Subestimadas por muitos, as produções de TV deram um peso emocional maior para o gênero e criaram histórias incríveis
Malu Rodrigues Publicado em 24/07/2020, às 07h00
O final dos anos 1990 e começo dos 2000 revelou a Era de Ouro para as comédias românticas no cinema. Filmes como Um Lugar Chamado Notting Hill (1999), Simplesmente Amor (2003), O Diário de Bridget Jones (2001) e De repente 30 (2004) são alguns dos clássicos que levantaram bilheterias e atraíram um público fiel para o gênero.
Antes deles, foram longas como Harry e Sally - Feitos Um para o Outro (1989) e Uma Linda Mulher (1990). Depois da década de 2000, as produções deram uma desacelerada e não se via mais tantas histórias clichês de casais apaixonados. No entanto, isso mudou no final dos anos 2010 e começo de 2020.
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Nos últimos tempos, o streaming investiu nas produções cinematográficas de comédia romântica. A Netflix lançou Meu Eterno Talvez (2019), Alguém Especial (2019), O Plano Imperfeito (2018) e Para Todos os Garotos que Já Amei (2018). A última, inclusive, ganhou uma sequência em 2020.
Nos cinemas, os longas Podres de Ricos (2018) e Uma Segunda Chance para Amar (2019) deram um novo ar para o gênero também. Essa nova leva de filmes revelou histórias um pouco mais distante da Era de Ouro. Vemos mais protagonistas não-brancos, personagens menos estereotipados e histórias mais reais. No entanto, não deixamos de notar a famosa fórmula que fez do gênero um sucesso.
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Apesar de algumas mudanças, o cinema não conseguiu se desprender tanto das velhas narrativas já datadas nos longas de rom-com (termo norte-americanos para esses tipos de filmes). Enquanto as produções das telonas não se adaptaram ou se arriscaram tanto em mais direções, outro formato explorou diferentes vertentes: as séries de TV.
Subestimadas por muitos, elas deram um maior peso emocional para a comédia romântica. Ao longo de (talvez muitas) temporadas, o público tem um contato diferente com o gênero. Se você está acostumado com os filmes, vai se surpreender com as séries de rom-com.
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Nelas, os espectadores são apresentados a novos dilemas e construções de personagens. E, talvez o mais prazeroso, a audiência tem a oportunidade de seguir - quase - todos os passos dos protagonistas, como se fôssemos amigos íntimos prontos para ouvir e dar conselhos amorosos. Além disso, também acompanhamos o relacionamento deles.
Esse é exatamente um dos pontos mais interessante nas séries. Podemos acompanhar os 'pombinhos' para além do primeiro encontro e do primeiro beijo porque os personagens precisam continuar com as próprias vidas. Assim, nós vemos todos os impasses, divertimentos e momentos decisivos da relação dos protagonistas. Também, nos tornamos cúmplices da evolução dos sentimentos deles e ficamos gradualmente mais investidos naquela história de amor.
Muito mais do que apenas as quase 2 horas de filme, o espectador submerge nos acontecimentos da série por anos. Cada episódio é uma avalanche de emoções diferentes e complexas.
Em entrevista à Refinery29, a criadora da série New Girl e do filme Sexo Sem Compromisso, Liz Meriwether, comparou as produções do cinema e da televisão. "Essas histórias de amor na TV estão indo para lugares [...] onde os personagens podem ter falhas. Esse é um lugar difícil para grandes comédias românticas em estúdio."
A autora também apontou o lado positivo de construir algo por um extenso período, como acontece nas séries: "Eu acho que é ótimo poder contar uma história de amor ao longo dos anos. Permite histórias mais complicadas que não se baseiam em mal-entendidos, más comunicações e mentira".
Ela continuou: “Acho que nos programas de TV, os obstáculos podem ser mais internos e emocionais - e também podem ser burros e loucos. Permite histórias de amor mais realistas na televisão. O legal de um romance na TV é que um visual ou um momento em um corredor, ou banheiro, pode ter muito peso".
A fala "histórias de amor mais realistas" se encaixa perfeitamente e resume as produções da TV e do streaming. Também é ela que justifica o sucesso e o motivo de gostarmos tanto dessas novas produções. Quando vemos narrativas mais pragmáticas, conseguimos nos reconhecer nelas. Afinal, o amor não é tão romântico assim, nem tão ideal como nos filmes.
Ele não é uma linha reta e, na verdade, tem várias voltas. É divertido e consolador ver essa mudança nas narrativas das relações amorosas.
