“É uma ótima maneira de irritar as pessoas e, de certa forma, desafiar o que elas têm como padrão de ‘normal’ e ‘estranho’”, diz Lucas Nathan, músico "por trás" do projeto Jerry Paper
Lucas Brêda Publicado em 08/04/2016, às 12h54 - Atualizado em 09/04/2016, às 12h58
“Eu gosto dessa música, não costuma tocar nos Estados Unidos”, brinca Lucas Nathan, em um bar na Vila Mariana, São Paulo, falando de uma cover de Djavan entoada por um músico no local. O norte-americano, mais conhecido pelo nome que adotou no palco e nos discos, Jerry Paper, está aproveitando uma pequena excursão pelo Brasil, tendo tocado em Porto Alegre, no festival Meca, e em Caxias do Sul. Esta semana, ele ainda tem dois shows marcados na capital paulista.
Nathan gosta de música brasileira. Djavan não está entre os discos que ele teve contato – Erasmo Carlos, Chico Buarque e Arthur Verocai, por exemplo, são nomes mais familiares –, mas não é absurdo traçar um paralelo entre a faceta mais cafona (mas não a única), de música de barzinho, do cantor alagoano e as batidas programadas do californiano. Apesar de fazer um som contemporâneo, eletrônico de cabo a rabo, Nathan nutre uma paixão por sonoridades antiquadas escancaradamente ultrapassadas. Uma breguice com sentimento equivalente aos refrãos das mais piegas das músicas de novela de Djavan.
“Descobri que usar sonoridades sintéticas é uma maneira de irritar as pessoas”, comenta Nathan. “Sinto que as pessoas pensam: ‘Isso é uma merda! Essas guitarras estúpidas e fake!’. E eu gosto disso. Acho que vem do mesmo sentimento da noise music ou do começo do punk, tipo: ‘Vou tocar essa merda, esse barulho, e foda-se’. Basicamente, é uma ótima maneira de irritar as pessoas e, de certa forma, desafiar o que elas têm como padrão de ‘normal’ e ‘estranho’. Além disso, pessoalmente, acho que os sons são engraçados e gosto de dar risada deles.”
Nathan compõe, escreve, arranja, grava e produz tudo sozinho, com alguns teclados em mãos. Apesar de os timbres soarem propositadamente obsoletos e simplistas, as camadas de batidas e arranjos dão uma dimensão muito mais ampla às músicas deles. De certa forma, Nathan lembra o que fez Brian Wilson, do Beach Boys, em Pet Sounds, ou Daniel Johnston, em Hi, How Are You, com uma dinâmica autossuficiente, que une uma visão deslocada do mundo a melodias absolutamente cativantes.
“Gosto de música harmônica, melódica, mas também gosto quando algo é triste, para baixo”, confessa ele. “É tudo muito natural para mim. Vou fazendo as coisas e o que me faz rir mais é aquilo de que eu mais gosto. Acho que funciono desse jeito. Se posso fazer uma música sincera, mas de um jeito que me faça rir, então é isso.”
Apesar de recheada de passagens irônicas e versos irreverentes, a obra de Nathan pode soar dura e catártica, mesmo nos momentos mais leves. Em “Synthesized Mind”, ele tenta entender “o que nos faz pensar dentro de uma caixa”, sugerindo: “Não tenha medo de mudar as configurações de sua mente sintetizada”. Em “Perma-Song”, Nathan entoa que “mudança é a única garantia que a vida me ofereceu”.
Como Jerry Paper, ele lançou dois discos cheios nesta década, Carousel (2015) e Big Pop for Chameleon World (2014), de onde vem a maior parte do repertório ao vivo dele. Em cima do palco, Nathan vira uma caricatura dele mesmo, a entidade Jerry Paper, que não passa de um sujeito que amplifica todas as expressões de seu criador, uma figura excêntrica e descaradamente “estranha” para o padrão de comportamento social geralmente exigido das pessoas.
