O livro lançado em 2020 se apresenta enquanto uma obra urgente cujas entrelinhas trazem reflexões necessárias sobre o homem negro
Camilla Millan I @camillamillan Publicado em 11/03/2021, às 07h00
“É para falar sobre a sensibilidade do homem negro. A frase parece paradoxa. O homem negro é historicamente tão animalizado que dizer sobre a sensibilidade dele parece estranho, e isso é violento. Minha proposta é lutar contra essa violência de pensamento,” disse Stefano Volp, autor de Homens pretos (não) choram, na última sexta, 5 de março, à Rolling Stone Brasil.
Lançado em 2020, o livro de Volp é composto por sete crônicas, e carrega incontáveis arquétipos e histórias que possibilitam uma reflexão sobre masculinidade e negritude de uma forma inédita: por meio da ficção.
É um livro urgente - e fala sobre o que incomoda. Ato de resistência pelo simples fato de ser publicado, Homens pretos (não) choram tem exatas 169 páginas, mas passa de três volumes quando prestamos atenção nas entrelinhas.
“É um livro político,” explica Stefano Volp. “Histórias políticas, corpos políticos. Se estivéssemos em uma ditadura, o livro seria proibido. Toca em aspectos que as pessoas não querem falar.”
Justamente por ser um assunto de difícil discussão, Stefano Volp fez questão de falar. E o resultado? Uma obra comovente que contesta estereótipos na vida dos homens negros, fala sobre relações homoafetivas, questões familiares e pessoas. Além disso, é um incentivo para olhar a negritude a partir de outra perspectiva: da vulnerabilidade. Sim, homens pretos podem chorar.
Nascido em Vitória, no Espírito Santo, Volp já sabia ler com três anos. Cresceu na baixada fluminense, em Duque de Caxias, formou-se em jornalismo e alimentou um grande desejo de trabalhar com as palavras. O artista vê na literatura a salvação da própria vida, mas sabe que não é fácil.
Mesmo apaixonado pela arte de escrever, Stefano Volp não nega a dificuldade do escritor em se sustentar. Em 2020, em meio à pandemia de Covid-19, o autor de 30 anos se viu em questionamento, preocupado com a carreira e em como se reinventar - e foi aí que Homens pretos (não) choram, 4º livro de ficção de Volp, nasceu.
Sem dinheiro para a publicação, o autor iniciou um financiamento coletivo - e deu tão certo que ultrapassou a meta inicial. Mais do que um meio para tornar o livro possível, a contribuição financeira faz parte da obra, e tem um grande significado.
“Não é um livro comum,” explica Volp, cuja dedicatória na obra foi para as pessoas que se foram devido à pandemia e as que ajudaram a financiar. “Se não acreditassem no poder do coletivo, o livro não existiria. No momento que a gente se une e acredita no projeto do outro, muitas coisas legais surgem.”
Pelo esforço coletivo, as crônicas sensíveis do autor chegaram a muitas pessoas - e devem continuar a viajar pelo país. Com levas esgotadas, Volp precisa encomendar mais unidades para comercializar - e o sucesso não é uma coincidência. A obra faz os leitores se identificarem, e escancara as fragilidades.
Em tempos de redes sociais, a vulnerabilidade costuma ser deixada de lado para dar espaço às fachadas, mas Homens pretos (não) choram é o contrário. O livro revela a sensibilidade e diversidade do homem negro - e para isso, Stefano Volp teve que expor as próprias dores.
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No início da carreira, Volp tinha medo de ser descoberto na própria escrita, mas hoje não pensa mais assim: “Quanto mais vulnerável a gente é, mais as pessoas se identificam com as nossas dores e vivências,” explicou. Mesmo assim, não foi um processo fácil.
“Somos ensinados a reter emoções para parecer que estamos bem, sendo apenas provedores ou heróis, e isso é prejudicial porque ninguém é assim. Foi muito difícil aceitar a minha exposição no livro. Tem muitas coisas de mim nele, mas o legal é que não é sobre mim. As pessoas se identificam porque dores são coletivas, são muito parecidas,” disse.
