Um dos maiores nomes da comédia stand-up, Chris Rock comenta o amor pelo rap, política e por que decidiu tentar mais uma vez a sorte nos cinemas. - Peter Hapak

Chris Rock comenta o amor pelo rap, política e por que decidiu tentar mais uma vez a sorte nos cinemas

Um dos maiores nomes da comédia stand-up, ele é ator-roteirista-diretor em Top Five

Brian Hiatt | Tradução: Ana Ban Publicado em 11/04/2015, às 11h10

Como Chris Rock seria o primeiro a dizer o brilhantismo da comédia stand-up não se traduz necessariamente em sucesso no cinema. No palco, Rock, de 50 anos, é um virtuoso cujo maior desafio é se equiparar à sua própria lenda; na tela grande, ele é o ator coadjuvante atrás de Adam Sandler ou, no máximo, um dublador carismático de filmes de animação. “Richard Pryor tem dois bons filmes entre 30 ou 40”, Rock diz. “Rodney Dangerfield teve um. Então, é fácil olhar para o passado e pensar: ‘Talvez eu não consiga sequer um." Ele faz uma pausa. “Mas acho que você tem que traçar sua própria história.” Rock, fã fervoroso de Woody Allen, fez uma última tentativa de ser ator-roteirista-diretor com Top Five (sem título e previsão de estreia no Brasil), uma crônica hilária de um dia na vida de um comediante muito famoso e muito pessimista, que não tem muito a ver com Chris Rock. É a terceira vez dele como diretor – antes, vieram Um Pobretão na Casa Branca, de 2003, e Acho que Amo Minha Mulher, longa subestimado de 2007.

O artista chega sozinho – sem assistente, sem assessor – para o almoço em uma tarde no começo de novembro no Meatpacking District, em Nova York, e tira das orelhas os fones em que estava ouvindo LCD Soundsystem bem alto; ele ainda usa um iPod. “A música usa parte da bateria do telefone”, ele explica. “Deus me livre se alguém tentar me matar e eu não puder dar um telefonema para pedir ajuda porque estava escutando Ja Rule.” Ele tem muito menos dificuldade com interação humana do que alguns de seus colegas de profissão: em uma conversa, logo se torna caloroso e convidativo, tão engraçado quanto você esperaria que ele fosse. Ainda assim, enquanto vai falando da vida, do trabalho, de política e do amor pelo hip-hop, Rock de vez em quando escorrega para o grito de pregador de sua persona nos palcos – um som conhecido o suficiente para fazer cabeças se virarem em todas as mesas próximas.

Ser roteirista e diretor era uma grande ambição para você?

Não é uma ambição fundamental. Mas quem está fazendo filmes assim? Se alguém me entregasse algo como Top Five, eu fi caria mais do que contente de participar como ator [risos]. Mas, se você é um comediante negro, é o seguinte: “Que versão de Um Tira da Pesada você pode fazer?” Aliás, se alguém quisesse me chamar para fazer um desses filmes, eu também faria. Mas tenho gosto artístico, e isso é ótimo e, ao mesmo tempo, não é. Eu preferiria trabalhar com Wes Anderson, mas não sou parecido com Owen Wilson. Eu adoraria trabalhar com Alexander Payne e Richard Linklater. Mas, na verdade, eles não fazem muitos filmes com negros. Então, você tem que fazer os seus próprios filmes. E os filmes negros de substância costumam ser sobre direitos civis.

Já recusou papéis nesses filmes?

Já. Vamos colocar da seguinte maneira: não quero participar de nada que tenha acontecido antes do Jackson 5. Qualquer coisa antes disso só fala da miséria dos negros. Tudo antes do Jackson 5 é essencialmente escravidão ou bem perto disso. Até onde me diz respeito, Michael, Marlon, Tito, Jermaine e Jackie acabaram com a escravidão.

Você cresceu frequentando uma escola de brancos, onde passou por agressões raciais constantes. Ficou difícil confiar nas pessoas depois disso?

