Em uma inclusão forçada de um homem latino e uma mulher negra, o longa da Netflix não faz nada além de reforçar antigos estereótipos
Clara Guimarães Publicado em 16/08/2020, às 12h00
Barraca do Beijo é branca demais. Essa foi uma das críticas que reverberou pelos veículos de comunicação com o lançamento do filme adolescente da Netflix em 2019. O motivo é óbvio: o longa segue a história de jovens bonitos, ricos e brancos em uma escola privada vivendo histórias de romances e amizades. Não foi feita para ser inclusiva ou revolucionária - e sim para seguir clichês de produções adolescentes.
O problema é que esses clichês nunca foram certos para começar. Machismo, sexualização e assédio eram inseridos em filmes como algo fofo ou engraçado - e Barraca do Beijo parece querer continuar a nos convencer que eles são.
Do primeiro para o segundo filme, no entanto, houve uma mudança, um esforço da produção. Talvez por terem escutado as críticas, os produtores incluíram na continuação de Barraca do Beijo um homem latino e uma mulher negra.
Barraca do Beijo 2 apresenta Marco Pena (Taylor Zakhar) e Chloe Whinthrop (Maisie Richardson-Sellers) para criar tensão no relacionamento principal. O garoto tenta seduzir Elle, enquanto Chloe aparece sempre muito íntima de Noah.
O que mais sabemos sobre os dois? Não muito. A primeira coisa que vimos de Marco - antes mesmo de seu rosto - é um vídeo explícito dele malhando sem camisa. A personagem principal em seguida descreve de diversas maneiras diferentes o quanto o garoto é sensual, e o foco ao longo do filme é a beleza e o corpo do latino - que ainda está no Ensino Médio.
Mas se sabemos pouco de Marco, o que vemos de personalidade em Chloe é quase nada. Ela é apresentada de forma bem sexualizada como “a outra mulher”. O filme foca na beleza e na capacidade de sedução da britânica, mesmo quando sabemos que ela é uma das melhores alunas de direito em Harvard.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Levi Kaique Ferreira, palestrante e colunista no site Mundo Negro, falou sobre essa questão que existe há séculos no cinema. “Não é novidade [ter essa sexualização no cinema]. A novidade é termos produções adolescentes com atores negros, mas estes herdaram a hipersexualização já comuns em outras produções”, explicou.
Em Barraca do Beijo, entre a hipersexualização de Marco e Chloe e o uso dos dois apenas como instrumentos para desenvolver o plot principal dos brancos, existe uma desumanização dos personagens. Eles não têm nenhuma característica ou motivação além de ser amigo, ou estar apaixonado, pelo protagonista.
A Teen Vogue fez a mesma crítica com o lançamento do longa, afirmando que “em histórias em que os sentimentos dos brancos ocupam o centro do palco, as pessoas de cor muitas vezes são meramente ornamentais”.
Enquanto o jornal britânico The Tab descreveu Marco como “o clássico retrato exageradamente sexualizado de qualquer hispânico” e que “o fato de esses personagens não serem brancos parece uma reflexão tardia”, já que “se você pegasse o caráter deles e os tornasse brancos, nada realmente mudaria”.
Levi completa esse pensamento com uma análise histórica da representatividade negra no cinema ao dizer que "os demais atributos relacionados a um ser humano não são relevantes quando se trata do homem negro e essas produções reforçam isso”.
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É ainda mais frustrante que uma produção atual de alto orçamento, feita para jovens por uma plataforma como a Netflix, seja tão retrógrada. Personagens como Marco e Chloe poderiam ser muito mais interessantes até que os próprios protagonistas.
Como é ser o único latino em uma escola de pessoas brancas? E como é ser uma mulher negra estudando direito em Harvard? Existem muitos aspectos da vida desses personagens que poderiam ter ganhado foco ou pelo menos algum contexto, mas tudo o que vimos foi uma versão sexualizada de duas pessoas não-brancas.
E Barraca do Beijo 2 não é a única a cometer o erro. Em Para Todos Garotos que Amei, outra produção adolescente da Netflix, o personagem colocado para causar tensão no casal principal é John Ambrose, interpretado por Jordan Fisher, um homem negro. Enquanto outro sucesso entre jovens, Crespúsculo, usa Jacob como um ornamento hipersexualizado de Bella.
Alguns podem argumentar que escalar atores não-brancos para os papéis, mesmo que reforçando esteriótipos, é melhor que nenhuma inclusão. Portanto, no caso de Barraca do Beijo, o segundo filme já seria mais representativo que o primeiro. Mas não é tão simples assim.
“Não haveria problema se um ou outro filme tivesse alguns estereótipos do tipo, desde que outras produções fossem diversas. A questão é que aparentemente os filmes enxergam negros SOMENTE dessa forma, e isso limita atores negros, passam mensagens negativas de pessoas negras e reforçam estereótipos sociais extremamente prejudiciais”, disse Levi.
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Portanto, para que haja uma verdadeira inclusão e mudança na representação dos personagens não-brancos no cinema, é preciso ir muito mais a fundo no assunto. “Para além da representatividade (negros em papéis) é necessário pensar em como essa representação está sendo feita. Reforçar estereótipos racistas não torna essas produções menos problemáticas das que não possuem representatividade nenhuma”, explicou o colunista.
Recorremos novamente a Levi para pedir dicas de bons de filmes com protagonismo negro. O colunista recomendou o vencedor do Oscar, Moonlight, o longa da Marvel, Pantera Negra, e o drama de suspense norte-americano, Queen And Slim.
“Costumo sempre falar desses filmes porque expressam masculinidades negras diferentes. Desde jovens gays à Reis com inseguranças, construção, histórias, relações paternas positivas e negativas. Enfim, complexidades em suas representações, fugindo de estereótipos”, disse.
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