- Badbadnotgood se apresenta no dia 7, em São Paulo, na Audio Club (Foto: Divulgação)

A partir de parcerias com rap, Badbadnotgood impulsiona o jazz para o mainstream [ENTREVISTA]

O quarteto, que mescla o gênero sofisticado às bases do hip-hop de forma inventiva, chega ao Brasil pela terceira vez

Nicolle Cabral Publicado em 06/11/2019, às 17h20

O hip-hop não é estranho ao jazz. Desde Notorious B.I.G., passando pela mente criativa de Kanye West, o universo musical do rap utilizou de trechos e samples do gênero em suas canções.

B.I.G., por exemplo, usou uma passagem de "Lonely Fire", de Miles Davis, como base da icônica faixa "Suicidal Thoughts", em parceria com Puff Daddy. Enquanto West também incorporou, e incorpora, clássicos samples do soul e do jazz nas próprias canções como "Do What You Gotta Do", de Nina Simone, em "Famous", música em parceria com Rihanna, para o disco The Life of Pablo (2016). 

A mistura entre a inquietação criativa presente no hip-hop e a orquestração clássica do jazz, fez com que, ao longo dos anos, esses dois gêneros se fundissem da forma mais inventiva possível.

Ainda mais para o Badbadnotgood, que fez o caminho inverso dessa construção, e por isso, se fincou como uma das melhores bandas de jazz do mundo. O detalhe: com os todos os integrantes, no início, com menos de 21 anos.

Formada inicialmente por Chester Hansen (baixista), Matthew Tavares (teclado) e Alexander Sowinski (bateria), o grupo se conheceu na Universidade Humber College em Toronto, no Canadá.

Com a chegada marcada no Brasil para esta quinta, 7, o grupo se apresenta em São Paulo na Audio Club, com um convidado brasileiro especial, Arthur Verocai.

Chester concedeu uma entrevista para a Rolling Stone Brasil e contou a surpresa que foi para o grupo ver as pessoas se identificando com o tipo de música que eles se propõe a fazer. 

"Eu não acho que quando começamos, nós pensamos que as improvisações e o jazz seria algo que as pessoas queriam. Então é bem legal ver várias pessoas gostando da nossa música e indo aos nossos shows."

Cada um dos integrantes cresceu ouvindo grandes produtores de hip-hop sampleando os discos de jazz e inevitavelmente, ao perceberem que partilhavam do mesmo gosto por ambos os gêneros, na primeira oportunidade, apresentaram uma session baseada no Odd Future, coletivo de rap alternativo, sucesso entre 2010 e 2014, na universidade.

Os professores não gostaram, mas o grupo compartilhou no YouTube um vídeo com a mesma apresentação, de nome de The Odd Future Sessions, com versões de músicas dos integrantes do OF como "Orange juice", "AssMilk" e "Bastard".

Após a publicação, não demorou muito para que Tyler, The Creator - criador ávido dentro do hip-hop - notasse os jovens. Pouco tempo depois, o rapper se juntou no estúdio de Badbad para gravar uma versão de "Seven".

Esse encontro reverso - do hip-hop dentro do jazz - fez com que o som do grupo ganhasse uma atenção diferente. Em 2012, foram convidados por Frank Ocean para serem a banda de apoio do rapper em uma apresentação no festival Coachella.

Com os dois primeiros álbuns, BBNG e BBNG2, focados em estudar e replicar as bases mais tradicionais do hip-hop, o grupo foi, aos poucos, conquistando espaço. No terceiro projeto, intitulado de III, o Badbadnotgood surpreendeu ao se afastar das reinterpretações para condensar todas as influências e transformá-las no primeiro trabalho com 100% de material próprio.

Durante a entrevista à Rolling Stone Brasil, Chester pontuou o quão "valiosa" foi a experiência de aprender [com os 'covers'] o que faz uma música funcionar ou não. 

Em 2015, ao retomarem a aproximação mais explícita com o hip-hop - mas sem perder a originalidade que construíram no álbum anterior - lançaram um disco, o primeiro com vocais, em colaboração com Ghostface Killah, integrante do icônico grupo de rap Wu-Tang Clan.

No ano seguinte, amadureceram ainda mais a ideia construída até aqui, com participações ativas de outro gênero que também buscam explorar: a música eletrônica. Com isso, entregaram o quarto álbum de estúdio, IV, que conta com o haitiano-canadense Kaytranada, integrante do The Celestics, em "Lavender", e Samuel T Herring, do grupo norte-americano de música eletrônica, na faixa "Time Moves Slow" (sugiro a escuta).

Ao refletir sobre a ideia por trás desse álbum, considerado o mais eclético do grupo, Chester conta: 

"Antes desse álbum ser lançado, nós estávamos trabalhando em um projeto colaborativo [com o Ghostface Killah]. Esse foi um processo interessante, porque desde o III, a nossa visão foi ampliada e tivemos a oportunidade de experimentar e trabalhar com várias pessoas diferentes."

Ele segue: "A verdade é que fomos muito sortudos em todas as nossas colaborações. Conseguimos gravar com todas as pessoas no mesmo estúdio [para o IV] - o que torna as coisas muito mais fáceis do que colaborar com alguém que está distante de nós - e no início não tínhamos uma ideia formada, algum tema definido, então quando terminamos de produzir, vimos uma junção incrível de canções."

Quando questionado se o grupo sentiu alguma mudança no direcionamento ao fazer música desde que o IV saiu, o baixista diz: "Com certeza. Desde que o álbum saiu, com tudo que trabalhamos nele, desde o conceito a arranjos, e com o que estamos mais focados em ouvir agora, acredito que estamos buscando por mais improvisações."

Paralelamente, o trio - que virou quarteto após a entrada de Leland Whitty no saxofone - seguiu participando de projetos com rappers. Alguns exemplos dessa empreitada são as contribuições em "After the Storm", de Kali Uchis (que chega ao Brasil pela primeira vez no Lollapalooza 2020), com participação de Tyler, the Creator e Bootsy Collins.

Além disso, trabalharam ao lado de Snoop Dog, Denzel Curry e Kendrick Lamar, no álbum mais recente do rapper, DAMN, na faixa "Lust" (que perdurou por 35 semanas no Hot 100 da Billboard).

É notável que o jazz está longe de ser um dos gêneros que se equipara com a ordem mundial da indústria musical. Mas, a chegada da cultura do hip-hop ao mainstream - ainda que de maneira sútil - tem facilitado essa entrada do gênero subjacente e Badbadnotgood se beneficia dessa crescente ao incrementar o próprio repertório com a autenticidade presente no rap.

"De certa forma, eu acho que estamos fazendo o que faz sentido para nós. O jazz é desafiador, com certeza", diz Chester, "mas ver que as pessoas estão chegando no gênero por nós, me deixa muito contente. Então sim, é algo que intecionalmente estamos tentando fazer para impulsionar o jazz". 

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