Definitivamente existencialista, quarto álbum da banda paulistana retrata momento de maturidade, com despedidas, novas chegadas e arranjos de cordas
Pedro Antunes Publicado em 23/04/2019, às 18h01
Entre despedidas e novas chegadas, Tim Bernardes encontrou seu baú de canções completamente vazio. Um nada que não era bom nem ruim. A vida do Tim, mais perto dos 30 anos do que dos 20, estava em transformação.
Ele não era mais aquilo que conhecia, mas também não havia começado o novo momento. Deixava a casa dos pais, criava uma vida nova. Naqueles dias do primeiro semestre de 2017, tinha terminado o primeiro álbum solo, Recomeçar, sucessor de Melhor do Que Parece, o terceiro disco com O Terno, sua banda.
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Flutuava, sem ser o que foi um dia, sem ser o que seria mais para frente. E isso, o nada, engatilhou uma nova safra de canções.
“Eu sei que é muito cedo para parar pelo caminho”, canta ele, em “Tudo o Que Eu Não Fiz”, canção que abre o novo disco dele com O Terno, <Atrás / Além>, lançado nesta terça-feira, 23, nas plataformas digitais.
Tinha, até então, gravado três discos com a banda (66, de 2012, O Terno, de 2014, e Melhor do que Parece, de 2016). Sem Biel Basile (bateria) e Guilherme D'Almeida (baixo), também soltou Recomeçar (2017).
“Eu quero tudo o que eu não fiz”, clama ele, de novo, em “Tudo o Que Eu Não Fiz” - e você perceberá, ao longo desse texto, como versos da primeira música do novo e quarto disco d’O Terno, são reveladores. Autobiográficos, sem cair em clichês fáceis demais.
Tim, com essas linhas escritas para a abertura seu novo álbum, comprova o que gente graúda da música brasileira, como Gal Costa, Paulo Micklos e Jards Macalé, já entendeu - os três já gravaram canções do artista paulistano. O garoto, hoje, 27 anos, é como um vento refrescante numa arte calourenta demais de primavera. Fresco e ainda quente, mas novo.
Cada álbum do Terno ou solo puxava o seguinte, com novas sonoridades, novas dúvidas, mais propostas estéticas. Naquele primeiro semestre de 2017, contudo, Tim Bernardes não tinha mais nada guardado na manga.
<Atrás / Além> é o quarto disco do trio O Terno criado a partir desse buraco. O trabalho é forte candidato à liderar as listas de melhores discos de 2019 porque entrega, em 12 canções, o retrato das angústias de uma geração que já foi eufórica e virtuosa, como O Terno do disco 66, já experimentou novidades de O Terno, o álbum, saboreou a leveza de Melhor do Que Parece e as amarguras de Recomeçar.
Tim assuniu a maturidade aos pouquinhos e, agora, vive a própria transição, a mesma de tantos outros jovens que também viveram os anos mais recentes de crise no País. Fez isso em <Atrás / Além>, em versos, melodias, harmonias. Não parou no tempo. Porque, na vida real, o tempo não espera. Ele corre apressado e nos resta lidar com o que ele traz, os quilos a mais ou a menos, os cabelos que caem ou mudam de cor, as decisões erradas, os novos amores, as antigas paixões, as cicatrizes recém-recuperadas acrescentadas ao lado de outras mais antigas.
Neste novo vácuo temporal criativo, Tim não tinha passado, presente nem futuro. Escreveu na antiga casa, no antigo quarto que já deixava de ser dele, escreveu também na nova morada, vazia de móveis, ao som do eco das canetadas que dava no papel.
Em tempos de mudanças, Tim deixou de compor em um caderno, preso à ordem das páginas, com começo, meio e fim marcados, e passou a criar em folhas em branco e avulsas. Seu momento era como aquelas folhas em brancos avulsas espalhadas pelo chão de uma nova sala sem mobília que ainda não poderia ser chamada de lar.
Portanto, não há melancolia ou felicidade exacerbada no novo trabalho d'O Terno. <Atrás / Além> é o disco mais maduro d'O Terno porque expõe o que jovens na casa dos 30 anos sentem na pele o aproximar da vida adulta na sua plenitude.
Nem tão jovens para serem irresponsáveis, nem adultos demais para terem as vidas resolvidas, Tim, Biel e Peixe (apelido de Guilherme D'Almeida) se divertem ocupando esse período de hoje, tão confuso e, também, excitante para os jovens dos anos 2010.
