Entre figuras histórias, romances trágicos e instrumentos orgânicos, a cantora norte-americana entregou o melhor - e mais denso - disco da carreira até agora
Nicolle Cabral Publicado em 08/09/2019, às 16h00
Em um primeiro momento, o piano ressoa. E durante uma hora e sete minutos, o instrumento orgânico conduz uma atmosfera densa - e incrívelmente sensível - para que Lana Del Rey flutue no disco Norman fucking Rockwell, lançado no dia 30.
O quinto álbum de estúdio da cantora norte-americana nos apresenta, da forma mais sofisticada, a curadoria instrumental escolhida a dedo ao lado do produtor Jack Antonoff, nome por trás de álbuns de grandes artistas da indústria do pop como Taylor Swift e Lorde.
Os violões, o baixo e o piano evocam os ventos de uma praia nos anos 1970 nos Estados Unidose os vocais de Del Rey guiam exatamente até os pontos da história sobre a qual ela quer narrar.
O romance trágico e a melancolia são temas presentes, mas, nesse registro em especial, a artista consegue criar um cenário com noções históricas e musicais, da decadência que está sendo vivida nos Estados Unidos no século 21 - imerso de violência e retrocessos - e revelar o retrato do que é sobreviver enquanto esses destroços caem em nossa volta.
Mergulhada no imaginário da Califórnia, Del Rey apresenta referências artísticas e geográficas do estado e evidencia quem ela levou para um passeio de veleiro durante as 14 faixas do disco. Lendas da música como Beach Boys, John Lennon, Joni Mitchell, David Bowie e Led Zeppelin são alguns desses.
A figura principal da narrativa - e que dá nome ao álbum - Norman Rockwell, foi um artista norte-americano e Del Rey se inspira na figura desse homem para criar um personagem. Poeta e arrogante, a cantora o descreve como alguém que não merece mais o seu amor.
"Você me f*deu tão bem que eu quase disse: ‘eu te amo’ / Você é divertido e selvagem / Mas você não sabe metade da merda que você me fez passar", canta na faixa homônima.
Na faixa seguinte, "Mariners Apartment Complex", a história de amor ganha outra perspectiva no momento em que o eu-lírico de Del Rey tenta se desfazer dessa desilusão.
"Eu sou o raio, o relâmpago, o trovão / O tipo de garota que vai te fazer pensar / Sobre quem você é e quem você foi."
Del Rey demonstra uma tremenda evolução como compositor ao chegar em Norman Fucking Rockwell. A faixa "The greatest", por exemplo, espelha o sentimento pessimista que a embala em relação aos Estados Unidos - e ao atual presidente, Donald Trump - e reflete sobre as questões do aquecimento global.
Tudo isso de forma concisa e melancólica.
A potência vocal de Del Rey é sofisticada. A cantora tem uma habilidade tremenda de modular a voz para os sussurros, suspiros, falsetes e faz tudo em momentos muito certeiros. O fato, combinado as poesias cantadas e embriagadas pelos arranjos, cria uma atenção particular para ela.
"Fuck it I Love You", que faz referência ao clássico jazz "Dream a Little Dream of Me" da Ella Fitzgerald, é um dos pontos altos do disco. O cover de "Doin' Time" do Sublime, "California", "Bartender" e a sutileza de "Happiness is a Butterfly", cujo em um verso da música já nos anuncia que Del Rey "era uma coisa, mas agora é outra", deixam a evolução muito clara.
"Venice Bitch", a faixa com maior duração do disco - chega aos 9 minutos e 37 segundos -, foi tachada como desnecessária pela crítica especializada por perdurar em solos instrumentais.
No entanto, a música estabelece a primeira viagem psicodélica do disco e faz isso de forma curiosa - como se o Oceano Pacífico fosse logo ali. Com isso, a música prepara para a Lana Del Rey que está por vir nas próximas faixas do álbum.
Ao final, quando entrega uma narrativa sólida, de forma primorosa, Del Rey encerra o disco com a música "Hope is a Dangerous Thing For a Woman Like Me to Have - But I Have It" que condensa todas as emoções que esse novo projeto nos transmite. Sensível, revisita a América, o mal estar da sociedade, os amores, os bares e a liberdade tornando todas as referências escolhidas por ela onipresentes na obra.
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