Quer saber? Mesmo naquela tristeza toda, sempre tinha aquele Brad Pitt, aquele branco de Doze Anos de Escravidão que era legal [risos]. Mas é estranho. Na minha família, o irmão mais velho era integrante do [grupo religioso] Five-Percent Nation, alguns dos meus irmãos menores durante um tempo foram Israelitas Negros (não são mais). Então, existia uma nuvem de ódio ao meu redor, mas ser um garoto artístico meio que mudou isso. É difícil se irritar com qualquer grupo específico de pessoas quando se é artista.

Você disse que perder seu pai aos 23 anos te deixou um cara frio.

Não sei se “frio” é a palavra certa. É só que, quando você sabe que as pessoas morrem, é difícil se sentir emotivo em relação a qualquer coisa. Como aquela cena em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, em que Woody [Allen] está no psiquiatra falando sobre como o universo está se expandindo e todos nós vamos morrer – então, de que adianta, porra? E tem algo na morte do seu pai que faz você pensar: “De que adianta esta merda toda? De que adianta fazer esta prova na escola?”

O seu amor por hip-hop está muito presente em Top Five. Você algum dia tentou a sério fazer rap?

Tentei. Consegui um contrato na Atlantic, ou em uma subsidiária da gravadora. Existem demos comigo fazendo rap por aí. Foi muito antes de eu me tornar comediante [risos]!

Uma pessoa como Chuck D diria que há necessidade de mais consciência histórica entre os fãs de hip-hop, que não é correto os Rolling Stones poderem tocar em estádios e o Public Enemy não.

Os Stones podem tocar em estádios porque têm músicas que não são baseadas em referências que você precisa ter vivido. Eu adoro Public Enemy, mas eles não têm “You Can’t Always Get What You Want”. Sinceramente, Kanye West vai ser mais capaz de tocar em estádios do que Jay Z, porque existe uma vulnerabilidade e uma coisa emocional que acontece na música dele que não acontece na maior parte do rap. Eu adoro rap, mas rap é igual a comédia: perde a validade. A comédia perde a validade. Trocando as Bolas é um filme perfeito, inacreditavelmente bom. Mas há outras comédias, nem de longe tão antigas quanto Trocando as Bolas, que só têm referências que não são mais engraçadas cinco anos depois. O rap tem muito disso.

A história de como você começou a fazer comédia stand-up é uma loucura – você pegou endereços de clubes de comédia no jornal, foi lá, subiu ao palco naquela mesma noite e matou a pau com piadas que tinha escrito na hora. Como isso foi possível?

Eu tinha visto Richard Pryor, Eddie Murphy, Bill Cosby e Rodney Dangerfield. Nas primeiras 15 vezes que eu subi ao palco, arrasei, arranquei gargalhadas de verdade. Daí eu fiquei um pouco convencido e passei os quatro anos seguintes sem conseguir nenhuma risada.

Foi Eddie Murphy que ensinou você que era preciso estudar essas coisas?

Assim que me tornei profissional, eu percebi que precisava estudar um pouco. Eddie me fez gostar de Cosby. Quando criança, você pode pensar que ele é cafona. Eddie falava: “Não, você não pode desprezar. Isso está entre as melhores coisas que ele já fez”.

Você acompanha política de perto?

Eu meio que sempre sei um pouco do que está acontecendo. Se eu soubesse mais sobre atualidades, provavelmente não iria falar a respeito. Será que eu quero mesmo falar sobre Tim Geithner? Não, eu daria um tiro na minha própria cabeça.

Você tem uma avaliação sobre Obama neste ponto do mandato dele?

Acho que ele foi bem. Só que, bom, eu não sei quem era o segundo marido da Tina Turner, mas ele era melhor do que Ike. Certo? Talvez tivesse falhas, talvez tenha perdido o emprego ou qualquer coisa assim, mas era melhor do que Ike.