Fazer discos, para eles, já não é algo novo, nem desconhecido. <Atrás / Além> foi a chance de se divertirem durante o processo. Vivenciaram o álbum ao longo de um ano, até o fim das gravações, mixagem e masterização.
Daí vem o título do disco, que também flerta com a poesia concreta e a linguagem de HTML. Entre as palavras "atrás" e "além" tem uma barra. E ali está O Terno, entre o passado e o futuro, de olho em ambos, mas em nenhum deles de fato.
E talvez o leitor tenha percebido, ao longo destes parágrafos, que toda a construção do texto se dá por meio de contraposições, "nem isso e nem aquilo", "tem isso, mas aquilo". E é proposital. Assim é <Atrás / Além>, também. Um disco de contradições, contraposições, de choques de certezas sem que nenhuma saía completamente inteira depois da batida.
"Não vou ficar contente preso num final feliz", diz Tim, de novo em "Tudo o Que eu Não Fiz".
É, sim, um disco de despedidas. Os outros álbuns criados por Tim, com O Terno e solo, com Recomeçar, a ideia de um ciclo parecia guiar suas composições, com alegrias e tristezas se conectavam por altos e baixos. Não é por acaso que Melhor do que Parece e Recomeçar, os então últimos da safra de Tim, fossem tão complementares. Eram os extremos norte e sul, solar e frio, de um mesmo momento.
Agora ele, eu-lírico, se posiciona fora desse círculo. Com distância, vê o tempo de forma diferente, como se o expectador ainda fosse o mesmo narrador de todos os discos lançados até aqui (quatro, no total), mas vivenciasse uma experiência extracorpórea e, nesse novo plano existencial, não houvesse o que entendemos como o conceito do tempo.
Não há ciclo em <Atrás / Além>. Há apenas o "há", o existir, vazio, cheio, pouco importa. Está ali, em branco, como a capa do álbum.
É simbólico que o primeiro vídeo-arte soltado pelos rapazes (e lançado com exclusividade pela Rolling Stone Brasil), para a música "Nada / Tudo", trouxesse uma superfície pintada com tinta amarela (cor-tema de Melhor do que Parece), aos poucos, lavada por água corrente até que restasse apenas o branco.
É um disco de fim, de fato. De um primeiro inicial do Terno, como diz a banda, em entrevista à Rolling Stone Brasil. "São despedidas e coisas novas", diz Guilherme D'Almeida. "Mas não é um funeral nem um renascimento. É tudo ao mesmo tempo", teoriza.
"Fazemos essa brincadeira de fim de ciclo", conta Biel. "A vida é de fato cíclica e talvez a gente vá se encontrar nessa situação várias vezes", ele opina.
Para Tim, está tudo misturado ali. Ou não, também. Ele explica que vê <Atrás / Além> como um fruto do coletivo de Melhor do que Parece e individual de Recomeçar. Tudo nasce a partir do baú vazio.
Na ficha técnica de <Atrás / Além> a palavra "final" se repete dez vezes, entre letras de músicas (presente em "Tudo o que Eu Não Fiz", "Pra Sempre Será" e "Profundo/Superficial") e no título e no corpo de "E No Final", última faixa do disco.
São muitos os finais tratados ali, mas todos, de forma concreta, são realmente pontos finais, mais incisivos. Instigado, Tim não quer um final necessariamente feliz, como cantado em "Tudo o que Eu Não Fiz".
Também é um "final" reflexivo, de olhar para trás e perceber aquilo que viveu, de bom e ruim, em "Pra Sempre Será": "Se no final, na conclusão / É bom ter tido um amor de verdade / Levar comigo um amor de verdade".
Na música "Profundo / Superficial", ele teme o fim: "Madrugada outra vez / Fim de um dia / Tenho medo de ir dormir / Eu me evito / Eu adio outro final / É difícil". Mas também volta à ideia de ciclo, quando diz, na mesma canção, que "o começo e o final são o mesmo".
Por fim, com "E no Final", uma faixa esteticamente bastante semelhante à vibe do disco Recomeçar, embora a voz de Tim soe mais grave, ele se coloca a questionar a própria existência. "Será que existe um fim pro meio poder descansar? / Será que há algo a se levar sozinho no final?", ele diz, pesaroso, antes de trazer um tantinho de esperança com "E quem diria, quem chorou hoje não chora mais / E no final só o amor ainda estava lá".
<Atrás / Além> também mostra um Tim Bernardes compositor a revisitar a própria trajetória em companhia d'O Terno.
Faz sentido, dentro desse contexto de estar na barra, entre o "atrás" e o "além". Afinal, com O Terno, Tim cresceu, como artista, como compositor. Da euforia irônica e melancólica de 66, primeiro disco com a banda, até o reconhecido amadurecimento estético de Recomeçar. São, ao todo, dez anos de banda.
