- Cena do filme A Música da Minha Vida (Foto: Divulgação)

Com canções de Bruce Springsteen, filme A Música da Minha Vida é um tratado inocente sobre intolerância e xenofobia [ENTREVISTA]

Filme criado por Gurinder Chadha mostra como as músicas de Springsteen podem afetar um jovem inglês com ascendência paquistanesa nos anos 1980

Pedro Antunes Publicado em 21/09/2019, às 20h35

Gurinder Chadha, a diretora de A Música da Minha Vida, teve um momento de revelação com Bruce Springsteen quando ouviu o disco The Rising, de 2002, um ano depois do atentado de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos.

As músicas criadas pelo artista também conhecido como The Boss sobre o reerguimento depois daquele ato de terror tiveram um impacto profundo na diretora e roteirista nascida no Quênia, criada na Inglaterra e de ascendência paquistanesa. "A forma como ele criava aquelas músicas...", ela diz, de forma pausada, à Rolling Stone Brasil, "foi muito importante para mim."

Duas vezes indicada ao Bafta, considerado o Oscar britânico, Gurinder é fã declarada de Springsteen há tempos - "o disco dele, The River [de 1980] é fantástico também -, mas transformou seu fanatismo em cinema, com o filme A Música da Minha Vida, que estreou nesta semana nos cinemas brasileiros.

Com o título original de Blinded By The Light, o longa conta a história de Javed (interpretado por Viveik Kalra), um jovem de ascendência paquistanesa em uma Inglaterra xenofóbica e intolerante.

Ele, filho de imigrantes, é tratado como lixo por uma sociedade que não aceitou bem a chegada da comunidade paquistanesa. Vem de uma família de estrutura familiar tradicional; o pai trabalha como pode, a mãe é costureira e faz bicos em casa. Javed quer ser escritor, mas isso está longe daquilo que o pai pensa para ele.

A Música da Minha Vida poderia ser só um filme sobre um jovem que se revolta contra os pais, se não fosse o contexto sócio-político e cultural no qual o longa está inserido. Tanto em 1980 quanto em 2019, vive-se momentos de ódio, de sangue, de pouco diálogo e muita cusparada.

Javed sofre em uma sociedade que não o aceita, em uma família que não lhe permite ser quem é. Tudo muda a partir do momento no qual ele ouve as canções de Bruce Springsteen, apresentadas a ele em uma fita cassete entregue por um amigo.

Por mais que Springsteen não vivesse as mesmas situações que o jovem Javed, cantasse de sobre um país diferente daquela Inglaterra, suas músicas se conectam com o rapaz e o transformam de forma definitiva.

Curiosamente, Viveik Kalra, que vive Javed, não conhecia Bruce Springsteen a fundo antes das filmagens. "Eu o conhecia de nome", ele conta. "Fui conhecendo as músicas, aprender. Foi uma jornada semelhante à de Javed."

Toda o filme de Gurinder trata das transformações de forma inocente e doce. As interferências gráficas nos momentos nos quais Javed coloca os fones de ouvido para desfrutar Springsteen poderiam ser evitadas, também. Mas é compreensível: é um filme em amor ao Boss.

Mas por baixo dessas camadas superficiais que ficam entre o brega e o fofo, A Música da Minha Vida vai pesado no que é a xenofobia. Em dado momento, Javed confronta um inglês que picha xingamentos aos paquistaneses em um muro. É afugentado com violência.

Difícil, mesmo, de assistir, é o momento no qual a prima de Javed, montada para o casamento, tem o carro que a levaria para o altar pego no meio de uma manifestação nacionalista do grupo de ultradireita Frente Nacional Britânica e o pai do protagonista é agredido por homens que gritam para que os paquistaneses deixem a Inglaterra.

"Era um momento na história no qual as pessoas apanhavam nas ruas", diz o intérprete de Javed, Viveik Kalra, à Rolling Stone Brasil. "O pior é que eu sabia que deveria correr entre aquelas pessoas. Lembro de dizer a mim mesmo que não era real. E, mesmo assim, fiquei aterrorizado."


É aterrorizante porque é real. E essa marcha de fato ocorreu. E, pior, é bastante provável acontecer de novo. Seja na Inglaterra de hoje, com o primeiro ministro Boris Johnson, nos Estados Unidos de Donald Trump, e no Brasil de Jair Bolsonaro.

Gurinder tinha a ideia de fazer A Música da Minha Vida há pelo menos 20 anos, como ela revela à Rolling Stone, mas foi outro motivo a fazer com que projeto ganhasse vida, enfim. "Fiquei arrasada com o Brexit", ela conta, ao citar o movimento britânico de se desligar da União Europeia. "Entendi que era o momento de fazer algo. Como tenho ascendência paquistanesa, sentia que era a hora e contar essa história."

A diretora completa: "O que Javed tem com Springsteen poderia ser o que qualquer jovem tem com outro artista. A importância da música nessa idade é enorme. É isso que queria tratar também."

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