Uma vez você disse que Nostradamus não foi capaz de ver o fim do racismo nos Estados Unidos.

Nós nunca vamos ver o fim do racismo per se. Mas Obama é como a vacina da pólio do racismo – as pessoas ainda pegam pólio e morrem, mas existe uma vacina.

Como o fato de ter filhas afeta a maneira como você analisa as questões relacionadas às mulheres?

Como isso afeta a maneira como eu penso nas mulheres? As pessoas sempre querem saber como o mundo seria se o país fosse comandado por mulheres – é só perguntar para uma pessoa negra. Nós vivemos em uma sociedade matriarcal. Pode ir a uma igreja negra. Vão passar o tempo todo falando coisas ruins sobre os homens. Mas você nunca vai escutar: “As mulheres precisam tomar uma atitude”. Não, é só: “Vocês são a melhor coisa que já caminhou sobre a Terra”.

Então, a igualdade feminina sempre foi um fato consumado para você?

Eu sou de Bedford-Stuyvesant [bairro negro do Brooklyn, em Nova York]. Lá, as mulheres se dão melhor do que os homens. Meu pai era caminhoneiro, minha mãe era professora. A vida da minha mãe era mais fácil do que a do meu pai. Qualquer menina com quem eu saísse tinha a vida mais fácil do que a minha. Elas não eram paradas por policiais nem jogadas em filas de identificação nem nada disso. Não estou dizendo que não existem problemas. Quero dizer, acho uma merda não ter nenhuma mulher fazendo um talk show no horário nobre da TV – não consigo entender como Chelsea Handler não consegue um emprego desses. Mas, quando você está falando com um negro... as negras estão acima de você, as brancas estão acima de você.

Dois dos seus maiores heróis – Bill Cosby e Woody Allen – receberam acusações pesadas. Como você processa isso?

É difícil, cara. Você separa o trabalho da coisa e diz: “Eu realmente não sei o que aconteceu”. Com Woody, eu não sei mesmo. Sabe, tenho filhas – não quero que ninguém chame a minha filha de mentirosa nem nada assim. A única coisa que posso dizer é que nunca vi alguém ser acusado de algo assim só uma vez.

Uma das coisas que você defende de que eu mais gosto é que a vida não é curta – é longa. Principalmente quando se toma as decisões erradas.

É longa, cara! As pessoas choram quando pegam cinco anos de prisão. Choram! Homens crescidos. Cinco anos é muito tempo.

Então, você tomou as decisões certas?

Acho que eu pisei na bola tanto quanto qualquer pessoa. Mas tive sorte suficiente por não repetir más decisões – isso é fundamental. Por exemplo, não vou cometer os mesmos erros que cometi nos meus outros filmes. A vida fica longa porque você fica fazendo a mesma merda.

A receita de rock

O comediante pode não ser sempre bem-sucedido nas telonas, mas se mantém como unanimidade nos palcos

Chris Rock é visto como um dos grandes nomes do stand- -up, e, como consequência, cada nova turnê que ele decide fazer gera uma enorme expectativa. Segundo o comediante, isso não é um problema. “Você só precisa se esforçar. Tem de entrar no clube e não se sentir à vontade, tem de ir sozinho”, afirma. “O problema com a maior parte dos comediantes, a razão pela qual costumam ficar ruins na minha idade – não ruins, mas a maior parte dos caras da minha idade está fazendo filmes infantis e coisas de família – é o entorno. Eu não tenho ninguém. Um comediante tem que viver na própria cabeça, tem de ficar sozinho.” Rock, que criou a série Todo Mundo Odeia o Chris, sucesso no Brasil, baseando-se na própria adolescência, costuma ter sempre alguém da família por perto. Isso, para ele, não afeta essa necessidade básica de solidão para se criar comédia. “É diferente – eu posso ir ao clube de comédia sozinho. Toda comédia vem de um lugar solitário – você não pode ouvir o que está acontecendo na sua cabeça se sempre tiver um monte de gente em volta.”

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