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A autora Phoebe Waller-Bridge foi uma das que mais mudou o retrato do gênero. Em uma espécie de pós-coming-of-age, a escritora traduziu de maneira incrível e reconfortante os amores modernos nas séries Crashing e Fleabag. Phoebe tem o poder de escrever relacionamentos realmente estranhos e inusitados que por vezes parecem bem familiares aos espectadores.
Lovesick (2014) e Insecure (2016) seguem uma linha parecida com Fleabag. Elas fogem do retrato do romance perfeito e do final feliz definitivo. Inclusive, são exemplos de séries que investem cada vez mais em personagens autênticos e profundos que, como na vida real, às vezes nos fazem rir e às vezes chorar.
Please Like Me (2013), Love (2016) e Chewing Gum (2015) trazem episódios mais descontraídos, mas igualmente cativantes e intensos. O público entra em jornadas de términos, reconciliações e cuidados românticos e pessoais que dificilmente veríamos nas grandes telas - ou com um desenvolvimento tão completo.
Outro exemplo mais recente é High Fidelity (2020). A produção da Hulu estrelada por Zoë Kravitz chega 20 anos depois da primeira adaptação, o filme Alta Fidelidade (2000), com John Cusack. A nova série não revela situações confortáveis e nos mostra uma personagem magnética e na tentativa de se descobrir nos próprios sentimentos.
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Em todas essas narrativas, nos identificamos com pelo menos uma das figuras apresentadas. Também nos relacionamos com as falas, pensamentos, dúvidas e decisões questionáveis que os protagonistas mostram - ou pelo menos nos tornamos espectadores compreensivos.
Toda a vida amorosa bagunçada, complexa e prazerosa, que conhecemos das nossas próprias experiências, são retratadas de forma cômica e trágica nas produções - formato ideal para conseguirmos sentir o tom realístico delas.
Como em todas as décadas, a comédia romântica não vai deixar de se renovar. No entanto, a fórmula do gênero não deve mudar muito: pessoas se encontram, se apaixonam e precisam lidar com as consequências do sentimento. O que podemos sentir é uma maior imersão na história.
Se antes os protagonistas das rom-com nos filmes eram personagens planos e precisavam resolver todos os conflitos em pouco mais de 1 hora, os das séries de TV têm mais espaço para o desenvolvimento.
Apesar de notarmos uma mudança no tom de longas recentes em termos de narrativas, são nas séries que nos identificamos mais. Elas trazem um equilíbrio entre idealização e realidade crua na rotina de pessoas apaixonadas.
Enquanto o cinema já deu - novamente - uma descansada no lançamento de filmes de comédia romântica, as produções feitas para a televisão e streaming continuam.
Neste ano de 2020, Love Life estreou no HBO MAX. Protagonizada por Anna Kendrick, a série acompanha a vida de Darby Carter, desde o primeiro até o último amor da jovem. A cada temporada, a produção promete mostrar a história amorosa de um personagem.
Em 16 de julho, Normal People entrou para o streaming Starzplay. Como já publicado pela Rolling Stone Brasil, ela "foge do padrão das outras séries de televisão para te hipnotizar com um retrato honesto, confuso, exaustivo e bonito sobre como é amar alguém".
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Apesar dos dois exemplos focarem mais no romance do que na comédia, outras produções conseguem mesclar melhor ambos os elementos - e sem deixar o peso emocional de lado. Love, Victor também chegou este ano no Hulu. Inspirado no filme Com Amor, Simon, a série desta vez segue o adolescente Victor e a jornada dele enquanto lida com a própria sexualidade, questões familiares e amizades.
Zoey's Extraordinary Playlist, da NBC, é outra grande surpresa de 2020. A premissa da produção é revelar a rotina da jovem Zoey, que consegue ouvir os sentimentos mais profundos das pessoas por meio de músicas. A série já está confirmada para uma segunda temporada.
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A comédia romântica teve uma história incrível no cinema e ainda há muito o que ser descoberto nesse formato. No entanto, não podemos subestimar o poder dela na TV e nos streamings. É fora das telonas que descobrimos o quanto esse gênero pode ser reinventado e desenvolvido - e sem comprometer os moldes originais, apenas os aperfeiçoando. As séries provam o quanto o gênero não está ultrapassado e perdido nos anos 2000, mas sim renovando as diversas narrativas do amor em tons mais realistas e familiares.
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