Ecos de uma geração, os ritmos que movimentaram as pistas e as pickups dos DJs entre os anos 1980 e 1990, já passaram por alguns renascimentos - e parece que estamos no meio de um
Nicolle Cabral Publicado em 08/06/2020, às 07h00
Se em 2019 nos deparamos com alguns fenômenos improváveis dentro do pop mainstream, como os pesadelos sussurrados de Billie Eilish, e a energia caótica do duo 100 gecs - que soa como algo “perto do fim do mundo” - na cena underground, pouco menos de um ano depois, outras facetas do gênero voltaram a apostar corrida.
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O disco - projetado para nunca envelhecer -, o dance pop e o europop, que foram trilha das pistas de danças lotadas ao redor do mundo entre as décadas de 1970, 1980 e 1990, modelam as criações. SZA, Justin Timberlake, Dua Lipa e Lady Gaga são alguns nomes que aparecem como entusiastas para pressionar o botão dessa máquina do tempo em 2020.
"O disco está voltando com força total", diz R Dub, diretor de programação da rádio XHTZ em San Diego, em entrevista à Billboard. Música feita para dançar, com arranjos orquestrais, synths e vocais cheios de reverb, esses subgêneros da discoteca foram erguidos por uma áurea extravagante, luxuosa e que tomou o mundo em 1977.
O período, inclusive, coincidiu com um certo esgotamento do rock e da cena punk, o que fez com que vários artistas da época como Rolling Stones ("Miss You" de 1978), Elton John ("Victim of Love", de 1979) e Paul McCartney ("Goodnight Tonight", de 1979) também emplacassem ritmos dançantes.
Musicalmente, principalmente o disco surgiu da fusão rítmica de Sly and the Family Stone, Stevie Wonder, Marvin Gaye, George Clinton e James Brown - a discoteca também é filha da cultura preta. Socialmente, foi pioneiro ao falar sobre liberdade sexual, principalmente LGBTQ+, e do poder feminino.
Ironicamente, especificamente agora, essa estética, os upbeats, discursos livres e um globo prateado girando do teto (da sua casa, por causa da pandemia do novo coronavírus) parecem soar como algo essencial - e reconfortante.
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Dois dos primeiros artistas já aclamados a rebobinarem os ritmos dos galpões são SZA e Timberlake com lançamento rápido de “The Other Side”, faixa que integra a trilha da animação Trolls. Produzida por Ludwig Göransson - vencedor do Oscar como Melhor Trilha Sonora Original pelo filme Pantera Negra (2019) -, a canção é um deleite em synths industriais e na atmosfera disco. O vocal doce e confortável da cantora norte-americana e a aparição coringa de Timberlake soam juntos como ótimo refresco da cultura dos clubes.
Do outro lado, uma artista envolvente e com um repertório em ascensão. Future Nostalgia, que dá nome ao segundo disco de estúdio de Dua Lipa, é quase um trocadilho com essa viagem no tempo.
Em pleno 2020, a britânica ressurgiu, depois de um debute radiofônico com o disco homônimo em 2017, para evidenciar os sons magnéticos que agitavam as casas noturnas há quase quatro décadas e montar a própria pista de dança.
Segundo Lipa, o disco deu-se da ideia de criar canções autênticas, mas que “andassem ao lado dos pops clássicos e favoritos”. O resultado foi uma coleção de faixas irresistíveis e consistentes - trilha sonora de uma balada sofisticada e supervisionada por Kylie Minogue.
Com mais de 40 anos de carreira, Minogue é considerada um ícone do pop. Imersa em referências de Elvis Presley, Madonna, Kraftwerk e Ludwig Wittgenstein, a cantora australiana sempre se mostrou preparada para a indústria e fez milhares de corpos suarem com as canções sobre liberdade, amor e superação.
O primeiro disco lançado em 1988, Kylie, e o single "I Should Be So Lucky", conquistou imediatamente a primeira posição no Reino Unido e, ao longo de dois anos, os 13 primeiros singles chegaram no Top 10 da mesma parada. "Kids" (de 2000), "Slow" (2003) e o grande hit "Can't Get You Out Of My Head" (2001) foram outros sucessos barulhentos da cantora - o último chegou ao posto de um dos singles vendidos da década de 2000. Lipa, ao se inspirar nesse pacote da cantora, mirou no sucesso. Future Nostalgia estreou em primeiro lugar na Billboard UK.
Ancorada também pela equipe de peso de produtores como Stephen Kozmeniuk (To Pimp a Butterfly, Kendrick Lamar), Ian Kirkpatrick ("Look at Her Now" de Selena Gomez e "This Feeling" de Justin Bieber feat. Halsey), Stuart Price ("Get Outta My Way" de Kylie Minogue) e Jeff Bhasker ("Run This Town" de Jay-Z e "All of the Lights" de Kanye West), Lipa, ao longo de 11 faixas, dá as boas-vindas ao pop retrô com vocais intensos, atmosfera interestelar e synths brilhantes.
Nas composições, é como se escrevesse uma carta de amor dedicada às mulheres poderosas ao mesmo tempo, em que se permite ser vulnerável ao falar sobre paixões efêmeras e corações partidos. O disco segue a receita de glória de artistas que já buscavam a discoteca como fonte de inspiração e debutaram no topo das paradas como Madonna, Britney Spears e Lady Gaga.
E por falar na Gaga, aclamada por ter repaginado a estética do pop na última década com figurinos extravagantes e The Fame (2008), um incansável e ambicioso disco de estreia, a cantora também resolveu voltar às pistas de dança no momento mais isolado da história.
Lançado no dia 29 de maio, Chromatica é o sexto disco de estúdio de Gaga e sinaliza o retorno triunfal das raízes da cantora ao eletro-pop - gênero que a acomodou no início da carreira com os discos The Fame (2008), The Fame Monster (2009) e Born This Way (2011).
Com um catálogo musical marcado por arcos ambiciosos e aparições teatrais, Gaga seguiu como uma das artistas mais francas para discutir igualdade, liberdade e sexualidade (também da comunidade LGBTQ+) sob ritmos dançantes, principais pautas do megafone da discoteca desde a década de 1970.
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Produzido por BloodPop (Michael Tucker, produtor americano queridinho da indústria e responsável por hits como "Sorry", de Justin Bieber), Gaga retoma as influências de The Buggles e Kraftwerk. Além disso, a cantora também se encontra no pop atual ao se unir com o grupo de K-pop Blackpink em "Sour Candy" e em "Rain on Me" com Ariana Grande, faixa que já possui o posto de primeira colaboração unicamente feminina a estrear na primeira posição do Hot 100 da Billboard.
Versátil, o pop apresentou mais uma forma de dialogar com a indústria atual que passa por uma crise intensa por causa do coronavírus. Com a nostalgia em alta e um "retorno às pistas", que parece surtir um efeito reconfortante no público, é possível imaginar que as popstars decolem em uma nave para o futuro, mas não esqueçam de olhar para os retrovisores.
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