Banda encerrou sua décima primeira passagem pelo Brasil e já deixa saudade; leia a íntegra da matéria publicada na edição 113 (janeiro/2016)
Paulo Cavalcanti Publicado em 29/03/2016, às 12h51
No natal de 1975, Steve Harris, então com 19 anos, ex-baixista de uma banda chamada Smiler, resolveu que era hora de montar um novo grupo – desta vez, um em que ele pudesse aplicar os conceitos que tinha em mente. Inspirado pela donzela de ferro (em inglês, “iron maiden”), um instrumento de tortura medieval que viu em uma versão em filme de O Homem da Máscara de Ferro, Harris batizou o que viria a se tornar um dos maiores representantes do metal na história.
Nestes 40 anos de existência, o Iron Maiden segue com a popularidade inabalada. A banda se manteve alheia a certa indiferença da crítica, às mudanças no gosto da música popular e também às flutuações de tendências dentro do próprio cenário do rock pesado. Conseguiu isso tudo com honestidade e mantendo a consistência musical. É possível afirmar que a discografia do hoje sexteto tem mais altos do que baixos, como exemplifica The Book of Souls (2015), o 16º álbum de estúdio, já tido pelos fãs como um belo destaque na carreira da banda. É o trabalho que servirá de base para os cinco shows que o Maiden fará no Brasil em março.
Os integrantes se consolidaram no final dos anos 1970, na chamada New Wave of British Heavy Metal, movimento que renovou o rock pesado inglês e também influenciou o heavy metal do outro lado do Atlântico – o Metallica, por exemplo, sempre se declarou fã dos britânicos.
Enquanto o Iron Maiden ascendeu, muitos contemporâneos desapareceram. Desde o momento da fundação, a formação mudou inúmeras vezes, mas algumas coisas permanecem imutáveis. Uma delas é a presença de Harris. Tudo o que diz respeito ao grupo passa pelo crivo dele. E Bruce Dickinson, que entrou em 1981, mesmo não sendo o cantor original e tendo saído por um tempo para se dedicar à carreira solo, sempre foi e será a voz definitiva da banda.
Como é próprio da ética de trabalho que desenvolveu, a princípio o Iron Maiden não vai celebrar de maneira específica estas quatro décadas. Eles comemoram trabalhando e não recordando o passado. É por isso que a turnê de The Book of Souls será gigantesca, possivelmente a maior já feita pela banda.
Como bom britânico, Stevie Harris sempre vai direto ao ponto, mas não chega a ser intimidante. Em conversa por telefone, o músico de 59 anos se apressa em esclarecer que The Book of Souls não traz nenhum conceito. “Mas pode até parecer que ele tem algum tipo de tema central ou narrativa, porque sempre amarramos tudo”, explica. O álbum foi registrado de setembro a dezembro de 2014 no Guillaume Tell Studios, em Paris, onde eles já tinham gravado Brave New World (2000). “Voltamos para lá porque era um local excelente, com clima tranquilo. Era justamente o que precisávamos”, completa o baixista. “Boa parte das faixas foi concebida dentro dele, com todo mundo cara a cara e mostrando as ideias.”
The Book of Souls é o primeiro álbum duplo de estúdio da banda, tendo duração de mais de 90 minutos. O disco saiu depois que os fãs se recuperaram de um grande susto: o anúncio, no começo de 2015, de que Bruce Dickinson sofria de câncer na língua. Segundo Harris, ninguém tinha a menor noção do que estava acontecendo com o cantor. “Bruce não falou nada e também não demonstrou nenhum sinal de doença. Ele gravou tudo normalmente, então ficamos surpresos com a notícia. E, quando se ouve o álbum, fica claro que ele está cantando melhor do que nunca.” Para o líder do Iron Maiden, o assunto está encerrado e agora é uma questão pessoal de Dickinson. “Bruce é batalhador e a força de vontade dele foi um fator determinante para que tudo acabasse bem”, encerra.
Mesmo sem ter um conceito definido, The Book of Souls rapidamente fisga o ouvinte: o álbum abre e fecha com duas composições de Bruce Dickinson, “If Eternity Should Fail” e “Empire of the Clouds”, respectivamente. “Não foi nada planejado. Bruce tinha essas duas ótimas canções e elas foram crescendo dentro do estúdio conforme fomos colocando os instrumentos”, comenta Steve Harris. Segundo o baixista, essas faixas longas e épicas mostram que Bruce Dickinson, além der ser um cantor como poucos, também é um grande compositor.
