Criada pela incrível Liz Feldman, a série se apoia na dinâmica e amizade complexa das protagonistas
Malu Rodrigues Publicado em 03/06/2020, às 07h00
[Contém spoilers]
A segunda temporada de Dead To Me chegou na Netflix em 8 de março de 2020. A nova parte da comédia dramática prometeu resolver mistérios deixados pela primeira. Com o curioso nome em português, Disque Amiga Para Matar é a mistura perfeita entre ironia, exageros e sinceridade.
Além do enredo incrível, o que rouba a atenção na série é a química inabalável das atrizes Christina Applegate e Linda Cardellini em cena. As personagens - totalmente opostas - são interpretadas de forma excepcional pelas artistas. Applegate vive Jen, enquanto Cardellini vive Judy.
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As duas atrizes conseguem com maestria passar para o público as camadas complexas da amizade das personagens e como todos os traumas delas são construídos. Criada pela talentosa Liz Feldman, a série se apoia na dinâmica das protagonistas e revela uma das narrativas femininas mais bem construídas dos últimos anos. Mas, antes de estender esse assunto super importante, vamos entender mais sobre a produção. Confira:
No primeiro episódio de Dead To Me, depois da morte do marido que foi atropelado, Jen participa de um grupo de apoio. Lá, ela conhece Judy, que também diz que perdeu o companheiro. As duas começam uma relação e, a medida que a amizade delas se desenvolve, segredos começam a transparecer e descobrimos como Judy não é a pessoa que aparenta ser. Essa é uma visão simplista e geral da produção, que revela a cada episódio mistérios dos mais sombrios e irônicos.
Ao final da primeira temporada, o público precisa lidar com a rapidez do enredo, que não perde tempo com as histórias e nunca para de as atualizar. Com tantas reviravoltas, não demoramos para descobrir que o parceiro de Judy, Steve, na verdade, está vivo e não é nenhum anjo. E, para acrescentar, foram os dois que estavam no veículo que matou o marido de Jen.
Em uma atuação fantástica de Christina Applegate e Linda Cardellini, quando Jen descobre a verdade sobre a amiga, a viúva desaba e diz não querer mais nada com Judy. No entanto, em mais um revés, Steve aparece na casa de Jen a ameaçando. Depois de uma discussão intensa, o público termina a temporada com a revelação de que Jen matou Steve e, depois, chama Judy para a ajudar a esconder o corpo.
A segunda temporada, então, lida com todas as resultantes do suposto desparecimento - na verdade, assassinato - de Steve. Para ficar ainda mais complicada, a nova parte introduz o irmão gêmeo do companheiro de Judy, Ben, na série.
Se a história pareceu exagerada, pode acreditar, ela realmente é. No entanto, ela é construída com cuidado. Todo o roteiro é escrito de forma que torna toda a história viciante e, depois de nos relacionarmos com as protagonistas, entendemos as ações delas - além de torcer para as mesmas.
Para além da explicação básica do enredo, a série não diminui, corre ou superficializa a construção das personagens. Na primeira temporada, acompanhamos de perto o desenvolvimento da amizade de duas mulheres com os próprios traumas. Entre muitas idas e vindas, as duas criam uma relação complexa, mas bem familiar para quem assiste.
Se na primeira parte nos é apresentado o começo dos mistérios e o impacto deles no início da amizade turbulenta delas, na segunda a relação é mais consolidada - e as novas reviravoltas atingem o relacionamento das personagens de forma diferente. As protagonistas passam por jornadas pessoais bem distintas, mas ainda assim elas continuam juntas e apoiando uma a outra.
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Ponto importante e essencial da trama: as duas protagonistas são mulheres de 40 e poucos anos. A criadora Liz Feldman é uma das primeiras autoras a colocar mulheres dessa idade como personagens centrais de uma série. Poucas vezes podemos ver em Hollywood e em uma plataforma como a Netflix, o protagonismo de mulheres de meia-idade - uma delas mãe - sem estereótipos.
Indo para a narrativa das personagens, tanto Jen como Judy são ligadas pelos traumas que têm com as figuras masculinas. Antes de todos os acontecimentos da série, Jen, por exemplo, lidava com o marido distante.
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A corretora era alvo direto da manipulação do companheiro depois de ter passado por uma cirurgia de remoção das mamas. Ao longo da série, é revelado que a personagem realizou o procedimento para prevenir o câncer, doença da qual a mãe dela foi vítima. Depois da cirurgia, Jen revelou que o marido não se relacionava mais com ela. Quando a mulher o questionava, ele a chamava de 'louca' - isso para descobrimos que o marido tinha uma amante bem mais nova.
Enquanto isso, Judy também era manipulada por Steve. O advogado sempre se comportava de forma abusiva com a companheira e a rebaixava sempre que podia. O abuso era tão arraigado na vida de Judy, que a mesma se sentiu culpada quando Steve morreu. Além disso, ela precisou lidar os efeitos prolongados que o gaslighting do ex-noivo surtiu.
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Dito isso, é preciso apontar que a relação das duas vai além dos homens que a rodeavam e rodeiam. Elas não são resumidas pela mediocridade dessas figuras. Pelo contrário, a série deixa bem claro como as personagens se entendem na vida uma da outra - e rejeitam a percepção de 'loucura'.
Elas enfrentam o passado, luto, a família, os amigos - e os próprios sentimentos. A produção mostra de forma crua, realista, e sem deixar o tom sarcástico de lado, a relação de mulheres com elas mesmas e com outras mulheres. Ao longo dos episódios, vamos descobrindo com elas como se encontrar e controlar o próprio destino no meio tantos acontecimentos.
Apesar da representação bem realista de mulheres, não podemos esquecer que a série não tinha muita representatividade e era repleta de privilégios - e até as protagonistas apontam isso em uma cena. Só na segunda temporada personagens não-brancos e LGBTQ+ tiveram mais espaço - apesar de deverem ter ainda mais em uma possível terceira parte.
A detetive Perez (Diana-Maria Riva), por exemplo, ganha uma outra camada nos novos episódios. O público vê uma ligação inesperada entre ela e Jen. Até então sem muito destaque, Perez ganha uma história e um passado. E, pelo desenvolvimento do último capítulo, podemos esperar por mais protagonismo.
Uma adição incrível da série foi Michelle, personagem LGBTQ+ interpretada pela atriz Natalie Morales, que se identifica como queer. A personagem rouba todas as cenas em que aparece e inicia uma relação leal e honesta com Judy. O relacionamento amoroso das duas também quebra os estereótipos de casais LGBTQ+ construídos em outras séries.
A vizinha de Jen, Karen (Suzy Nakamura), apareceu mais nessa temporada. Apesar do público descobrir mais da vida dela, ainda não vimos o ideal. A terceira temporada deveria e precisa dar mais destaque para a personagem que traz uma pegada ainda mais irônica para a produção.
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Dead To Me revela a importância de existirem criadoras, escritoras, roteiristas e outras profissionais mulheres em produções audiovisuais.
Todas as temporadas de Dead To Me estão disponíveis na Netflix.
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