedade explodia nas artes. Tinha o Opinião, a Arena, os movimentos, o pessoal da bossa nova virando música de protesto, os nordestinos trazendo uma coisa mais dura, os tropicalistas voltando da Europa trazendo inquietações. E quando se tem uma normalização, uma normalidade democrática, onde os partidos funcionam, os sindicatos estão livres, daí a própria sociedade ocupa o seu lugar e a arte segue o seu caminho dentro de uma normalidade também. Ela deixa de ser porta-voz porque há partidos para todos os gostos, os artistas de certa classe média, de certa MPB, entre aspas, não precisam mais falar pelo povo, porque o povo já tem os seus próprios porta-vozes. Tem o Emicida, antes já tinha o Mano Brown, já tem escritores como Ferrez, então a favela, que hoje chamam comunidade, já fala por si só. Hoje o protagonismo está em todos os lugares e esse protagonismo traz até um protagonismo de direita, conservador. Eu acho que, como a gente desejou a democracia, a gente lutou por ela, então estas manifestações de direita são, vamos dizer assim, a radicalização da democracia. É curioso, mas a democracia é tão radical que ela permite a liberdade de expressão de quem é contra essa liberdade. A impressão que eu tenho é de que a sociedade está madura. Ela vai saber fazer um balanço e o que resultar disso será a verdade da nossa época.

Criolo mostra amadurecimento e imersão na música brasileira em Convoque Seu Buda; ouça o disco.

São Paulo permite a existência de vozes como Emicida, Mano Brown, Ferrez pelo fato de a cidade ser um caldeirão de ideias?

Acho que o Brasil inteiro é um caldeirão, mas aqui é um lugar em que o trabalho permite um raciocínio, uma reflexão sobre ele mesmo, não que isso não aconteça em outros lugares, mas a coisa aqui é projetada. Eu acho que em um país onde você tem, vivendo na mesma época, Lirinha, Mano Brown, Emicida, Vitor Ramil, é de uma riqueza muito grande. E aqueles grandes nomes que já estão nas faixa dos 70 anos, ainda estão vivos e colaborando, participando e criando.

entrevista show musica emicida Bob Dylan Mano Brown Chico Cesar estado de poesia

Leia também

Morre Andy Paley, compositor da trilha sonora de Bob Esponja, aos 72 anos


Viola Davis receberá o prêmio Cecil B. DeMille do Globo de Ouro


Jeff Goldblum toca música de Wicked no piano em estação de trem de Londres


Jaqueta de couro usada por Olivia Newton-John em Grease será leiloada


Anne Hathaway estrelará adaptação cinematográfica de Verity de Colleen Hoover


Selena Gomez fala sobre esconder sua identidade antes das audições