“Acho que começou porque eu estava compondo músicas mais sinceras do que eu estava fazendo antes”, conta ele da criação de Jerry Paper, no começo de 2012. “Eu estava muito mais auto-reflexivo e indo direto nas minhas inseguranças, falhas e ansiedade e problemas da vida. Estava tentando fazer algo com que as pessoas pudessem se identificar, as ansiedades e fraquezas delas. Não sei, mas parecia sensato fazer aquilo.”
A história do surgimento da figura que ele incorpora é complexa e foi necessária uma despersonalização para Nathan alcançar o que havia de mais pessoal em sua arte. “É mais fácil ser mais honesto se não... Se eu não estiver tipo: ‘Ei, sou o Lucas, um cara com ansiedade, sinto vergonha das coisas, veja lá! Sou eu!’”, assume Nathan, com honestidade palpitante. “É mais fácil separar as coisas, não sei. Pode parecer aquela história de querer se esconder atrás de uma máscara ou de um personagem, mas, na verdade, é mais sobre ficar pelado do que usar uma máscara. É uma maneira de ser mais sincero e menos conectado àquilo ao mesmo tempo.”
Nathan chegou a usar um colar de flores, anos atrás, como um ritual para se tornar Jerry Paper e subir ao palco, mas ele não gosta de chamar o alter ego de “persona” ou “personagem”. “Sou eu!”, comenta, exaltando-se e mexendo os braços para tentar explicar. “Não é como se fosse outro cara. Continua sendo eu, Lucas, mas... Não sei, é só uma maneira de ser mais honesto. Definitivamente, não consigo explicar”. Depois de assumir a incapacidade de expressar em palavras a relação Nathan/Paper, ele diz: “Você tem que presumir que ninguém vai entender o que quer que você esteja fazendo. Tem que presumir que você está falhando constantemente.”
Com uma sensibilidade peculiar, Nathan exalta o que a sociedade rejeita como “fora dos padrões” e se esforça para reunir pessoas com sentimentos equivalentes aos dele – muitas das quais devem estar presente no Sesc Pompeia, em São Paulo, onde ele toca nesta sexta, 8, e sábado, 9. Para isso, ganha uma identidade alheia à vida dele como Lucas Nathan – um californiano que morou em Nova York e, além de ser músico, trabalha com outros ofícios, como ser motorista de um sistema de caronas semelhante ao Uber –, um pouco para se proteger, mas também para se liberar e ser a versão mais crua dele mesmo.
“Nos meus projetos anteriores, quando ia subir no palco, eu ficava profundamente nervoso”, conta Nathan, falando de um “ritual de separação” no qual ele assume a personalidade de Paper para tocar em frente a plateias. “Eu tinha uma tensão tão grande no palco que passava por essas experiências, como se meu corpo fizesse tudo no automático e eu estivesse olhando aquilo de fora. Agora, como Jerry, isso não acontece mais. Percebi que eu poderia chegar a algo mais catártico, orgânico e visceral no palco. Sei que algumas pessoas podem falar: ‘Esse cara é um esquisito de merda!’ Mas tudo bem, é a minha maneira de pensar ‘Ok, estou me fazendo de tolo na frente das pessoas’ e dizer: ‘O quê? Você acha que sou idiota? Eu sou mesmo, sei disso [risos].”
Depois da entrevista, ao se despedir, Nathan disse: “Tchau, outro eu”, notando que temos o mesmo nome, mas se esquecendo de que o “outro eu” dele, na verdade, atende por outra alcunha. “Não é como se ele [Paper] fosse alguém genérico. Tive que fazer este ser que é separado, mas sou eu, e assim outras pessoas podem se conectar com ele também”, filosofa Nathan. “Sou eu e não sou eu ao mesmo tempo.”
Jerry Paper em São Paulo
Sexta e sábado, às 21h
Sesc Pompeia (Chopeira) – Rua Clélia, 93
Ingressos: entre R$ 12 e R$ 40 (há meia-entrada)
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