"Nada/Tudo" faz essa função, quando ele, entre memórias afetivas gostosas, relembra pessoas que viverem com ele essa trajetória: "Como é que vai Vaquinho / Como é que vai Luiza / Como é my brother Charlie / Salve Tute, Salve Geeza / Companheiro Bielzinho / Porows, Peixe / Nóis, Clubinho / Mari e turma da pesada / Não me sinto tão sozinho".
Noutra música, homenageia diretamente Biel Basile, baterista da banda desde Melhor do Que Parece (2016), embora já fosse próximo a Tim e Peixe anos antes disso, com "Bielzinho / Bielzinho" - aqui, eles brincam com o uso do traço, tão sério nas outras canções, e leve aqui.
"Toca simples / Toca tranquilo / É bateria arte, meu amigo / É rock n roll, é baião / Pop, erudito / Ah! Como ele toca bonito!", canta Tim. Além da homenagem ao companheiro de banda, a canção mais eufórica de <Atrás / Além> é uma oração à vivência da banda em turnês, na estrada, a fazer aquilo que eles sempre quiseram quando começaram, uma década atrás.
"Junto com Peixera, o famoso Rei do Baixo / Que eu canto e toco dando risada", diz Tim, também. Por fim, Tim está feliz. E sabe que não esteve/está sozinho nessa caminhada.
Costumeiramente, nos outros discos d'O Terno, a banda assinava a produção ao lado de Gui Jesus Toledo. Agora, Tim assume a função que, antes, já exercia. É o produtor de <Atrás / Além>, enquanto Jesus Toledo, Biel e Peixe são co-produtores.
“Assumi esse papel e foi importante entender isso”, conta Tim, “mas, na prática, não foi tão diferente quanto das outras vezes.”
Faz sentido a partir da narrativa única que o disco entrega. Todo o conceito foi criado por Tim entre folhas de papel avulsas e depois apresentado aos outros dois rapazes da banda. A partir dali, gravaram as bases só em voz e violão e levaram, para as férias, um CD com as músicas.
Ouviram, cada um dos três, para criarem a unidade que se expõe em <Atrás / Além>. Depois, os arranjos de cordas entraram para multiplicar os temas do álbum e dar a eles pinceladas de cores mais melancólicas.
Tim enxerga <Atrás / Além> como “um disco para se ouvir do começo ao fim, no fone de ouvido do seu celular”, como ele diz. É claro, isso faz sentido com o movimento proposto pelo Terno de ampliar alcance e atingir um público cada vez maior.
Portanto, as 12 músicas foram criadas para funcionarem individualmente, com suas histórias próprias, sem a necessidade de um começo, um meio ou um fim. Por outro lado, cada uma delas também conversa com as outras a partir do conceito de vivenciar a existência do “traço”, nem lá nem cá.
O álbum será lançado em vinil duplo, já disponível no site da banda, com seus lados A, B, C e D. Ainda que a narrativa não seja explícita, ela existe e entrega uma reflexão profunda, sem pesar demais. Fica a cargo do ouvinte montar a história que preferir.
Não confunda <Atrás / Além> com Recomeçar, embora o uso dos arranjos de cordas possa fazer uma aproximação passageira. O álbum solo de Tim trazia consigo temas que se repetiam entre as canções, como linhas a costurar os retalhos desses amores perdidos. Agora, o tema das canções, mais unitário, a partir do ponto de vista do jovem descobrindo a própria existência, é quem conduz a narrativa.
“Já vivemos as coisas pela primeira vez, pela segunda vez”, avalia Tim. “É um disco sobre o que rolou até aqui. Para a banda, pessoalmente, é um disco sobre vir até aqui, ser um sujeito jovem dessa época.”
Desta forma, Tim constrói a sua narrativa linear, sem se prender à linearidade do tempo e espaço. Se Recomecar era um filme, inteirinho, <Atrás / Além> é um ensaio, uma obra com pedaços de existência reunidos, aqui e acolá.
Mas a melhor forma de descrever <Atrás / Além> talvez seja aquela sensação de deitar a cabeça no travesseiro e deixar os pensamentos voarem para onde quiserem, livres, por tempos e histórias vividas, sem ordem cronológica, passearem sensações, saudades, alegrias e dúvidas sobre o futuro, antes de pegar no sono e deixar todas as questões para o dia seguinte. Leve, por fim.
Ouça <Atrás / Além>, novo disco d'O Terno:
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