Após o lançamento e as respostas dos leitores, o autor percebeu se tratar de um livro “para todas as pessoas” porque as dores retratadas na obra são coletivas, e vão além dos homens negros.
“Mulheres também têm lido e se identificado. Toda mulher teve um homem na criação, seja um pai, amigo, filho. Alguém cuja história passa por alguma das questões que estão no livro,” refletiu Volp.
Realmente, na era das redes sociais, a obra vai à contramão. Um movimento “paradoxo”, nas palavras de Volp, já que vivemos um momento no qual há um grande esforço pelo like. Para além da identificação, o autor pretende inspirar as pessoas, por meio da vulnerabilidade, a perceberem a presença de uma vida offline. “Estou falando de se autoconhecer e autodescobrir.”
Para propor introspecção e descoberta pessoal, Volp escreveu sete crônicas impactantes em um processo de “torcer a alma”, na fala do autor, para colocar nas páginas - e além do financiamento ser coletivo, a produção também aconteceu em grupo. O escritor contou com uma equipe de mulheres para a montagem do livro, preparação, revisão e outras diversas etapas.
Mais do que escrever, a escolha das ordens das crônicas foi um trabalho à parte - e pensado estrategicamente para criar uma curva emocional. As histórias, em conjunto com as ilustrações escolhidas a dedo pelo autor, evidenciam a sensibilidade do conteúdo.
Assim, a obra começa com a impactante falta de lágrimas de Heleno em “Seco”, seguindo para a comovente narrativa de Ubaldo em “meia-noite” e a viagem de metrô do poeta em “Bilola”. Em seguida, vem o romance de “barba”, a história intensa de “dona tagarela”, o jovem Wagner em “sabonete” e, para finalizar, a emocionante “pio”.
Cada crônica tem uma particularidade, nuances e entrelinhas gritantes, mas Volp cita “meia-noite” como a que mais se identifica. Nessa história, há um elemento vivido pelo autor quando criança: “Não consigo nem ler, porque me emociono,” admitiu.
Mesmo com o grande impacto emocional na obra, as histórias foram organizadas de forma a não ficar pesado. A leitura fica leve, mesmo que o conteúdo seja de muita comoção.
Apesar de ter o desejo de lançar livros famosos, Volp não imaginava a repercussão de Homens pretos (não) choram. O livro se tornou bastante relevante desde a estreia - e recebeu indicações de grandes nomes da cultura e da pesquisa. Emicida e Djamilla Ribeiro são alguns exemplos.
O escritor comentou: “Sempre sonhei com esse reconhecimento, mas quando acontece é outra coisa. Todos os meus estoques se foram, pedi uma nova leva, mas já bateu. É uma repercussão muito de verdade, pude ver em números.”
Volp também gostou do retorno que recebeu dos leitores, e se emocionou com alguns: “Um cara me contou que ele leu a primeira crônica ["Seco"] para o pai. Ele estava no hospital acamado e o cara escolheu essa situação para ler a crônica para o homem que ele nunca viu chorar. O pai dele se emocionou e foi um momento único deles. É sobre isso.”
No entanto, o autor não vê o livro apenas como um lançamento de sucesso, mas um marco pessoal e profissional: “Escrever um livro não é fácil, ainda mais num ano caótico. Perdi meu pai em dezembro de 2020, e foi o primeiro livro que escrevi dedicado para ele nos agradecimentos, mas ele nunca teve a oportunidade de ver o meu livro pronto.”
“Eu gosto do livro, disse impacto que eu senti de ‘poxa, meu pai não viu, mas ele se sentiria orgulhoso desse trabalho’. E agora ver homens negros que não choravam chorando ao ler o livro é muito significativo pra mim. É ver as lágrimas que eu também não vi nos olhos do meu pai. E agora vejo nos olhos de outras pessoas.”
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