Músico viajou o Brasil com Canções de Apartamento e encontrou o denominador comum que serviu de inspiração para Sábado
Lucas Reginato Publicado em 06/11/2013, às 17h12 - Atualizado às 20h17
Canções de Apartamento, o primeiro disco do Cícero, é um típico sucesso do nosso tempo. O álbum, disponibilizado gratuitamente na internet em 2011, teve números inesperados de download e arremessou o compositor para a carreira de artista. Desde então, ele conheceu todas as grandes cidades do país e encontrou um desconhecido público nos palcos por onde passou. Em setembro deste ano, ele disponibilizou Sábado, que embora seja notavelmente diferente da estreia é uma consequência direta da sua recente trajetória.
“Eu não vejo como uma ruptura, mas uma continuação. Minha vida mudou muito nos últimos dois anos - viajei, conheci outras cidades, outros estados, outras opiniões que me fizeram fazer um disco como Sábado”, diz o cantor. “Eu fiz mais para expressar meu estado de espírito do que na intenção de ser um êxito. Queria que as pessoas entendessem qual é a minha e o que se passa na minha cabeça, e não que me vissem como uma tentativa de hitmaker.”
Toda a repercussão do primeiro trabalho gerou reflexões ao artista, que compreende o papel que ocupa. “A internet é o terreno das opiniões. É um troço muito doido porque, no mundo real mesmo, no Brasil real, eu sou completamente desconhecido. Eu vou ao banco, à padaria, e nada acontece.” Cícero explica que freou antes de correr atrás do sucesso: “Quando eu botei o disco na internet, em um ano eu já tava tocando no Brasil inteiro, já ganhava prêmio, nego já me parava na rua. Seis meses antes eu era um indie que meia dúzia conhecia, sabe? Isso foi acontecendo, eu fui achando legal, mas teve um momento que eu falei ‘espera aí, deixa eu ver do que se trata’. Porque eu sei que são certos passos difíceis de reverter depois.”
“Quando você quer uma coisa você tem que estar preparado para conseguir. Eu quis fazer música, viver disso e consegui, o disco foi um sucesso, toquei pra caramba, legal. Agora eu tenho que entender o que isso significa no meu dia-a-dia, na minha vida prática. Se eu vou querer continuar sempre sob essa égide de fenômeno de internet, ou se vou querer ter um público que acompanha meus discos sem necessariamente o êxito comercial.” As opções são retóricas – com Sábado, ele escolheu o caminho em que se sente mais livre. “Me orgulho de ter feito um disco diferente, porque eu como compositor fico feliz, me sinto mais pleno, mais realizado. A aceitação é uma questão de comunicação e é sempre um jogo do zero, mas eu não tenho essa vontade de achar o êxito, os lugares em que eu mando bem, e ficar neles.”
Os dois discos são pessoais e compartilham um caráter intimista, mas foram construídos com fórmulas distintas. Se no primeiro o cenário era colorido, cheio de balões e pipas imaginados de dentro de seu apartamento, agora a narrativa é universal. “Esse cenário que eu tentei expressar no Sábado foi muito presente nos meus últimos dois anos. Esse céu, os postes, o avião, o ônibus, o trânsito, a cidade, os centros urbanos - é um troço que, cara, conheci todos no Brasil nos últimos anos. Fui pra todos os lugares e identifiquei esse denominador comum, no meu coração principalmente. Algumas cidades têm praia, outras não. Algumas têm pipa, outras não, algumas têm alegria, outras não, mas essa coisa urbana meio rançosa, o céu meio pesado, esse estado de espírito meio urbano, meio real e pouco alegórico é um denominador comum que achei em todas as cidades, em todas as pessoas que encontrava.”
“A realidade imposta nos centros urbanos limita muito a nossa capacidade de sonhar. Pô, você tem limitações físicas, geográficas, intelectuais, psicológicas, financeiras - uma porrada de dificuldade pra você conseguir atravessar o sonho até a realidade. Isso gera uma espécie de desânimo. Não tanto um desânimo romântico, de que ‘oh, tudo é horrível’, mas um desânimo mais real mesmo, um desânimo pé no chão, de que tem que se caminhar nessa velocidade mesmo, porque é o que dá. O Sábado eu queria que fosse um companheiro desse momento. Que fosse um disco que fizesse sentido nesse momento do seu dia.”
“A proposta do disco não é impressionar, é dividir um estado de espírito meu e real dos últimos dois anos”, conta. O aspecto confessional do álbum é reverberado pelo caráter essencialmente artesanal, mesmo que ele tenha recebido colaborações pontuais de nomes como Marcelo Camelo e Silva. “São minhas criações mais verdadeiras”, exalta ele, com orgulho, depois de relatar a dificuldade de trabalhar muitas vezes sozinho no processo de gravação: “É foda, passa por você captar com microfone, saber qual instrumento você vai querer para fazer qual nota, como vai mixar isso. Esse disco eu gravei com iPhone, gravador de fita cassete, computador dos outros. Estava tentando de todas as formas possíveis captar um sentimento subjetivo da minha cabeça, e isso dá um trabalho desgraçado”.
“As minhas opiniões estão em todas as frentes. Não só no arranjo, na forma como eu gravo, mas também na forma como eu escrevo, como eu distribuo, como eu lanço”, afirma. Ao colocar o disco à disposição do público, a recepção é espontânea – e essencial, segundo ele. “É um espelho, uma sessão de psicanálise, você fala um negócio e as pessoas respondem o que elas entenderam. Isto é mais importante que aprovação – é você conseguir ver com nitidez aquilo que você é e faz.”
Cícero também compreende que Sábado não seja uma unanimidade, mas ressalta que é preciso tempo. “O Canções de Apartamento comunicava rápido – ou você amava ou você odiava logo na primeira audição. Eu senti muito isso. O Sábado fica mais no meio termo, acho que é difícil gostar ou odiar logo de cara, acho que demora um pouco mais de tempo. Por algumas questões mais técnicas, acho. É um disco que não tem refrão, não tem prato de ataque, não tem clímax, não tem letras tão grandes com mais material para você se identificar - ele não tem tantos objetos visualizáveis. Ele não é muito palpável – fiquei com essa impressão depois que eu fiz. E aí comunica em outro tempo.”
“As resenhas do primeiro disco eram quase que uma repetição umas das outras, era quase que uma unanimidade porque todo mundo já tinha ouvido falar antes em algum lugar. Este disco não - todo mundo ouviu junto, e no dia seguinte tinha desde gente falando que o disco era genial até gente dizendo que era um lixo. Sinal de que pelo menos o disco movimentou o senso crítico, que era o que mais queria que acontecesse.”
É o jeito dele, ficou claro. “Não queria me deixar infiltrar pela expectativa”, diz, sensato, ele que relata que por isso não quis fazer o disco na estrada, “com shows cada vez mais cheios, com uma plateia cada vez maior, com cada vez mais gente tatuando aquilo”. Cícero parece certo do que quer e consciente do rumo tomado. “Canções não vai desaparecer, está lá para todas as gerações”, diz, para justificar a liberdade criativa. Sábado reflete os pensamentos do artista e, mais do que isto, reverbera, musicalmente, o positivo caos que invadiu a vida dele.
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