Como um competente capitão, Harris gosta de elogiar os comandados. Ele ressalta o trabalho feito pelos guitarristas Adrian Smith, Dave Murray e Janick Gers. “O Maiden sempre foi uma banda apoiada no som das guitarras, e nós temos a sorte de trabalhar com três dos melhores do mundo. Eles têm personalidades diferentes, e essa é que é a graça.” O novo trabalho agrega parcerias de todos os guitarristas com Harris, embora o baixista ressalte que os ri s de guitarra de “The Red and the Black” foram criados por ele.
Além do Maiden, Harris também mantém o projeto paralelo British Lion, que lançou em 2012 um disco homônimo. Diferentemente de sua banda titular, o quinteto faz um som menos trojevante e mais calcado no classic rock inglês dos anos 1970, usando também um pouco de folk. Apesar de exaltar o trabalho com o grupo (“Nada me faz tão bem quanto excursionar com eles”, diz), Harris deixa claro que fazer parte de algo mais modesto é uma empreitada secundária, que serve mais como uma espécie de terapia. “Com o British Lion, tudo é diferente do gigantismo do Maiden. Tocamos em locais pequenos. Para mim, serve para lembrar de quando comecei”, afirma. “É também uma chance de ter um contato mais direto com os fãs, algo que se torna impossível em apresentações do Maiden. Gosto de saber o que acham. O feedback é sempre necessário.”
Ao contrário de Steve Harris, o cantor Bruce Dickinson, de 57 anos, costuma se mostrar agitado, de fala rápida. Quem trava contato com ele garante que se parece mais com um executivo do que com um astro do rock. Depois que soube que estava com câncer, Dickinson passou, no começo de 2015, por sessões de quimioterapia e radioterapia. Em maio, os médicos declararam que ele estava livre da doença. “Eu sou um cara muito ativo. Às vezes, fi co pensando: ‘Perdi um período da minha vida por causa do tratamento e das coisas que aconteceram comigo’. Mas sei que não posso ficar pensando assim, já que deu tudo certo”, afirma o vocalista.
“If Eternity Should Fail” e “Empire of the Clouds” eram, na verdade, canções que Dickinson havia composto para um possível projeto solo, e que acabaram sendo escolhidas para iniciar e finalizar The Book of Souls. Mas, para o cantor, esses não são os destaques do novo CD do Maiden. A canção que mais o impressiona é “The Tears of a Clown”, parceria de Steve Harris e Adrian Smith. É uma das letras mais diretas do trabalho. Só depois de cantá-la Dickinson descobriu que a dupla a tinha escrito sobre o comediante Robin Williams, que se suicidou em agosto de 2014. “A letra é bem poética. Quando penso no Robin, percebo que a tragédia e a comédia andam de mãos dadas.”
A interseção do Maiden com o pop vai além de uma canção escrita em homenagem a um ator responsável por encabeçar diversos blockbusters. Recentemente, Lady Gaga afirmou que queria ser “o novo Iron Maiden em vez de a nova Madonna”. E também comentou que, na opinião dela, os músicos ingleses são uma das maiores bandas de rock de todos os tempos. Bruce Dickinson se diverte com o lisonjeio da estrela. “Eu também admiro a Lady Gaga, e por um motivo: ela sabe cantar, não é uma invenção de estúdio. Consegue atingir notas incríveis.” Ele ainda elogia o tino artístico dela: “Gaga é muito esperta, sabe como conduzir a carreira e experimentar outros estilos. Quem sabe um dia ela também não grave um álbum de heavy metal?”
Cinco anos se passaram entre The Final Frontier (2010) e The Book of Souls. Tendo, na última década, levado no mínimo um triênio entre um álbum e outro, os fãs poderiam acreditar que a verve criativa do Iron Maiden pudesse estar começando a esmorecer. Mas Dickinson garante que esse não é o caso. “Não é o último álbum do Iron Maiden. Pode até levar mais alguns anos, mas ainda viremos com mais discos de inéditas.”
Depois de quatro décadas de trajetória, a Donzela se mantém mais firme do que nunca. “Eu acho que resistimos porque nunca nos vendemos nem apelamos para coisas fáceis”, avalia Dickinson. “O importante é que sempre permanecemos fiéis a princípios que estabelecemos há muito tempo.”
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